Nota sobre objetos indígenas encontrados nas
proximidades do Rio Pardo, matéria publicada
'O Regional, 07/06/1963:2* |
—"(...), baseado nos dados etnohistóricos descreve os tipos de abrigos e sua construção tanto em uma quanto em outra área ecológica de ocupação pelo grupo nas diferentes estações do ano, assim como descreve os tipos de atividades desenvolvidas por homens e mulheres, a manufatura de diferentes tipos de fogueiras, cestaria, cerâmica, artefatos líticos e de madeira bem como a caça e coleta dos recursos de subsistência, e sua preparação, e em alguns casos, a sua conservação (pinhão). Os mortos eram cremados e sepultados sob um montículo de até 50 cm de altura".
—"(...) não vive este gentio em aldeias com casas arrumadas como os Tamoios seus vizinhos, mas em covas pelos campos debaixo do chão, onde tem fogo de noite e de dia, e fazem suas camas de ramas e peles de alimárias que matam. A linguagem deste gentio é muito diferente da de seus vizinhos, mas entendem-se com os Carijós" (1587: 115).
1.2. Sumição e o possível extermínio
Os grupos Guaianã/Xokleng, em regiões às margens do Paranapanema,
igualmente desconhecendo a agricultura mantiveram-se nômades, vivendo da
exploração coletiva e de estocagem temporária daquilo que a natureza local
podia lhes oferecer, ou seja, continuando coletores, pescadores e pequenos
caçadores, sem cerâmica notável e com indústria lítica e em madeira bastante
pobres, inclusive de armas, que os tornavam impotentes diante dos adversários.
Portanto, não deixaram indicadores do modo de vida, pela indústria de armas e
objetos cerâmicos [vasilhames e utensílios], certamente colhidos pelos
sucessores, ou por jamais ultrapassar a condição de coletores, ou que não teve
tempo para autoafirmação nem organização tribalista regional.
Desta maneira, ainda não foi possível precisar
qualquer distribuição geográfica Guayanã em demais espaços territoriais que não
em região do Paranapanema, posto que nenhum de seus sítios arqueológicos chegou
intacto, mesmo suas cavernas ou subterrâneos, pelas reocupações por diferentes
grupos sucessores.
Talvez um grupo Guayanã, com certa identidade tribal
e denominado Botocudo, tivesse se fixado na região de Avaré até ser exterminado
pelo bando do desbravador sertanejo José Theodoro de Souza, em 1850, sem
notícias de sobreviventes ou registros de aldeados. Aparentemente o Botocudo
ali convivia com alguma tribo regional Caiuá, também extinta naquela razia
(IBGE: EMB, Volume XXVIII, Avaré / São Paulo, dados de 1957/1965: 99-100,
R.J).
A ausência de relatos permite, por ora, apenas o
asserto, fundamentado em fontes idôneas, que no final do século XIX não mais
existiam Guayanã na região do Vale do Paranapanema.
2. Caiuá - povo dito guarani
Os Caiuá ocupantes de
partes do Planalto Ocidental Paulista, no século XIX, não eram unidades
tribais. Talvez nunca tenham sido, dentro da nação Guarani, identificados a
estes, senão pelo uso de língua variante [dialeto] e certas proximidades de
usos e costumes, certamente adquiridos em aldeamentos mais próximos do litoral
paulista
Não parece incorreto que tais Caiuá tenham sido
destroços tribais unificados que adotaram usos, costumes e língua dentro dos
aldeamentos, por isso os Caiuá compreendidos como Guarani Independente.
Quase nada se sabe de Caiuá em estado selvagem na
região, pois que sempre foram vistos aldeados ou oriundos de reduções anteriores,
portanto a compreendê-los em diferentes períodos históricos, interpolados,
quanto às fixações e épocas, que ainda hoje confundem os estudiosos, com as
presenças de grupos ditos 'Tupi-Guarani', inclusos o Caiuá, presentes nas
reduções espanholas de São Tomé, Santo Inácio, Nossa Senhora do Loreto e São
Pedro, às margens do Paranapanema, praticamente um século antes de constatadas
suas presenças, como trabalhadores semi-livres ou aldeados, na Fazenda
Botucatu, um empreendimento jesuítico levado a efeito entre os anos 1719 e
1759.
Antecedendo os primeiros Caiuá na região é justo
pressupor alguma outra presença dos 'Tupi-Guarani', mencionada por Tidei Lima,
e destacada dos Caiuá (Tidei Lima, 1978: 9), certamente os Carijó e os
Tupiniquim mencionados por Capistrano de Abreu.
A despeito dos tantos aldeamentos e experiências com os brancos, os Caiuá do Planalto Ocidental Paulista e circunvizinhanças, em relação aos pioneiros, alternaram fases pacíficas com agressividades (Donato, 1985: 106), quando seu grupo acrescido de aparentados ou agregados selvagens.
2.1. Dos caiuá e carijó
Com a chegada dos brancos em Cananéia, entende-se que
os Carijó deixaram o local para habitar as vertentes do Paranapanema
(Capistrano de Abreu), fazendo recuar os Jê-Guayanã para o médio curso daquele
rio. A presença dos Carijó no Vale Paranapanema não antecederia, contudo, o ano
de 1526.
Já os primeiros Caiuá teriam chegado por volta de
1537, das regiões desde o rio Paraguai, rio Paraná, foz do Piquiri e barra do
Corumbataí, perseguidos pelos espanhóis caçadores de índios, para disputar com
os Guayanã partes territoriais às margens do médio do Paranapanema.
Uma segunda disposição seria em meados do século XVI,
quando fugitivos do branco escravizador, Caiuá vindos da região litorânea entre
Cananéia e São Vicente para se fixar além da serra de Botucatu, na região de
Avaré e às nascentes e partes do Paranapanema, unindo-se a grupos [parentes]
antecessores.
Considera-se que os Caiuá [primeira e segunda levas]
e os Carijó tenham se fundido numa única tribo, quando se interiorizam para
além do Guayrá, em 1581, postos em fuga pelo preador Jerônimo Leitão (Gilson
Bicudo, Resumo Histórico de Botucatu).
Por volta de 1602 muitos daqueles índios e
descendentes foram aprisionados por Nicolau Barreto, na região de Guayrá
(Gilson Bicudo), embasado nas obras de Hernani Donato e Amando Delmanto.
Os remanescentes Caiuás somente reapareceram na região do Paranapanema em 1608, em reduções jesuíticas espanholas de São Tomé, Santo Inácio, Nossa Senhora do Loreto e São Pedro.
2.2. Reocupações Caiuá
2.3. Apagamento cultural
—'Antigos moradores de Conceição de Monte Alegre, envolvidos no empreendimento, sob as ordens do Capitão Viriato Olympio de Oliveira, diziam que os Caiuás encontrados não iam além de 30 indivíduos, entre quatro ou sete famílias, pelo número de tabas levantadas' (Nota dos autores).
—Nimuendaju tratava-se do autodidata alemão Curt Unkel que, depois de longo contato com índios Tupi-Guarani adotou aquele sobrenome, antes de se transformar no "amargurado relator da triste trajetória dos Índios Oti-Xavantes no oeste de São Paulo" (Tidei Lima).
—"(...) essas populações têm sido confundidas, mais de uma vez, com os famosos Akuén-Xavánte, da família Jê, que vivem no Brasil Central e que por muito tempo conseguiram manter fora de seu território quaisquer intrusos, bem ou mal intencionados. Os "xavánte" paulistas constituíram na realidade duas tribos diversas, a dos Otí e a dos Opaié (...)" (Egon Schaden, 1954: 397).
3.1. Oti-xavante
Os Oti ou Oiti deixaram a Serra no final da primeira década de 1800, com a chegada dos brancos fazendeiros e posseiros, e ingressaram nos cerrados e campos pelos lados de Bauru e Lençóis Paulista, consoante Edson Fernandes (Fernandes, 2003:12), e depois, numa movimentação sempre precavida, pelo Morro dos Agudos, chegando ao território compreendido entre a Serra do Mirante e a margem direita do Paranapanema, a partir de Campos Novos, numa extensão rumo ao oeste paulista de pouco mais de cem quilômetros, conforme Schaden (1954: 397).
Telêmaco Borba, em 1878, contatou um grupo vagante Oti em Campos Novos, com a oportunidade em saber desse povo, sua língua, costumes e tradições (Actualidade Indigena, 1908: 72).
Os Oti que fugiam de seus senhores e aldeamentos, chamados 'incorrigíveis' pelos sertanejos, eram mutilados ou tornados imprestáveis para o trabalho e abandonados nos campos ao próprio destino, porém "o castigo do indio pela gente civilisada deve ter sido insignificante, porque o bugre é um inimigo quase inatingível", numa lamentável opinião de Theodoro Sampaio (CGGESP, Boletim nº 4, 1890: 107).
Sampaio, no ano de 1886, teria encontrado remanescentes Oti em Campos Novos, vivendo miseravelmente nos campos, dados a ladroíces, não civilizáveis, a importunar os brancos e lhes causar danos nas fazendas (In Boletim CGGESP 1890: 125).
Desde o meado ao final do século XIX, no Vale Paranapanema, os Oti foram perseguidos pelos brancos e expulsos de suas terras, mortos ou capturados para escravização, depois de passagem por aldeamentos onde aprendiam a necessária sujeição.
Bruno Giovannetti, José Jorge Junior e outros estudiosos regionais apontaram os Oti-Xavante como elemento pacífico, sobrepujado e até covarde, ladrões de roças e abates de animais causando danos às fazendas de criar (Theodoro Sampaio, in Boletim CGGESP, 1890: 137) e prejuízos às lavouras.
Dos Oti, marcados pelas tantas fugas dos servilismos forçados e pela própria transitoriedade territorial, obrigados a constantes deslocamentos pela presença branca, cada vez mais próxima e ameaçadora, apagaram-lhes todos os rastros no Vale Paranapanema.
Os Oti-Xavante encontrados na região do Paranapanema se deixaram facilmente dominar pelos brancos e a eles entregavam suas mulheres e filhas para a prostituição, para garantia de sobrevivência e proteções contra os aparentados rivais Caingangue, que lhes metia tanto medo. Esta submissão, todavia, não pode livrá-los do extermínio.
Em 1894 o engenheiro e topógrafo norte-americano, Olavo Augusto Hummel, em seu Relatório à Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Governo do Estado de São Paulo, relatou sobre os Otis: "porque hoje estão exterminados", esclarecendo "haver apenas um par de casaes em estado selvagem e poucos de menor idade domesticados entre os moradores do sertão" (1894: 19).
Dos casais Oti e provavelmente filhos embrenhados nas matas, no ano de 1903, segundo Curt Nimuendaju, foi assassinado o último homem restando quatro mulheres e quatro crianças (Schaden, 1954: 398).
3.2. Ofaiê-xavante
Seriam tribos da mesma etnia dos Oiti, os grupos indígenas que no século XVII não entraram em território paulista, espalhando-se pelo Mato Grosso hoje do Sul, ocupando afluentes do Paraná desde o Pardo ao Brilhante. Todavia, se os Oti não procedem dos Akuen-Xavante, os Ofaiê, conforme se autodenominam, também não, e o "grupo denomina a si próprio corretamente pelo etnônimo Ofayé e refere-se à área onde residem como 'comunidade indígena' e também como 'aldeia Ofayé'-" (Borgonha, 2006: 16).
O pesquisador tcheco, Chestmír Loukotka, em 1939, firmado nos estudos e glossário Ofaiê de Nimuendaju (1909/1914), concluiu e classificou a linguagem Ofaiê como isolada, com intrusões Jê, opinião essa que viria ser endossada pelo próprio Nimuendaju.
O Ofaiê caracterizou-se pelas constantes migrações, sempre em pequenos grupos, e resistências aos brancos. Apesar dos tantos estudos ainda não se definiu o povo Ofaiê.
No sítio eletrônico, Os Povos Indígenas do Brasil (http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ofaie/) "Os Ofaié nada têm em comum com seus homônimos Xavante, do rio das Mortes (os Xavante Akwen) e com os extintos Xavante de Campos Novos, do estado de São Paulo (os Xavante Oti)".
Estudiosos indicam entradas e fixações desses grupos no extremo oeste paulista, "à altura do Porto Tibiriçá, à margem esquerda do rio Paraná" (Tidei Lima, 1978: 41-A).
Muito se estudou sobre os Ofaiê, por quase quarenta anos, desde o etnólogo alemão Curt Nimuendaju nascido Curt Unckel, em 1909, a Darci Ribeiro que, no ano de 1948, conviveu quatro semanas com os Ofaiê, coletando dados etnológicos, culturais, usos, costumes e tradições conservados nos sobreviventes à implacável perseguição branca.
Outros grandes nomes têm se revelado nos estudos do povo Ofaiê, e apenas mais recentemente, com os estudos de Mirtes Cristiane Borgonha, a partir de sua dissertação de mestrado em 'Antropologia Social', com importante pesquisa bibliográfica, além de relatar experiências em rico trabalho de campo na aldeia Ofaiê, também denominada "Comunidade Indígena Ofaié-Xavante" (2006).
Darcy Ribeiro entende que os Ofaiê-Xavante foram violentos e opositores iniciais ao avanço dos brancos, conforme "estão a testemunhar a rápida extinção da tribo a as histórias das chacinas de que foram vítimas" (Ribeiro, 1951: 107, apud Tidei Lima, 1978: 41-A), obrigados ao abandono territorial paulista, para se evitar o extermínio.
3.3. Xavante 'paulista' - supressões tribais
Já a Carta Régia de 05 de setembro de 1811 autorizava a Guerra aos Xavantes:
—"(...) será indispensável usar (...) da força armada; sendo este também o meio de que se deve lançar mão para conter e repellir as nações Apinagé, Chavante, Cherente e Canoeiro; (...) não resta presentemente outro partido a seguir senão intimidal-as, e até destruil-as se nescessario for, para evitar os damnos que causam. Neste intento vos hei por muito recommendado, não só o enviar os convenientes reforços de Pedestres para o Destacamento do Porto Real, mas toda a vigilancia em dar as providencias que tenderem ao desempenho destas minhas reaes ordens" (Xavante: Panorama...).
Os brancos podiam, inclusive, promover ataques preventivos contra o denominado Xavante, pelas razias e dadas, para evitar que estes, num futuro, viessem atacá-los. Daí, talvez, a já mencionada assertiva de Florence: "chamam-se Xavante a todos os índios que aparecem na parte ocidental da Província de São Paulo e para la do Tietê" (IHGB, RJ, Revista Trimestral 38, 1876: 21).
Considerados Xavante todos os índios à banda Ocidental do interior paulista, significava dizer autorizadas as matanças a todo e qualquer grupo indígena opositor aos conquistadores, xavante de origem ou não.
Não se sabe com precisão quantos Xavante habitavam o Planalto Ocidental Paulista, quando da chegada de Theodoro e seu grupo no início de 1850, mas vinte anos depois, estavam reduzidos a menos de quinhentos indivíduos, reunidos em umas poucas aldeias de trinta a quarenta pessoas cada (Tidei Lima, 1978: 135).
Já além dos anos de 1870 o fazendeiro José Antonio de Paiva, na Fazenda São Mateus, pelos lados de Conceição de Monte Alegre, atual município de Paraguaçu Paulista, contava sua participação num massacre aos Oti que, pela narrativa de Curt Nimuendaju tornou-se documento histórico:
—"Uns sessenta homens armados até os dentes, numa manhã de nevoeiro, quando os Otis ainda dormiam, assaltaram a aldeia mais próxima na cabeceira do Córrego da Lagoa, afluente da margem direita do Sapé (...). Foram barbaramente assassinados sem distinção de idade ou de sexo (...). É difícil saber-se o número de Otis chacinados (...). Afirma José de Paiva, que tomou parte no feito, que os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade" (Tidei Lima, 1978: 135 e 136). Morticínios assim eram sequências às dadas inauguradas por José Theodoro de Souza em 1850, desde Avaré, no massacre dos Caiuá e Botocudo.
No ano de 1893 existiam cinquenta Oti em todo Planalto Ocidental Paulista, três deles em Campos Novos vivendo miseravelmente em estado selvagem, numa área escassa entre os brancos e os Caingangues.
No mesmo 1893, trinta Xavante errantes foram presos e conduzidos a São Paulo, diante do governo como prova do perigo indígena, cujo epílogo se encontra em narrativa de Curt Nimuendaju em 'O Extermínio da Tribo dos Otis':
—"O governo lhes deu alguns presentes e mandou-os de volta ao sertão (...). O regresso foi tristíssimo: diversos Otis foram vendidos enquanto que as mulheres eram entregues à prostituição (...). Em 1903, restavam dos Otis, um homem, quatro mulheres e quatro crianças, tendo o homem sido assassinado nesse mesmo ano (...). O ultimo Oti é José 'Xavante', capturado numa dada (onde perdeu pai e mãe) e casado com uma índia ‘Coroada’ [Caingangue]. Já foi vendido uma vez; em outra foi trocado por uma vaca. Tem vivido sempre escravizado; nunca o seu trabalho foi pago." (Apud Tidei Lima, 1979: 137).
4. Caingangue
Praticamente toda a imensa área entre os rios Tietê e Paranapanema, desde as nascentes do rio Feio [Aguapeí] e do Peixe, às barrancas do Paraná, estava sob domínio dos Caingangue, ameaçadores à presença do branco invasor de seus domínios, também intolerantes com outros índios da região, e belicosos até com suas próprias gentes de outras tabas.
Assunto referente aos Caingangue foi apresentado por José Jorge Junior, coluna no hebdomadário A Semana, de Paraguaçu Paulista – SP, no período de 08/10/1967 a 12/03/1969, 'Os Indígenas da Alta Sorocabana'.
Para alguns pesquisadores os Caingangue atrasaram em muito a ocupação do oeste paulista, historicamente compreendido pelas ações e reações descritas em relatório oficial de Gentil Moura, Chefe de Turma da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, ao governo paulista, consequentes de recontros entre índios e brancos: "O indio Corôado tem sido o empecilho para o povoamento dessa zona. Cioso da sua liberdade, zeloso das suas terras, da sua família, dos seus, defende-os com ardor, com toda a sinceridade, contra os brancos, cuja entrada no sertão não vêem com outro fito senão de mata-los e tomar-lhes as terras".
Registros outros apontam que até por volta de 1911/1912 ainda aconteceram ataques contra os brancos (Donato, 1985: 106) e os revides não menos sangrentos, nalgumas das mais dramáticas batalhas entre índios e brancos, que se têm notícias na história paulista.
Descendentes dos pioneiros e geração seguinte diziam que os 'Caingangue paulistas' não se deixavam capturar e nem morrer sem lutar, sempre resistindo sozinhos os ataques do homem branco, nunca a se por sob guardas ou proteções jesuíticas, como o fizeram as demais nações indígenas da região, os Oiti e Ofaiê [Xavante] e os Caiuá [Guarani].
Os Caingangue ainda que indiferentes e hostis às pregações cristãs, procuraram pelas reduções jesuíticas, numa estratégia política momentânea, ou instinto de sobrevivência, para se livrar dos invasores brasílicos ou do trabalho escravo aos castelhanos - as 'encomiendas', inclusive associando-se com etnias inimigas, dos Guaranis, para enfrentamento ao branco preador (Noelli e Mota, 1990: vol. 3-3).
Pelo domínio Caingangue quase absoluto das regiões ocupadas em princípios do século XIX, portanto pouco antes da chegada dos pioneiros, a história deste povo tornou-se de interesse para os estudiosos em melhor conhecê-lo, desde sua origem, tradições, usos e costumes, aos seus gestos heroico-suicidas em enfrentar, com bordunas, arcos e flechas, o branco invasor que vinha munido sempre de armas de fogo, numa luta bastante desigual já sofrida por outras etnias, "terminada sempre com a vitória dos atacantes" (Capistrano de Abreu, apud Tapajós, 1963: 96, quanto a fúria dos paulistas, bandeirantes e entradistas, em investidas pelos sertões).
De origem discutível, exceto naquilo que os apontam por subgrupo da família linguística Jê, tronco Macro-Jê, com seis dialetos compreendidos entre si, Jorge Junior confirma que são "bem controvertidas as teorias levantadas quanto a origem dos Caingangues, também conhecidos por Coroados".
—"A história do contato entre os Kaingang e os colonizadores europeus teve início ainda no século XVI, quando alguns grupos que viviam mais próximos ao litoral atlântico tiveram contatos com os primeiros portugueses. No entanto, os registros históricos dessa época não especificam com segurança aqueles grupos que [se] eram os ancestrais dos atuais Kaingang." (Apontamentos Sócio Ambiental: Kaingang).
—Num embate com os brancos, em 1531, esses Guaianá ficaram meses sitiados dentro de uma taba principal, sendo praticamente dizimados não só pelas armas e aprisionamentos daqueles que tentavam furar o cerco, como pelas doenças contagiosas que os portugueses lhes fizeram chegar, por alguns dos elementos da própria tribo, individualmente capturados e contaminados antes de libertados, exatamente com o propósito de extermínio biológico ou de devastação em massa, certamente naquilo que diz Gilson Bicudo, em seu 'Resumo Histórico de Botucatu', do contato europeu com os índios do planalto como a "primeira guerra biológica de devastação em massa."
Outros pesquisadores opinam que do encontro e união dos debandados Guaianá, com os destroços de antigas tribos como os 'Comés, Dorins, Votorões e grupos Quilombolas', surgiram os Caingangue, com o que justificam aqueles entendidos, 'a pouca inteligência, a deslealdade e sua extrema ferocidade'. Jorge Junior (Os indígenas... 12/03/1969) cita as tribos e informa dos encontros pressupostos, mas não os endossa.
Algumas opiniões dão os Caingangue como oriundos das margens do rio Uruguai, "entre o Rio Grande e o divisor Iguaçu-Uruguai" (Diário de Notícias, RJ, 20/09/1953: 27, 'Mineiros fundam cidades paulistas', de J.C. Pedro Grande, do Conselho Nacional de Geografia), que Jorge Junior entende expulsos da tribo original por alguma dissidência bastante grave, saindo os piores elementos os quais, entrando pelo Paraná, levaram de vencida os Caiuá e atingiram o estado de São Paulo.
A maioria dos autores entende que os Caingangue chegaram à região paulista, entre os rios do Paranapanema e Peixe, não antes do ano 1800, no entanto pressupondo-os de diferentes regiões, pelos dialetos apresentados, aumentam ainda mais o mistério migratório: 'porque habitantes de locais diversos e distantes convergiram para um mesmo lugar numa mesma época?'
A significação de Caingangue, apesar de tantas divergências, desde o tipo de corte do cabelo que se assemelha ao dos frades franciscanos, daí serem conhecidos também por Coroados, quanto a justificativas filológicas com significados de 'gente do mato', enquanto o estudioso Luiz Bueno Horta Barbosa, citado por Jorge Junior, afirma que os Caingangue só ficaram conhecendo esta denominação depois de ouvi-la dos brancos.
Não é errado, para Jorge Junior, acreditar que Caingangue seja o designativo Xavante 'Caingué', o mesmo que 'parente', para se referir a um igualmente índio ainda que de outra tribo ou nação, talvez apenas coincidente que Xavante e Caingangue sejam de um mesmo tronco linguístico familiar, segundo alguns especialistas.
Os Caingangue viviam em ranchos, um maior ao centro cercado por outros dez ou doze menores, com população de trinta a cem pessoas, naquilo que se pode denominar aldeia, tendo em volta área livre para plantações em épocas possíveis.
A moradia maior media uns dez metros de frente por três ou quatro de fundos, para o líder tribal, enquanto as moradias menores tinham seis metros de largura por dois de fundos, quase sempre destinadas a outros líderes e às famílias com crianças. Para táticas de guerras contra os invasores brancos, construíam ranchos isolados [um, dois ou três] e neles colocavam seus doentes, feridos e velhos - raramente mulheres e crianças, enquanto ficavam escondidos nos arredores aguardando o ataque inimigo.
Por entre a roçada, diversos caminhos conduziam rápido até aldeias em torno, cinco, dez ou mais delas, a depender do número de famílias, quase nunca além dos cem metros de distância uma da outra, que unidas formavam uma tribo. Eram ranchos com cobertura de um só plano, sendo em geral habitados pelos guerreiros.
Também esses ranchos estavam cercados por clareiras protegidas por troncos de madeiras e trincheiras estrategicamente postas, algumas camufladas como verdadeiras armadilhas. Eram mestres em apagar rastros e ocultar seus caminhos mediante presença inimiga.
O mobiliário consistia apenas em alguns pedaços de paus, um maior a unir teto e chão para pendurar tralhas, e outros menores e deitados que serviam de travesseiros ou bancos, todos destinados ao rancho maior [do cacique]. Fora da cobertura, mantinham fogo aceso para aquecimento e defesa contra peçonhentos. Os Caingangues dormiam sobre folhas espalhadas ao chão.
Os utensílios eram apenas os necessários: para o preparo culinário, numa trempe sobre o fogo, panelas de barro de um a dez litros; faziam machados de pedra para derrubar árvores; trabalhavam as flechas, arcos e lanças feitos em madeira; em ossos confeccionavam as facas, pontas de lanças e flechas, algumas de pedras lascadas e outras tantas pontas de ferro ou aço, conseguidas dos brancos por furtos e despojos.
As pontas de flechas e lanças podiam ser simples, duplas, tríplices ou quadridentadas. Algumas simples tinham fisgas e outras um pedaço roliço de madeira, próprias para caça de aves.
Sua melhor indústria era a da guerra, com arcos de dois metros e setenta de comprimento, biconóide, resistente e bem trabalhado com encastoados de guembê nas extremidades. Para atirar flechas com arcos tão grandes, alguns guerreiros deitavam de costas e com os pés esticavam seus arcos para maior eficiência e força dos lançamentos.
Os tamanhos das lanças curtas de arremesso variavam, de cinco a vinte centímetros de comprimento, sendo algumas das azagaias maiores que sessenta centímetros. As flechas geralmente eram uniformes em tamanho e quase sempre do comprimento do arco, feitas de duas peças, uma de madeira maciça unidas por guembê, outra de cana amarela com duas penas de ave na extremidade, que parecia melhor auxiliar na direção desejada.
Os Caingangue trabalhavam a cerâmica sem as preocupações de arte, seus vasilhames sempre tinham uma só forma, embora de tamanhos variáveis para utilidades também diferentes, como armazenagem de água e mel.
Vasilhames de algumas tribos apresentavam colorações diferentes, vermelhas, pardacentas, pretas e amarelas, como a sugerir para qual utilidade, como a preta que era para ser levada ao fogo; também foram vistas algumas cerâmicas com os desenhos de traços retos, quase propositadamente apagados.
As tribos Caingangue abandonavam seus ranchos, temporária ou definitivamente, quando obrigados a migrações, fazendo pelos caminhos pequenas choças sempre próximas:
—"(...) a uma arvore, cravam no solo uma vara de quatro a cinco metros de comprimento e por meio de um cipó amarram fortemente a uma arvore obrigando a vara a fazer uma curva em forma approximada á de um 'n'. No alinhamento da arvore e da vara assim curvada, cravam distante dessa outra vara que por sua vez é tambem encurvada e amarrada na parte superior da curva antecedente. A esta succede outra e assim por diante. Sobre as varas assim dispostas é estendida a cobertura, mas de um lado só, ficando outro inteiramente aberto para dar accesso ao interior das choças que são separadas entre si por meio de um anteparo do mesmo material que o da cobertura, geralmente feita de palhas de coqueiro ou de cascas de madeira" (CGGSP, Relatório de Gentil Moura).
Cada arranchamento tinha um líder guerreiro, tipo chefe de aldeia, um deles, quase que regra, seria filho do cacique.
A autoridade do cacique Caingangue podia ser posta em dúvida e ser ele destituído das funções, passando o cargo a seu filho primeiro, desde que este demonstrasse qualidades para tal exercício. Não havendo herdeiro presumível escolhia-se outro de qualquer família, o mais forte ou o mais velho; nenhum pesquisador parece ter identificado alguma mulher no exercício de líder de tribo ou chefe de aldeia.
Não tinham juízos do bem e do mal referente às condutas ou comportamentos individuais, sendo que ocupantes de cargos distribuídos como pajelança, vigia de campo, responsável religioso ou chefe de aldeia, mantinham-se à custa de constantes agrados e presentes aos membros da tribo que podiam sustentá-lo nas funções.
O próprio cacique era subornador, naquilo que informa Jorge Junior, quando, porém, a comunidade sentia-se ameaçada, ou durante as festas, ou alguma necessidade tribal, o cacique ou qualquer um que desempenhasse atividades delegadas, eram plenamente respeitados de modo absoluto.
Um homem podia ter uma ou duas mulheres, desde que as pudesse sustentar com seus esforços, e não podia repudiar nenhuma delas, a qualquer pretexto, exceto infertilidade.
O jovem para se casar tinha antes que adquirir condições para garantir a própria subsistência e a da nubente, que lhe era prometida na passagem puberdade, em cerimônia religiosa festiva marcada pelos pais, que podiam aceitar ou recusar a proposta, sem ressentimentos.
O casamento significava uma festa religiosa enquanto o noivo ficava em um quarto, deitado, onde a mulher era levada por um parente e para o casal nisso reduzia-se o cerimonial, para família continuavam ritos e festas até o amanhecer.
O casamento sem filhos era instável, e a mulher ou o homem podia ser liberado do compromisso, ou mesmo o homem praticar a bigamia e caso continuasse o lar sem filhos, lhe era proibido outro casamento, e as mulheres liberadas para um novo enlace.
A mulher dava a luz sozinha, na mata e próximo de águas [rios], vigiadas de longe por pessoas da tribo, geralmente parentes, que não podiam vê-la, e a sós ela tinha o filho.
Ao primeiro choro da criança, um dos vigilantes corria ao encontro da mãe e filho para, suspender a criança nos braços e ela dar o primeiro nome. Aos sete anos a criança recebia o segundo nome num cerimonial, e daí em diante outros tantos nomes lhe seriam dados inspirados em seus feitos, um substituído por outro mais recente, permanecendo inalterados apenas os dois primeiros.
Possuíam tabus contra casamentos em família, não se permitindo uniões entre pais e filhas, filhos e mães, de tios [as] com sobrinhos [as], entre irmãos ou mesmo primos.
Tinham rígidas leis civis, punindo com proporcionalidade os crimes, após julgamento por um conselho, sendo mortos quem ousasse quebras de tabus, quem cometesse crime de traição à tribo, ou casos de rebelião.
Se algum membro da tribo viesse ser capturado, por brancos ou inimigos índios, seus companheiros tinham determinado prazo para tentar libertá-lo, caso não conseguisse procuravam matá-lo e, ainda assim, não logrando êxito, o próprio indivíduo devia praticar suicídio, pois que era desonra trabalhar para quem não fosse da mesma tribo.
Consideravam inimigos os companheiros que se deixassem civilizar. Dez famílias Caingangue moradoras numa das fazendas do Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, em atual Palmital, certamente mantidas a força, foram ameaçadas de morte por elementos do mesmo grupo, que já rondavam as imediações. Postos numa outra fazenda, no Bairro da Aldeia em São Matheus, região de Paraguaçu Paulista, tiveram seus ranchos e roçados incendiados e eles próprios assassinados (Giovannetti, 1943: 58).
Não deixavam vivos seus inimigos capturados, e desenvolveram estranho rito de crucificar inimigos brancos, constante do relatório de Urias Nogueira de Barros ao imperador D. Pedro II, que fala da morte do mineiro João de Deus. Donato faz referência ao relatório Urias e também confirma que o Capitão Inácio Apiaí, por volta de 1853 foi crucificado por índios, próximo de sua casa na fazenda Rio Claro (Donato, 1985: 107).
Quase sempre os Caingangue atacavam locais isolados, raramente povoados, sendo muitas narrativas de ataques bárbaros aos brancos, matando-os a tacape, por esquartejamentos, amputações dos membros quando a vitima ainda viva. Às vezes praticavam degolas e empalações.
Nos anos 1960/1970 os antigos, descendentes de pioneiros, ainda contavam que os coroados matavam brancos e roubavam tudo que lhes viessem interessar, tendo certa fascinação por botas que, não sabendo retirá-las ou na pressa da evasão, cortava as pernas e levavam para a aldeia (CGGSP, Relatório de Gentil Moura).
Diziam, ainda, que carregavam braços e pernas amputados dos brancos para que lhes servissem de alimento, e também se serviam das carnes de cães e gatos roubados das propriedades dos pioneiros.
David Emanuel Madeira Davim, no entanto, ao mencionar o estudioso Carlos Teschauer, concluiu que os índios Caingangue não usavam da antropofagia para com os seus prisioneiros de guerra.
Teschauer apontava o Guaianá [Guaianã?], a próprio juízo, muito semelhante ao Caingangue, "como hábitos nômades, presentes nas duas tribos, a particularidade na linguagem, a preferência pelo aprisionamento e não a antropofagia para com os seus prisioneiros de guerra e a resistência á escravidão" (Davim, 2006: 45).
Também é certo que os indígenas matavam os cães porque estes lhes denunciavam as presenças, alertando seus donos, mas nenhum registro quanto ao consumo de carne canina ou mesmo do gato doméstico.
De religião própria mantinham o culto aos mortos familiares ou heróis de tribos, com espécie de adoração ao fogo como entidade maior, embora raramente produzisse o fogo pelo atrito de madeira seca, pois que o mesmo era mantido aceso por mulheres guardiãs e por elas transportado durante as viagens, quase sempre com certo ritual.
A morte era encarada como realidade irreversível e com isso a serenidade diante dela. Tinham entendimento de algum elemento a animar a vida e de seu retorno após morte, mais ou menos próxima à crença guarani na reencarnação, ou alguma noção da metempsicose para outras tribos, doutrina segundo a qual uma mesma alma podia animar sucessivamente corpos diversos, homens ou animais, às vezes a pretender que esse tal elemento pudesse estar ao mesmo tempo no humano e no animal.
O estudioso Varah entendia:
—"Em relação aos rituais funerários, cabe observar que 'tiene como sustrato la crencia en la reencarnación', e que 'sobre todos los huesos son consderados esenciales para obtener una resurrección, o reencarnación immediata del individuo'; e, ainda, que 'los grandes shamanes son considerados capaces, con sus rezos, de provocar tal acontecimiento'." (Vara, 1984: 113/114), texto extraído do artigo: 'A morte no centro da vida: reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609–75)' (História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 1, nº 3, Sept. / Dec. 2004).
—Diferentemente dos Caingangue, os cognominados Tupi-Guarani enterravam seus mortos em covas profundas, com todas suas armas, geralmente postas em urnas de barro, em posições fetais, pernas dobradas juntas ao tórax.
O homem Caingangue andava nu, às vezes um cordão colorido preso à cintura, talvez em sinal de distinção tribal, enquanto a mulher usava uma tanga presa à cintura e que chegava aos joelhos, feitas de fibras vegetais com certa preferência de gravatá [caraguatá]. Também faziam esteiras de fibras de urtigas ou de gravatá.
Trabalhavam a taquara fazendo balaios, jacás, covos e talas para usos diversos inclusive para imobilizar partes de membros ou auxiliar cura de ossos fraturados. Algumas tribos faziam verdadeiras obras de artes em taquara com cascas de certas espécies de cipó, como o guembê.
Antigos relatos dão conta do costume Caingangue em alimentar o tapir, como forma de arrebanhamento para fins de provisões de carne, leite e pele. Tinha, também por costume, dar ao animal seu alimento preferido, o "ûyólo nya tëí", de cujas sumidades também se faziam chás para banhos e ingestões em cerimoniais representativos, certamente por considerar referido animal uma dádiva dos deuses (Gentil Moura, apud A História de Botucatu, 'O povo do mato e o povo da cachoeira', Revista nº 3).
4.1. O ocaso de um povo guerreiro
Nos últimos anos do século XIX já não havia índios selvagens no Planalto Ocidental Paulista senão os Caingangue, contra quem as lutas tornaram-se extremamente violentas e as dadas mais sangrentas, em disputa de vasto território de 35 mil quilômetros quadrados, 15 mil do Vale do Peixe e 12 do Feio/Aguapeí, ainda ocupado por tribos daquela nação. Outros oito mil quilômetros quadrados, no Vale do Batalha e Baixo Tietê após a Serra de Agudos, nas denominadas Terras de Lençóis até o Avanhandava e Itapura, também eram territórios Caingangue em disputa com os brancos.
A dinâmica expansionista do capital não admitia oposição aos avanços da nova ordem, ou seja, o empreendimento econômico, sistematizado nas ocupações e incorporações de terras indígenas restantes a favor dos fazendeiros [café, algodão, pecuária e povoações], das empresas [ferroviária, navegação e rodoviária] e dos núcleos habitacionais. A tomada de terras Caingangues representava, portanto, a ampliação e consolidação deste espaço sócio mercantil necessário.
As frentes de expansão em atenções aos interesses econômicos do governo, dos fazendeiros e das empresas de colonização, invadiram, tomaram e entregaram terras indígenas para o capitalismo, não importando o extermínio de tantos povos indígenas.
Em meado do mesmo século XIX outros grupos indígenas já haviam sido exterminados pelos entradistas, a serviço de José Theodoro de Souza, e dos primeiros desbravadores, não tardando Campos Novos Paulista tornar-se a principal base de apoio logístico para a conquista do Vale Paranapanema em direção ao rio Paraná.
A resistência Caiuá fora quebrada entre 1850-1858 com extermínio quase total, depois a dos Xavantes entre 1870/1880, também com exterminação, e a partir de 1886 chegava enfim a vez e hora dos Caingangues se defrontarem mais diretamente com o homem branco, embora desde 1858 ocorridos alguns combates, nos avanços pioneiros a noroeste de Campos Novos e em regiões de Bauru.
Concluída a etapa Vale Paranapanema e opondo-se os Caingangues ao avanço das frentes de ocupação, também de Campos Novos partiram os primeiros caçadores e assassinos de índios, rumo ao Vale do Peixe, para tomar-lhes as terras e entregá-las aos empreendedores e grileiros. Uma segunda base de apoio ou sentinela avançada se fez erguer em Espírito Santo da Fortaleza, depois transferida para Bauru, de onde partiram outras expedições de conquistas rumo ao Vale Feio/Aguapeí e partes do Peixe.
A despeito da Lei de Terras [1850], o avanço branco contava com o beneplácito do governo paulista e sua flexibilidade fundamentada em ordens régias, tolerantes e liberais, a exemplo da Legalização da Guerra ao Índio e sua Escravização, pela Carta Régia de 05 de novembro de 1808, dirigida ao Governo da Província de São Paulo:
—"Que não há meio algum de civilizar povos bárbaros, senão ligando-os a uma escola severa, que por alguns anos os force a deixar e esquecer-se da sua natural rudeza, e lhes faça conhecer os bens da sociedade (...). Que todo miliciano, ou qualquer morador, que segurar alguns destes índios, poderá considerá-los por quinze anos como prisioneiros de guerra, destinando-os aos serviços que mais lhes convier" (Tidei Lima, 1979: 74-75).
Houve um freamento nos ataques aos índios, desde o massacre ocorrido em 1859 a uma aldeia Caingangue promovido por gentes do mineiro e rico fazendeiro botucatuense Felicíssimo Antonio de Souza, na região de Bauru, com repercussão na imprensa e meio político de toda província e império.
Contudo, a despeito da veemente censura e indignação nacional, prevaleceram interesses dos desbravadores interessados em proteger "localidades ocupadas por gente civilizada, laboriosa e útil ao país", fazendo o governo da Província de São Paulo:
—"(...) autorizar a formação de bandeiras com todo aparato característico das similares do período colonial e com recomendações adicionais da Diretoria Geral dos Índios, sugerindo a retirada dos naturais... 'para lugares longínquos (...) além do Paraná e neste caso destruindo os seus alojamentos para que não possam regressar a eles'-" (Tidei Lima, 1978: 84), trecho da carta-ofício do mineiro e rico fazendeiro botucatuense a estabelecer-se em Bauru, Felicyssimo [Felicíssimo] Antonio de Souza Pereira, de 17/03/1862, ao Diretor Geral dos Índios).
A rotina de conquistas e avanços em território Caingangue, propriamente dito, recomeçou em 1878, com a organização dos invasores contratando os bugreiros, ou a se valer de certos fazendeiros especializados também como bugreiros iniciados nas dadas, ou jagunços fugitivos da justiça e premiados por feitos assassinos a favor de patrões, uns tidos por heróis da Guerra do Paraguai, portanto homens experimentados em batalhas, outros vindo dos remanescentes pioneiros outrora chefes de bandos, em Minas Gerais ou Rio de Janeiro, todos igualmente provados em atacar e matar oponentes sem lhes dar oportunidades de defesas.
Na década de 1880 recrudesce o massacre contra a população Caingangue, com avanço colonizador e das frentes de ocupação territorial, quando o Governo da Província decide abrir caminhos por entre terras indígenas; como podiam, os Caingangues revidam ataques aos brancos, numa luta bastante desigual e que os tornava mais enfraquecidos, carentes de gentes e armamentos.
Já ao final da década e do século XIX, 1898, poucos Caingangue ainda viviam nas matas, acossados pelas frentes de expansão que já conquistara grandes partes dos seus territórios diminuindo-lhes espaços para caças, pescas e coletas, além da impossibilidade de roçados quase sempre destruídos pelos atacantes. Estava em curso, através das dadas, um dos maiores etnocídios da história paulista.
O jornalista Mauricio Castelo Branco argumentou:
—"A omissão do Estado e da imprensa na época foi fatal para os Kaingang. Desde a Proclamação da República, a Igreja estava afastada do processo de pacificação. O governo, por sua vez, não havia criado mecanismos próprios para substituí-la nesta missão. E o pior: fez vistas grossas ao genocídio. Os principais jornais paulistas limitavam-se a noticiar os poucos relatos que chegavam à redação sobre ataques contra os Kaingang, ainda assim de forma resumida e evasiva. A imprensa era pautada pela visão hegemônica e eurocentrista de progresso - a base da justificativa para a carnificina" (Castelo Branco apud Márcio ABC, 2004: 16/07).
—Giovannetti dá ao padre Claro apenas o sobrenome de Monteiro (1943: 44).
Padre Claro e o padre Lavalle sensibilizaram autoridades e outros setores da sociedade paulista a favor dos Caingangues, para que fossem suspensas as invasões territoriais enquanto se discutia meios de pacificações através da Catequese da Serra do Mirante, outras em pontos estratégicos, e destinação de amplo território para confinar os índios, aí se visualizando uma faixa de terras à esquerda do Tietê (Tidei Lima, 1978: 152), ao citar artigo de Bernardino de Lavalle (A Catequese dos Índios de São Paulo, publicado pelo Comércio de São Paulo aos 24 de novembro de 1902), lugar certamente adiante de Avanhandava e Itapura, obviamente contrariando interesses dos empreendedores capitalistas e dos grileiros de terras.
Padre Claro foi morto no rio Feio pelos próprios índios que tentara salvar da dizimação, sendo sua morte pretexto para recomeçar os ataques aos Caingangue e terríveis carnificinas, nada obstante os protestos de padre Lavalle.
Entre 1907/1912 os Caingangue já não se apresentavam mais como unidade tribal, posto fracionado em grupos nômades independentes, ainda num imenso espaço territorial. Aparentemente a fragmentação foi decorrente de estratégia dos brancos em isolar grupos e assim enfraquecê-los, com resultado desastroso, pois que os Caingangues tornaram-se muito mais perigosos, agindo cada grupo isoladamente, com extrema mobilidade e grande capacidade de atacar de surpresa em diversas frentes contra os inimigos regularmente ordenados.
De 1908 a 1911 as frentes de ocupação não mais conseguiam progredir dentro do território Caingangue, os trilhos da estrada de ferro não avançavam, os ataques indígenas se tornaram cada vez mais frequentes e eficientes – muitas perdas de vidas, e os prejuízos eram enormes.
Diante as dificuldades os empreendedores optaram negociar, também em atenção às insistentes pressões de grupos intelectuais, políticos e militares, a culminar com o governo federal criando naquele mesmo ano o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), sob direção do então coronel Candido Rondon, com a missão de evitar mais chacinas e apaziguar os Caingangaue (Castelo Branco, 2004: 16/07); ainda assim, no período, morreram aproximadamente quinhentos Caingangues (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45, texto por referência ao trabalho de Silvia Helena Simões Borelli (1984: 70).
Para maior eficácia de ação o SPI buscou grupos Caingangue pacificados da bacia do Tibagi e línguas - linguarás ou intérpretes, para ajudar nos contatos em 1912, destacando-se a célebre índia Vanuire, a maior colaboradora na pacificação dos Caingangues paulistas, dirigindo-se diretamente aos grupos indígenas espalhados, ou, da copa de grandes árvores gritando-lhes pedido de paz (Vanuíre).
Barbosa registrou que metade dos Caingangue no Estado de São Paulo morreu de uma epidemia de gripe, logo após os primeiros contatos entre 1912 e 1913 (Barbosa apud sobre os KAINGANG: Enciclopédia Povos Indígenas do Brasil, Histórico do Contato, 2001: 7), sobrevivendo "do contingente estimado em 4 mil (...) apenas 700" (Castelo Branco, 2004: 16/07).
Os sobreviventes Caingangue foram então reduzidos em Icatu, hoje região pertencente ao município de Braúna, próximo de Araçatuba, e depois o Índia Vanuíre [1917] em Arco Íris, vizinhanças de Tupã - SP. Os índios aldeados em Índia Vanuíre não foram apenas os sobreviventes de grupos paulistas, e nem puramente Caingangue (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45), agora atacados por outros inimigos não menos impiedosos: doenças, como gripe espanhola e sarampo, contra as quais não tinham imunidade. "Em 1916 estavam reduzidos a 173" (Castelo Branco, 2004: 16/07).
Um absurdo: "Os índios Kaingang paulistas chegam ao século XXI reduzidos a menos de duas centenas de indivíduos confinados em espaços bem restritos" (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45).
A estratégia que garantiu a eficácia da conquista final do território Caingangue, sem dúvidas foi a de treinar e transformar grupos aldeados em intermediários a serviço dos conquistadores, e dos Caingangues, em torno de 4% sobreviveram a carnificina.
5. Magotes ou destroços tribais
Tribos Caiuá e Oti habitaram regiões paulistas desde Avaré a Santa Cruz do Rio Pardo, até que destroçados pelo bandeirismo mineiro de 1850/1851, com perdas de unidade tribal e identidade cultural, transformando-se em grupos vagantes, facilmente apanhados para escravizações.
Sobreviventes em fugas instalaram-se no vale do Santo Anastácio, gradativamente, à medida da progressão sertaneja, incorporando pelos caminhos outros grupos indígenas afugentados, do Paraná e Mato Grosso do Sul, para formar forte resistência nas regiões de Conceição de Monte Alegre, Cervo, Capivara e Sapé, conhecidos como Magotes, ou seja, índios de diferentes etnias ou sem elas, como resíduos populacionais unidos e propositados em conter o avanço dos colonizadores, com a adoção da regra de ataques preventivos, alcançando regiões do Pari-Veado e mesmo São José do Rio Novo (Campos Novos).
Afastados mais uma vez, os Magotes ganharam forças unindo-se a outras hordas fugitivas do Paraná e Mato Grosso, e são diversos os relatos de ataques contra a população branca.
Quando os brancos chegaram para as ocupações das últimas terras paulistas, entre o Paraná e o Paranapanema, lá encontraram:
—"(...) os indios pretos denominados Chavantes, os (Ouatós), que moram nos campos, os Lainos, Camacosos, Quiniquinau, Coroados, Charraos, e Botocudos, os quaes se escondem para que a civilização não lhes penetre em seus territórios" (Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho [Dr. Jaguaribe Filho], 'O Sul Paulista' – Cartas II, 1885, apud Correio Paulistano Correio Paulistano, 13/12/1885: 1).
6. Dos autodenominados Tupi
Tidos por especialistas como subgrupo Guarani os Nhandéva, hoje aldeados em Araribá (referência 2014), auto intitulam-se descendentes Tupi, já rejeitando as identificações Tupi-guarani ou Caiuá-guarani.
Concordam Denise Monteiro de Castro e Marcos Garcia Neira, em 'Cultura Corporal e educação escolar indígena – um estudo de caso': "e os Nhandéva, que se autodenominam 'Tupi-guarani' ou simplesmente Tupi'-" (Castro e Neira, 2009: 236), na verdade o vocábulo tem o significado de "-'todos nós' (todos nós índios)" (Rodrigues de Almeida, 2013: 6).
Para Nimuendaju não há traços Tupi entre os Guarani primitivos no território paulista. Outrossim, exceto aos reconhecidamente miscigenados, é errada a classificação Tupi-guarani, ou alguma língua denominada tal, consoante apareciam em algumas literaturas, o que, evidentemente, não impede o bilíngue.
No entanto, observam os autores, os Tupi passaram por tantos aldeamentos que não se pode mais, desde o final do século XIX, determinar algum representante indígena de pura origem no território paulista, seja de qual etnia for, à exceção Caingangue.
Desde os tempos da Fazenda Jesuítica Botucatu os padres incentivavam as miscigenações entre brancos, negros e índios, para a pretensa formação do homem brasileiro ideal, como se pensava na época, com a inteligência do branco, a robustez de negro e indolência do índio.
Depois, no século XIX viriam os aldeamentos instituídos oficialmente na Província de São Paulo quase de imediato surgiram os primeiros núcleos de proteção ao índio, inicialmente em regiões litorâneas e próximos à capital, depois, a pedido de João da Silva Machado - Barão de Antonina, também no sudoeste paulista, sendo o primeiro deles na localidade de São João Batista do Rio Verde [futura Itaporanga], fundado com o mesmo nome em 1845, para o qual designado diretor o frei capuchinho italiano, Pacífico de Montefalco, auxiliado por outros dois freis italianos, Galdêncio [Gaudêncio] de Gênova e Ponciano de Montaldo.
Outros aldeamentos conhecidos, São Sebastião do Tijuco Preto, nas proximidades da atual Piraju, em 1854; São Pedro de Alcântara, na localidade de Jataizinho - PR, em 1855; Aldeamento Pirapó, também conhecido por Nossa Senhora do Loreto, ainda em 1855; o de São Jerônimo da Serra em lugar de igual nome, no ano de 1859, situado às margens do rio Tigre um afluente do Tibagi; e o de Santo Inácio, em 1862, e também, no mesmo ano, o aldeamento Itacorá, em Salto Grande.
Passados por tantos aldeamentos não se pode determinar, em terras paulistas, algum Tupi de pura origem, posto fruto de miscigenações de brancos, negros, pardos, além de outras etnias indígenas.
No contexto, entendem os autores, que os índios vistos no interior paulista no ultimo quartel do século XIX, não possuíam pureza étnica ou não representavam uma etnia confiável.
Os Tupi primitivos eram caçadores, inclusive de inimigos tribais, para os sacrifícios ritualísticos onde a ocorrência antropofágica. Não opositores ao entradismo branco e até colaboracionistas, viram suas mulheres gerando mamalucos - das uniões com brancos, e logo privados da essência canibalesca de sua cultura. O canibalismo foi combatido à exaustão pelo clero e reinóis, e os Tupi tornaram-se caçadores de índios para a escravização requerida pelos colonizadores.
Schaden (1954: 391) mencionou: "Com toda razão aponta Charles Wagley (1951: 117) o fato que a eliminação da guerra e do sacrifício dos prisioneiros, através da proibição rigorosa pelos portugueses, removia uma das motivações centrais da cultura Tupi".
Recentemente parte do grupo indígena do aldeamento Araribá, em Avaí - SP, antes conhecido como Caiuá-guarani, depois Nhandeva-guarani, agora autodenominam-se Tupi, deslocou-se de Araribá rumo a Barão de Antonina e Itaporanga pra retomarem as terras entendidas suas, desde os tempos do aldeamento, e da qual entendiam expulsos pelos fazendeiros, na primeira década do século XX.
Reconheceu-lhe os direitos a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, para "(...) sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
Parte dos Nhandeva permaneceu em Araribá, confinada entre os Terena, conforme reclamações, e requer terras na antiga localidade de São Domingos, consideradas devolutas e de seus antepassados que lá habitaram.
—Os autores foram procurados por representantes Nhandeva, de Araribá, para obtenções de documentos que possam atestar-lhes passagens pelas regiões de Santa Cruz do Rio Pardo e Domélia - Distrito de Agudos, inclusa a extinguida São Domingos, o que não procede, sendo a tribo locada em São Domingos da etnia Oti-Xavante.
Não é fácil reconstituir algum antigo caminho entre Itaporanga e Bauru, mas poderia passar por São Domingos, e então existe a possibilidade de paragem em São Domingos e até fixação regional, embora nenhum documento a respeito.
O que efetivamente se sabe é a presença Oti em São Domingos, como já suficientemente demonstrado. Recuperando antigos documentos os autores aguardam melhores esclarecimentos.
Artefatos indígenas encontrados em Santa Cruz do Rio Pardo
Outros objetos indígenas do mesmo colecionador
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*Dos achados indígenas em Santa Cruz, infelizmente desaparecidos.
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Notas sobre os achados indígenas em Santa Cruz do Rio Pardo 'O Regional, 07/06/1963: 2 |