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Descobertas de riquezas em Minas, Mato Grosso e Goiás empobreceram e despovoaram São Paulo - século XVIII |
—O sangrento conflito – A Guerra dos Emboabas (1708 a 1709), em que o medo, as traições e as vinganças pontuavam como poderosa artilharia, ao lado de pistolas, facas e setas, terminaram em 1709, com a expulsão dos paulistas da área, abrindo a possibilidade para a ação da Coroa portuguesa naquele território. Formava-se a região das Minas, com total autonomia da Capitania de São Paulo, ainda que, a esta, vinculada por força legal.
Ainda em 1709:
—"(...) chegou mesmo José de Góis Morais a propor a compra da Capitania de S. Paulo e São Vicente por 40.000 cruzados, no que não consentiu D. João V [Rei de Portugal], comprando a mesma por esse preço. São Paulo passou nessa época a ser Capitania independente e Piratininga substituiu S. Vicente como sede, sendo elevada à categoria de cidade" (Peralta, 1973: 4).
Minas Gerais, rica em ouro não tinha lavouras nem criações de gado, assim a depender de comércio externo para abastecimento de suas gentes. Em breve os padres lhes fariam chegar mercadorias para consumo, além dos muares para o trabalho de transportes.
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A expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759/1760, empobreceu ainda mais a capitania paulista -imagem de domínio público- |
—"em direção ao Oeste, nunca chegaram a serem perfeitamente demarcados. Mas, se trabalharmos com os dados relativos aos sucessivos desmembramentos do território paulista, que posteriormente originavam novas vilas e municípios, se verifica que o território dela cobria grande parte do atual Estado de São Paulo" (Layff Sampaio, 2010): 2010: 2).
12.2. A repovoação pretendida
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Repovoação pretendida para o sertão Carta do Morgado de Mateus* |
Por aquela época era grande a movimentação oficial no interior paulista. Basílio de Magalhães informa da expedição colonizadora de Teotônio José Juzarte, pelos caminhos do rio Tiete e depois Paraná, numa incursão bastante detalhada pela região da Alta Sorocabana, em 1769, através do rio Santo Anastácio, embora referida expedição tivesse por objetivo o interior do Mato Grosso, pelo rio Iguatemi.
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Também no ano de 1769, consta a expedição militar de reconhecimento sob comando de Francisco Nunes Pereira, parte a explorar o rio Paraná até Sete Quedas, enquanto outra detalhava os rios afluentes, com destaques para o Iguatemi e Santo Anastácio. Francisco Nunes Pereira morreu na empreitada ficando o comando da expedição, sob responsabilidade de Ignácio da Motta (Carneiro, 2003: artigo referência).
Documentos oficiais dizem das expedições militares
para reconhecimento dos sistemas fluviais e da constituição geográfica do
Brasil, sobretudo das suas fronteiras mais avançadas, imperiosas entre Portugal
e Espanha, após a anulação do Tratado de Madrid em 1750.
Entre 1769/1770, Francisco Paes comandou equipe
oficial que explorou todo o curso do rio Santo Anastácio e região, em busca do
melhor caminho de ligação entre São Paulo e Mato Grosso, a partir de Sorocaba
(Ávila Junior, 1995). Assim, desde 1770 o rio Santo Anastácio, e com ele partes
do extremo oeste paulista, passam figurar nos mapas oficiais do território de
São Paulo.
Não há dúvidas que existiram arranchamentos, na bacia
do rio Pardo, em algum tempo nos últimos trinta anos do século XVIII, conforme
Carta do Governo de São Paulo, datada de 12 de fevereiro de 1771, que se obriga
determinar ajuda compulsória dos moradores da região, portanto reconhecidos, em
tudo que deles necessitasse o capitão-mor de Sorocaba, designado Construtor
Chefe da vereda de Botucatu à barra do Rio Pardo, junto ao Paranapanema, num
trajeto que "Dos arredores da atual cidade de Pardinho (...) foi sair nas
vizinhanças da hoje Santa Cruz do Rio Pardo e Campos Novos" (Donato, 1985:
36).
O governador da Capitania de São Paulo, entre 1765 a 1775, foi o português capitão-general Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, o 4º Morgado de Mateus, e era o capitão-mor de Sorocaba, José de Almeida Leite. O Morgado era amigo do Marquês do Pombal - primeiro ministro português, e por este incumbido restaurar a Capitania de São Paulo, os atuais estados de São Paulo e Paraná, fundar cidades para povoar os sertões, guarnecer os rios Paranapanema e Paraná, expandir fronteiras a oeste e levantar fortalezas para proteger o sul, contra os espanhóis ainda ressentidos das perdas territoriais com o fim do Tordesilhas. Morgado foi nomeado pelo rei português D. José I, por ato de 6 de janeiro de 1765.
Daquele caminho Donato esclarece, numa referência ao caminho traçado:
—"Que ao menos o trecho até a barra do Pardo no Paranapanema foi aberto nos dá prova documento de concessão de Sesmaria (...) que beneficiou a Antonio de Almeida Taques lê-se que o campo a que se refere está da outra parte da serra [de Botucatu] que vai para o Iguatemi" (Donato, 1985: 36).
Segundo o desejo do Morgado:
—"(...) a vereda que se deve seguir é entrar pela Serra de Botucatu onde tenha maior comodidade e daí botar o agulhão em ponto fixo na barra do rio Pardo e aí cortando o sertão, bem pelo meio da campanha entre os dois rios Paranapanema e Tietê, fugindo sempre de avizinhar dos matos e pantanais que ambos tem por toda sua margem" (Donato, 1985: 36).
José de Almeida Leite valera-se de antigas estradas,
religiosas, bandeiristas, a Peabiru e algumas das principais trilhas indígenas,
articulando-as entre si e com as bacias hidrográficas dos rios Tietê,
Paranapanema, Paraná, Iguatemi e Prata, além de fundações de freguesias,
elevações a vilas de povoações progressistas e cidades, com objetivos de povoar
a terra e defendê-la das pretensões espanholas, sem dúvidas princípios
estratégico-militaristas dentro dos objetivos pretendidos pelo governo do
Marquês de Pombal.
Às beiras do caminho para o Iguatemi, intentado pelo Governo do Morgado de Mateus, foram distribuídas diversas sesmarias, inclusive no Vale do Pardo, às duas margens, nenhuma delas, no entanto, ultrapassando o Rio Turvo. Requisições de governo e outros atestados apontam arranchados ou povoadores ao longo da senda militar que, adiante da Serra Botucatu, atingiu território que viria ser Santa Cruz do Rio Pardo para chegar às atuais regiões de Campos Novos Paulista e Salto Grande.
Diz ainda Donato à mesma página 36, que "são fazendeiros depois de 1730, no planalto oriental e ao sul: (...) João Álvares de Araújo. Avançou para o sul, costeando a serra e posicionando-se além do rio Pardo, às margens do abandonado, mas não de todo esquecido caminho do Iguatemi".
Mas a carta geográfica da América Meridional, de
1748, por Jean-Baptiste Bourguignon Anville detalha a Serra de Botucatu, não
assinala a presença do homem branco na região (Domingues, 2008: 60), a saber,
no entanto, que nenhuma povoação menor que trinta famílias brancas tenha sido
citada em qualquer outro mapa da época, sendo os moradores contados como
ruralistas de uma localidade já na condição de vila. "A lei determinava um
mínimo de trinta famílias. Não existiam tantas" (Donato, 1985: 49).
A região botucatuense estava nos planos do Morgado de
Mateus para levantamento de pelo menos cinco povoações, estrategicamente postas
pelos caminhos que fizera abrir para adiante da Serra. Simão Barboza Franco,
sesmeiro e fazendeiro, foi o encarregado de tal empreendimento, sendo
discutível que tenha promovido algum feito em cima da Serra Botucatu.
No ano de 1776 Martim Lopes Lobo de Saldanha, como
capitão-general, esteve no governo paulista (1775/1782), em lugar do Morgado de
Mateus (1765/1775). "O novo titular timbrou em desmanchar, apagar,
desmoralizar quanto planejara ou realizara o antecessor." (Donato, 1985: 50).
Os arranchamentos regionais não resistiram a desativação do caminho do Iguatemi pelo novo Governo, e nem as sesmarias e fazendas foram proficientes para sustentar qualquer povoação adiante da Serra, e tudo caiu em completo abandono e, aos poucos, se transformou em território indígena.
A Capitania de São Paulo, na troca de governo apresentava:
—"(...) sessenta mil habitantes, espalhados em uma cidade, dezoito vilas, nove aldeias e 38 freguesias. A cidade de São Paulo contava com cerca de quatro mil almas, a vila de Sorocaba era a mais importante, seguida de Santos, Guaratinguetá, Paranaguá, Itu, Taubaté, Parnaíba, Jacareí e Atibaia. Na Relação de Vilas e Freguesias da Capitania de São Paulo, feita em 1765 pelo Morgado de Mateus, aparecem 36 povoações, a capital e nove aldeias de índios. No primeiro grupo, estão as vilas de Mogi das Cruzes, Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, e as freguesias de Facão e Piedade. No segundo grupo, as vilas de Atibaia, Jundiaí, Mogi-Mirim, Mogi-Guaçu, Parnaíba e as freguesias de Juqueri e Jaguari. No terceiro grupo, as vilas de Itu, Sorocaba, Faxina, Apiaí, Itapetininga, Curitiba, Lajes e a freguesia de Paranapanema. Em anotação ao terceiro grupo, o Morgado assinalava também as freguesias de Guarulhos, Santo Amaro, Cotia, Araritaguaba, Nazaré e as vilas "porto de mar" de Santos, São Sebastião, São Vicente, Ubatuba, Iguape, Cananéia, Itanhaém, e, na serra, São Luís de Paraitinga." (MOTA Carlos Guilherme, 2003: 6).
12.3. Simão Barboza
Franco - a difícil unanimidade na fundação de Botucatu
A missão do Fiuza no alto da Serra Botucatu precisa
ser reavaliada, pois, sete anos após a desativação da fazenda dos padres no
alto da serra, não se podia esperar tão numerosa presença de tribos indígenas
hostis à civilização. Melhor compreendido, o objetivo maior do coronel seria
redimensionar as terras outrora dos padres jesuítas para que estas fossem
levadas a hasta pública, e favorecer ao governo abertura de um caminho para o
Iguatemi [em atual estado de Mato Grosso do Sul], além de estabelecer sesmarias
e [re]povoar o sertão, sendo intenção D. Luis Antonio de Sousa Botelho Mourão, o
Morgado de Mateus, a fundação de um
povoado no local.
Dá prova dessa intenção do Morgado a carta de sua lavra, sob número 36, de 24 de dezembro de 1766, ao Conde de Oeiras [Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal], sobre povoações a serem levantadas na então Capitania de São Paulo, em número de seis, num semicírculo alongado compreendendo as atuais paulistas de Piracicaba, Botucatu, Itapeva, uma não realizada no Rio Sabaúna entre Iguape e Cananéia; mais a paranaense de Guaratuba e o então Termo da Vila de Lages - Santa Catarina, criada em 1766, que pertenciam a São Paulo. Para Botucatu, oficialmente, destaca-se:
—"(...) no Wotucatú sobre o rio Paranapanema para tentar se se pode restaurar as muitas Fazendas que se despovoarão naquelle Rio depois que abandonamos a navegação delle para o Cuiabá, pertendo juntamente as vargens da Vaccaria de Guaycurú de que hoje se querem fazer senhores os Castelhanos, mandando a ellas cada dous annos huma companhia para ver se os Paulistas as povoão, e hé Director dela Simão Barboza Franco." (IHGP Documentos Interessantes - Cartas e Registros dos Séculos XVIII e XIX referentes a Piracicaba e região, 2015: 52, apud Dorizotto - Sermo).
Bastante difícil unanimidade em torno de Barboza Franco e sua missão em fundar um povoado na Serra Botucatu. Para alguns estudiosos, segundo Almeida Pinto (1994: 23), houve sim um povoado no alto da serra fundado no século XVIII, por Simão Barboza Franco, sob a ordem do governador da Província de São Paulo, o português capitão-general Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, Morgado de Mateus, durante os anos de 1765/1775. Para outros, Donato entre eles (1985: 49), apenas a ordem para a criação, que não foi efetivada, e nada mais em qualquer outro documento durante aquele governo.
—Aparentemente o Simão teria sido aproveitador fracassado da missão que lhe fora confiada para Botucatu, o levantamento de um povoado no lugar, a sabê-lo, no entanto, partícipe da fundação de Piracicaba para fortificação militar e dar segurança em trechos do Tietê e do Rio Piracicaba, além de Itapeva e Itapetininga, elevadas para guarnecerem os caminhos vindos do sul. O encargo de Simão para Botucatu o foi em troca de sesmarias; sem condições de atender até as próprias possessões, Simão perdeu todas elas, tornadas devolutas em 1787.
Os historiadores regionais atribuem o fracasso
de Simão Barboza Franco, na fundação de Botucatu, ao Governador da Capitania de
São Paulo, Martim Lopes, que lhe negou apoio necessário para cumprimento da
incumbência que lhe fora dada pelo Morgado.
Para os autores, Simão Barboza Franco não
fracassou na fundação ou oficialização do lugar, em 1776, a levar em conta a
existência de um povoado no cimo da serra, identificado no censo itapetiningano
de 1779 como 'Bairro Botucatu', com sete moradias ocupadas por quarenta e seis
indivíduos identificados, homens 'chefes de famílias', com suas mulheres,
filhos, agregados e escravos (AESP, Documentos para Itapetininga, 1779: Maço
63).
12.4. Das cheganças e
ocupações indígenas
A desatenção de Martim Lopes para Botucatu
e adiante da serra, fizeram fracassar as sesmarias e as fazendas, abandonadas
pelos empregados, agregados e arranchados, isolados e à mercê da crescente e
ameaçadora presença indígena.
Por volta de 1780 a 1808, diversas tribos, Guarani [Caiuá] e Jê [Oti-Xavante], vindas não se sabe acertadamente de onde, se estabeleceram no Planalto Ocidental Paulista, especificadamente entre o Tietê e Paranapanema, desde o Rio Paraná gradativamente ocupando regiões em direção a Serra Botucatu. Soma-se àqueles grupos o Jê-Caingangue junto às matas marginais dos rios, Batalha, Peixe, Aguapeí, Pardo, Paranapanema, partes do Tietê e Paraná.
—Ainda discutível quando aconteceu a primeira presença caingangue na região e suas razões migratórias, Tidei Lima assinala que "desde os princípios do século XIX, sua presença é oficial e ostensivamente acusada no ocidente da Capitania, entre os rios Tietê, Paraná e Paranapanema" (1978: 37), sem qualquer registro anterior.
Há consenso que os bandos Caiuá e Guarani, propriamente ditos, tenham vindo do sul de Mato Grosso [atual do Sul], Paraná, leste do Paraguai e nordeste da Argentina, onde desapossados dos termos procuraram segurança em terras do Planalto Ocidental Paulista, pós 1835, depois de infausta querença pelos lados de Itapetininga e Itapeva, para uns a causa do lendário 'Êxodo Guarani em busca da Terra-Sem-Males', quando uma das hordas a caminho, consoante transcrição, em Curt Uncel (depois Nimuendajú) - o primeiro a registrar a lenda referente ao êxodo guaranítico de 1835:
"(...) sem canoas, pouco abaixo da foz do Ivahy, subindo então pela margem esquerda deste rio até a região de Villa Rica, onde cruzando o Ivahy, passou-se para o Tibagy, que atravessou na região de Morro Agudos. Rumando sempre em direção ao leste, atravessou com seu grupo o rio das Cinzas e o Itararé até se deparar finalmente com os povoados de Paranapitinga e Pescaria na cidade de Itapetinga, cujos primeiros colonos nada melhor souberam fazer que arrastar os recém-chegados a escravidão" (Potiguara, 2005: 3).
Hoje o êxodo não é visto apenas uma lenda. Os índios,
acossados com a presença e violência branca, deixaram seus termos no Paraguai,
Argentina, Paraná e Mato Grosso, entraram em território paulista para os lados
de Itapetininga, Itararé, Itapeva, Porangaba, Tatuí e Guareí, até a chegada dos
brancos, ávidos por boas para pastagens e para lavouras, obrigando as tribos
buscar segurança para além da serra Botucatu.
Tal ocorrência surgiu em 1808, com a decretação da
Carta Régia que permitia a guerra ao índio e sua escravização, pelos
fazendeiros e os donos de engenhos em Itapetininga e Itapeva, "homens ricos
que nas mesmas não residem" (Tidei Lima, 1978: 79, referindo-se a Auguste
Saint-
Hilaire), e assim arregimentaram bandeiras para apresamentos dos
"índios bárbaros que infestam esse território" (Tidei Lima, 1978: 79,
referindo-se a Antonio José da Franca e Horta) com propósitos de tomar suas
terras e torná-los escravos ou afugentá-los.
Outra causa da maior presença indígena no Planalto
decorreu pelo fracasso das fazendas concebidas no último quartel do século
XVIII, ou pós-jesuítas, já desfeitos os planos de povoação intentados por
Morgado de Mateus, pelo sucessor Martim Lopes, com isso a propiciar o retorno
dos índios quase sem resistência alguma.
Posto isto, somadas as diversas tribos recém
instaladas na região a partir dos anos 1800, não é errado afirmar que havia bem
mais índios em 1830 que em 1760, quando encerradas as atividades jesuíticas na
região; também é correto que as tribos do século XIX eram mais ferozes que as
suas precedentes catequizadas e semicivilizadas, desta forma vistas como hordas
bárbaras a justificar reações brancas com eficazes armas de fogo contra
obsoletas flechas e bordunas.
Alguns estudiosos apontam, ainda, presenças Jê-Kaiapó
entre Salto de Avanhandava e Itapura, conforme menção de João Francisco Tidei
Lima, "Dos Kaiapós-Meridionais - tribo do grupo Jê que, durante muito
tempo, habitara o noroeste de São Paulo, compreendido entre o Rio Grande e o
Paraná" (1978: 44, referência a Egon Schaden - Os Primitivos Habitantes do
Território Paulista), tratando-se, a juízo dos autores, 'de população flutuante
entre São Paulo, Mato Grosso [do Sul], sul de Goiás e Minas Gerais'.
Os índios, independentes de quais nações ou tribos,
quase nunca atacavam pessoas em trânsito, somente as assentadas, por isso o
êxito dos aventureiros pelos caminhos do sertão. Também, raríssimas vezes os
índios investiam contra povoados brancos de vinte ou mais pessoas, optando por
ataques isolados de surpresa a uma, duas ou três, no máximo seis pessoas,
geralmente nos roçados.
Mas, eram exatamente os ataques indígenas isolados
que mais causavam pânico entre os brancos, sobretudo pelos casos ditos de
empalações, crucificações, esquartejamentos e amputações dos membros de pessoas
ainda vivas.
Se os índios não atacavam povoados, certamente
assustavam seus moradores durante a noite, rondando as imediações e fazendo
notórias suas presenças ameaçadoras; provocando incêndios ou matança de
animais, principalmente cães que facilmente lhes detectavam as presenças,
alertando os donos. Consta que os índios imitavam cães em alertas ou brigas
para despreocupar os donos, enquanto matavam os animais e os carregavam para
longe, com alguns relatos que se alimentavam das carnes caninas.
Para Antonio Cândido:
—"(...) os estabelecimentos humanos [brancos] só aparecem (nessa região) em pleno século 19, sob a forma de fazendas e sítios polarizados por Tatuí, na maior parte, e por Botucatu os que se localizavam nas fraldas da serra. (...). Na direção de Botucatu, o acesso ao planalto se tornava bastante difícil pela serra, cujos morros fechavam a passagem para o sul, atingindo também àqueles que vinham de Tietê e os que desciam de Anhembi e, apenas para o lado de Porangaba e Tatuí as comunicações eram desimpedidas para o lado de Bofete; por aí, certamente, penetraram povoamento e cultura naquela direção" (Domingues, Porangaba e sua História: 189, menciona descrição de Antônio Cândido, autor de Parceiros do Rio Bonito).
12.5. A presença
branca no 'Cimo da Serra'
São diversas as sesmarias pleiteadas para a região de
Botucatu e adiante da serra, desde a celebração do Tratado de Madri
(13/01/1750), diploma que consagrou o princípio do direito privado romano do
'Uti Possidetis - Ita Possideatis, ou, como possuís - assim possuas', advindo
do reino unido Espanha/Portugal entre 1580/1640, quando o avanço português em
terras espanholas, então sem limites de fronteiras, delineando os contornos
aproximados do Brasil atual, à exceção do Acre, que garantia a Portugal terras
além Tordesilhas.
No entanto, o abandono dado ao sertão pelo governo de Martim Lopes, fez fracassar tudo quanto almejado pelo antecessor, Morgado de Mateus, para a região botucatuense, desde então apenas referência como chão de passagem na rota do contrabando tropeiro, continuidade do último quarto do século XVIII nos primeiros anos de 1800, os condutores evitando a estrada oficial Viamão-Sorocaba:
—"(...) os tropeiros buscaram outro caminho para conduzir animais cruzando a província paulista. Fugiam ao fisco, ao alto custo dos pastos e das pousadas. Dos campos gerais do Paraná buscaram vadear o Paranapanema onde ainda não era caudal e orientaram-se para a serra de Botucatu. Subiram-na, deram refresco aos bichos logo nos aparados, descansaram e seguiram para Minas Gerais, via São Carlos e Franca", ou passando por Batatais e Casa Branca em direção à Poços de Caldas-MG. (Donato, 1985: 58).
Mas, se os índios não atacavam caravanas em trânsito
e nem ousavam confrontos diretos com os tropeiros e seguranças, já a povoação
ficava à mercê de ataques constantes e imprevistos. O governo sabia que o
progresso 'pré-capitalista' estava no avanço sobre territórios indígenas, para
adiante da Serra Botucatu, entre os rios Tietê e Paranapanema às barrancas do
Rio Paraná.