domingo, 20 de dezembro de 2009

13. O tropeirismo no último quartel do século XVIII

1. Tropeiros substituindo os entradistas e bandeirantes
No século XVIII a Capitania de São Paulo estava esvaziada de gente, quando parte da população correra para as riquezas de Minas Gerais, e a outra envolvida com a plantação da cana mélica para a produção do açúcar, mais para os lados do litoral. Então, os muares, equinos e vacuns que os mineiros precisavam, vinham do Sul [Rio Grande, Argentina e Uruguai], enquanto outros produtos básicos transportados da Bahia e Rio de Janeiro. 
Os jesuítas, estancieiros em Córdoba [Argentina], e a família dos Campos Bicudo se fizeram pioneiros nos transportes de tropas e gados para as zonas mineiras, ainda antes da estrada oficial Sorocaba-Viamão e do estabelecimento oficial da 'Feira de Sorocaba', pois os padres eram os criadores dos animais requisitados, e dos Campos Bicudo as terras por onde passavam os caminhos, sistema praticamente exclusivo.
Com a abertura da estrada oficial, Sorocaba, o governo cobrava pedágios e taxas para o trânsito de animais, além das explorações de pousos e potreiros, fatores que encareciam preços, porém era caminho seguro, com boa infraestrutura. 
Sorocaba então se fez local estratégico na rota Sul-Minas, também para o Rio de Janeiro e Nordeste, como a grande feira para compras e vendas de tropas, boiadas, mercadorias diversas, instrumentos de trabalho e veículos de transportes; da mesma forma promotora de eventos culturais das diversas regiões do Brasil, além de encontros intelectuais e políticos.
Os Campos Bicudo não necessitavam da estrada Viamão-Sorocaba, conduzindo suas tropas e gados pelos caminhos particulares, ingressando na Serra Botucatu, onde, a partir de 1719, a instalação da fazenda jesuítica, da ordem inaciana, cujo reitor o padre-tenente Estanislau Campos Bicudo. Por lá o trânsito de animais era relativamente seguro, mais barato, e todos lucravam.
A alternativa de transportes, geradora de bons lucros, funcionou mais ou menos por meio século sob rígido controle dos padres, sem excluir outros serviços oferecidos aos passantes demandadores do sertão, bandeirantes e entradistas que ainda insistiam nas buscas de riquezas naturais e na caça ao índio; também aos monçoeiros. 
Mais que isto, não incorreto que os jesuítas e a família Campos Bicudo explorassem os caminhos do contrabando, a melhores preços que os oficiais, permitindo passagens de desviadores das estradas oficiais nas conduções de suas tropas, boiadas e mercadorias vindas do sul com destino às zonas de minerações, principalmente Minas Gerais. A fazenda jesuítica em Botucatu situava-se em local estratégico, e os padres, bons negociadores, não perderiam oportunidades. 
Outrossim, não deve ser descartado o contrabando do ouro em pó ou pepitas para a fazenda jesuítica em Botucatu. Se os padres tiveram garimpos na embocadura do Piracicaba, que lhes eram proibidos, não há razão para se pensar que não recebessem ouro, contrabandeado das Minas Gerais, para fundições em sua propriedade, e daí as muitas lendas das riquezas dos jesuítas em barras de ouro.   
Depois, com a expulsão dos padres jesuítas em 1759 e o desinteresse da família Campos Bicudo pelas terras da região botucatuense, ou pelas disputas de herdades entre si, a rota do contrabando, com seus feixes de caminhos, manteve-se como opção, porém sujeita aos perigos pelas infestações de ladrões, poucos se arriscando e o alto da serra não era mais lugar bom e seguro.
A partir de então melhor prosperou Sorocaba e sua feira de comércio, conhecida em todo Brasil, trazendo para o lugar os ricos negociantes e aventureiros interessados em investimentos na criação de bovinos, equinos e muares, transportados por terra, pelos tropeiros assalariados ou contratados por empreitada; e existiam senhores de tropeiradas que garantiam serviços eficazes de entregas.    
No último quartel do século XVIII já era o tropeiro o elemento responsável pela integração e interação de regiões diversas do Brasil e, principalmente, naquilo que diz respeito aos paulistas e mineiros.
Tapajós (1963: 337-338) menciona João Frederico Normano - 'Evolução Econômica do Brasil', para explicar que o tropeiro "uma figura, menos histórica, mais mercantilista, veio substituir o bandeirante como fator de expansão". 
O mesmo Tapajós recorre a Bernardo Guimarães para descrever o tropeiro também como intermediário para outras transações, ou seja, "o transportador de mercadorias, de pessoas, de dinheiro, de notícias e da correspondência pessoal", sem prejuízos de suas funções originárias de conduzir criações ao seu destino.
Para escoamento ou transação dessas mercadorias, surgiram intermediários de compra e venda de animais, usando os chefes de tropeiradas para os transportes, quando não estes comprando e vendendo peças, aí mais econômicos valendo-se de caminhos alternativos ou reativando os antigos desvios.
Os chefes tropeiros, visando maiores lucros ou diminuições de despesas, quase sempre optavam pelos caminhos não oficiais, evitando pagamentos de taxas, pedágios e pousos, mantendo em suas equipes os chamados espias de tropeiradas, homens responsáveis pela segurança dos condutores de tropas. Os tropeiros também contrabandeavam ouro em pó, nos cabos de relhos, 'cabeças de selas' ou escondidos entre as tralhas.
Não é impróprio dizer que, aos bandeirantes e entradistas, sucedeu o tropeirismo mineiro-paulista, influenciador direto para surgimento dos primeiros arranchamentos no sertão de São Paulo, como pontos de apoios e pousos nas rotas abertas [picadões], para o contrabando da mercadoria transportada ou, como mais comum dito, para se evitar os postos oficiais de controles, onde os tropeiros deixavam boa parte dos lucros, em pesadas contribuições compulsórias ao erário.
Foram os tropeiros vindos do sul no uso de rotas alternativas à oficial, para evasões dos impostos e taxas, os primeiros informantes aos mineiros sobre férteis terras do desabitado sertão do centro sudoeste paulista, incluso o Paranapanema. 
Os caminhos do contrabando tropeiro entravam pelo Paranapanema em Itararé, Piraju e outros pontos de passagens, seguindo caminhos improvisados até o porto 'Lençóes' em Lençóis Paulista, e daí a continuidade aos lugares do outro lado do Tietê, até Minas Gerais. 
Segundo Leoni (Contos do Tio Chico' (1984: 3), nessas estradas "havia longas distâncias desabitadas, pelas quais, um viajante transpunha durante dias e dias sem encontrar povoados nem moradores ou qualquer outro recurso, a não ser do que trazia consigo exclusivamente."
Com os tropeiros surgiram os pousos a cada quatro, cinco ou, no máximo, seis léguas, a depender dos acidentes geográficos e dificuldades para transpô-los. No começo um galpão e um potreiro, nas proximidades de uma boa mina ou algum riacho.
No caso específico dos tropeiros mineiros em terras paulistas, muitos se empregavam primeiro em fazendas mais próximas do rio Tietê, para somente depois ingressar como posseiros em áreas interessadas, como Joaquim Costa o mineiro condutor de gado que, antes de apossar terras em Botucatu, fez-se empregado na Fazenda Sobrado [no atual município de São Manoel] de propriedade de um portofelicense (Donato, 1985: 5455), que se sabe, Domingos Soares de Barros.
Do relacionamento de mineiros e paulistas, entre os anos 1775/1822, surgiram os primeiros povoados paulistas na região de Araraquara e, depois, no Vale do Paranapanema. Não menos interessante a vinda, também, de gentes fluminenses - Rio de Janeiro, e aquelas do sul rio-grandense ou gaúchos, mais para as regiões de Tatuí e Porangaba, porém de pouca influência nos surgimentos dos primeiros povoados adiante de Botucatu.

2. Migrações mineiras para as terras paulistas
Retrospectiva histórica evidencia o bandeirante na descoberta das grandes jazidas, em Minas Gerais, por fator decisivo na densa povoação mineira por paulistas, das riquezas, desenvolvimento regional e das grandes fortunas pessoais. Quase 2/3 das antigas cidades mineiras originaram-se das atividades de mineração e do terço restante, grande parte surgiu dentro de propriedades de antigos e abastados mineiros.
No século XVIII as riquezas mineiras despertaram interesses europeus, obrigando Portugal rapidamente intervir no Brasil e assim deslocar seus interesses econômicos para as terras brasileiras, mais especialmente, Minas Gerais. Essa intromissão do Estado [Governo] no controle das principais jazidas minerais deixou, em fins do século XVIII e princípios do XIX, bem pouco espaço para quem ainda ousasse aventuras em busca do ouro, o que obrigava o mineiro pobre recorrer a trabalhos outros além das divisas de Minas Gerais.
Os primeiros migrantes mineiros, para São Paulo, seriam antigos tropeiros que conheceram antes a região, mais aqueles indivíduos estabelecidos à beira dos caminhos alternativos que conduziam a Minas Gerais.
Muitos mineiros já enriquecidos, ou proprietários de jazidas sem futuro, venderam suas posses ao governo, ou delas foram expropriados, com negociatas e vendas de minas esgotadas, para aquisições de grandes propriedades voltadas às atividades agropecuárias.
Esse novo endereçamento da riqueza impossibilitou a aquisição de terras para os menos afortunados, obrigando-os partir para as terras paulistas, região de Araraquara. Também, muitos dos pequenos proprietários resolveram vender suas poucas terras a preços elevados, para adquirir propriedades maiores para onde transferiam moradas.
O tropeiro Pedro José Neto vindo de Minas Gerais com destino a Sorocaba, por volta de 1807, passou pelas terras da futura região de Araraquara [Campos de Aracoara], para onde retornou tempos depois. Em 1817 o povoado de São Bento de Araraquara foi elevado à condição de freguesia, com mais de trezentos habitantes.
De 1817/1822 ocorreu o maior número de famílias mineiras vindas de Pouso Alegre, Poços de Caldas, Ouro Fino, Formiga, Baependi, Machado, São João Del Rei, Alfenas entre outras localidades do sul mineiro, para a região araraquarense, sendo dessa época surgimentos de povoados como a própria Araraquara, Itirapina [Itaqueri da Serra], Dois Córregos, Dourado, Brotas, Jaú e outras povoações, direta ou indiretamente sob influência mineira. 
As famílias chegavam pelo caminho de Mogi Mirim a Itaqueri da Serra, ou ainda os alternativos, como Franca, Batatais, São Simão e Casa Branca, conhecidos como os caminhos de 1820, quando maior número de mineiros desceu para São Paulo, povoando as regiões centrais e do médio Tiete.
O fenômeno migratório de 1820/1822 foi decorrente da decadência das minas de ouro de ouro e o incremento à pecuária, que tornou ainda mais proibitivo os preços de terras em Minas, numa época que a atração dos negócios ainda era Araraquara.
Quando a vasta região de Araraquara tornou-se saturada de ocupações, o destino se voltou então para as terras do centro sudoeste e oeste paulista e no Vale do Paranapanema ou, como antes se dizia, para adiante do Rio Tietê, aonde em 1850/1851 o sertanejo José Theodoro de Souza praticou suas razias sobre os territórios indígenas, com o propósito de torná-los habitáveis pelos brancos progressistas.

3. A 'invasão sertaneja' do último rincão inculto paulista
A região alvo do bandeirismo mineiro em meado do século XIX, o sertão paulista entre o Tietê e o Paranapanema a partir da Serra Botucatu, não era zona desconhecida nem desabitada, embora com população rala, flutuante e sujeita aos sucessos ou não de empreitadas, especialmente de convivência com os índios. 
O Vale Paranapanema, na parte inserida no grande sertão, teve uma primeira experiência de fixação civilizada com os padres jesuítas espanhóis (1608/1628), na 'Província de Guayrá' em atual estado do Paraná, a partir das margens dos rios Paranapanema e Tibagi. Depois uma segunda vez com a Fazenda Jesuítica Botucatu (1719/1759), embora não seja propriamente para o vale em destaque, porém com significativos reflexos nos tempos esquecidos das interiorizações pelas sesmarias.
Pelas sesmarias surgiram as primeiras fazendas no alto da Serra Botucatu, entre elas a Jesuítica, além dos arranchamentos e lugares de pousos distribuídos ao longo da trilheira pelo Pardo. 
Registros dos tempos do Governo do Morgado de Mateus dizem dos arranchos, às beiras do caminho militar de 1772, em direção ao atual município de Santa Cruz do Rio Pardo. Documentos oficiais creditam experiências de fixação de arranchados, no Vale do Pardo, desde que João Álvares de Araujo, por volta de 1730 "Avançou para o sul. Costeando a serra e posicionando-se além do Rio Pardo" (Donato, 1985: 44), à beira do caminho bandeirante e por onde haveria de passar, décadas depois, a senda militar.
João Pires de Almeida Taques, pelos anos de 1750, obteve sesmaria no Pardo "além do dito rio no novo caminho que se abriu para a Praça de Iguatemy, em tempos povoados por João Alvares de Araujo" (Repertório das Sesmarias, L. 19, fls. 121-v). 
Monsenhor Aluísio de Almeida, confirma os aparentados João Pires, José de Almeida Leme, e Antonio Pires de Almeida Taques, sesmeiros no Pardo abaixo, e que Antonio [Pires] de Almeida Taques, em 1770, beneficiara-se de terras à margem esquerda do Rio Pardo (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 46).
Documentos atestam que Claudio de Madureira Calheiros, em 1771 requereu uma sesmaria, adiante do sogro Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, acompanhando o Turvo, margem esquerda, à barra no Pardo (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 70). 
Naqueles tempos as sesmarias, à direita do Pardo, "já estavam ocupadas por Vicente da Costa Taques (...), e por Francisco Paes de Mendonça e Jeronymo Paes de Proença, c. 1779" (Pupo e Ciaccia, 1985: 23). Acima destes situavam-se João Alvares, Antonio Machado e os Pires, e daí um vão até as terras sesmadas do citado Madureira Calheiros. Ciente, Manoel Correa de Oliveira em 1780 pediu o chão entre aquelas sesmarias, sobrando-lhe "as terras do espigão entre o Pardo e o Turvo, até a barra deste naquele" (Pupo e Ciaccia, 1985: 22-23). O 'Repertório das Sesmarias' (L 21: 100 e L 25: 82) ratifica os nomes dos sesmeiros à margem direita do Pardo, e confirma as sesmarias desde o espigão à margem esquerda do Turvo, e, do outro lado deste, nenhuma delas notada. 
Outrossim, discute-se a presença humana civilizada, de distância em distância, como alternativas de paragens aos tropeiros vindos do sul. O Repertório confirma um desses lugares na propriedade de João Pires de Almeida Taques: "Uns campos na paragem chamada Rio Pardo, além do dito rio no novo caminho que se abriu para a Praça de Iguatemy" (L. 19, fls. 121-v), sendo 'paragem' por significado como lugar de moradias. 
Para melhor esclarecimento, a sesmaria de Pires era continuidade daquela oferecida a João Alvares de Araujo na região do Rio Três Pontes, antigo nome do Rio Palmital, afluente do Rio Claro, tributário do Rio Pardo, e no começo do século XX, sustenta Aluísio de Almeida, descendentes do Pires residentes em Sorocaba, anunciavam a venda de 4.000 alqueires de terra em Santa Cruz (1959: 255).
Outra sesmaria na região, mais para o Vale Paranapanema, pelo caminho da Peabiru, existiu a 'Sesmaria das Antas', "em Lençóis, onde hoje está a povoação da Ilha Grande [Ipaussu] no município de Santa Cruz do Rio Pardo" (Silva Leme, 1905: 403, vol. VI), originariamente concedida a Luiz Pedroso de Barros, aos 09 de dezembro de 1725, repassada a José Monteiro de Barros, avô materno do famoso sertanista tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros (1790-1882), que a recebeu por herança.
Estima-se, para a Sesmaria das Antas, extensão de três léguas de terras nos atuais municípios de Ipaussu e Chavantes - Distrito de Irapé (Tapi'irape: Caminho das Antas), com largura de uma légua da margem paulista do Paranapanema.
As fazendas e sesmarias adiante de Botucatu, no entanto, tiveram dificuldades pós desativação do empreendimento jesuítico, em 1759, com aumento da presença indígena colocando em risco a população branca e prejudicando o trânsito.  
Algumas resistiram e atestam-nas a 'Carta do Governo de São Paulo, de 12 de fevereiro de 1771', obrigando os moradores na região do Pardo prestar ajuda, em tudo que deles necessitasse, o capitão Almeida Leme, na abertura da vereda militar, concluída em 1772.
Todo projeto e realizações do Morgado, para a região, entraram em colapso quando Martim Lopes Lobo de Saldanha assumiu o governo paulista (1775/1782), como 'capitão general', e optou pelo abandono de tudo quanto planejara ou realizara o seu antecessor, adiante de Botucatu. 
Com o abandono dos feitos as sesmarias não progrediram, as fazendas fracassaram e os arranchados, isolados e à mercê da crescente e ameaçadora presença indígena, retiraram-se. 
Os índios expulsos por Fiúza, em 1770, retornaram dez anos depois, com os descendentes e acrescidos de outros grupos e restos tribais, para formar preocupante população adversa ao progresso, postando-se nas encostas das serras, onde a geografia lhes facilitava movimentos e táticas de combates, a impedir o expansionismo pré-capitalista.
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