domingo, 20 de dezembro de 2009

Migrações e frentes sertanejas

1. Causas e interesses no sertão paulista
Conquistas entre o Tietê e o Paranapanema a partir do Pardo
'santa-cruzense' - a missão de José Theodoro de Souza -
Mapa de 1886: Acervo de Marciano Aparecido Nantes
O processo migratório mineiro para os sertões de São Paulo decorreu em razão que a província de Minas Gerais enfrentava, já em início do século XIX, a decadência da mineração e a entrada do ciclo agropastoril nas grandes propriedades, tornando proibitivo o valor das terras disponíveis.
Também o aumento populacional, o fracionamento das grandes áreas e a divisão sucessiva das terras entre herdeiros, diminuíram espaços para criações e lavouras, inviabilizando acomodações para as grandes famílias, por isso os sucessores venderem suas herdadolas para buscar melhores condições em outras regiões.
Os mineiros, consoante Diores Santos, "num primeiro momento dirigiram-se para os contrafortes paulistas da Serra da Mantiqueira" (Abreu - Dióres Santos, in Câmara Municipal de Presidente Prudente - SP); depois, "saíram de suas vilas em direção à região de Araraquara" (Amato, Dourado: 1), para enfim o Vale Paranapanema, a partir do meado do século XIX, pelo bandeirismo de José Theodoro de Souza.
A civilização do Paranapanema iniciou-se pelo Turvo, a partir de São Domingos, a ressaltar que a presença Caingangue no Pardo santa-cruzense atrasaria em cinco ou mais anos as instalações das primeiras 'fazendas'. Em Bauru, pelo mesmo motivo, a região somente seria relativamente pacificada em 1862, e São José dos Campos Novos do Paranapanema (Campos Novos Paulista) no ano de 1864, após infaustas tentativas anteriores.

1.1. Frentes de conquistas
Às ações pioneiras cumpria o extermínio indígena ou o seu afastamento definitivo, assim como os livramentos dos perigos de animais predadores maiores, conseguidos com as derrubadas das matas e as grandes queimadas. 
À medida que o bando primitivo ou o exército de José Theodoro de Souza erradicava o elemento indígena de determinado lugar, de imediato levantava-se uma fortaleza onde permaneceriam alguns bugreiros com a finalidade de evitar o retorno de selvagens sobreviventes, coibir invasões e dar segurança aos preparadores de terras para as chegadas de famílias. Primeiro os indivíduos, enquanto as famílias aguardavam em segurança nas cidades próximas onde a civilização já acontecida, a exemplos de Araraquara, Botucatu, Brotas, Dois Córregos e Jaú.
As terras eram repassadas através de quitações assinadas por Jeronymo José de Pontes, cunhado de José Theodoro de Souza, ou algum outro membro alfabetizado do círculo íntimo do pioneiro, quando não os possuidores assumirem direto como posseiros primitivos. Mas, foi João da Silva e Oliveira, sobrinho de Theodoro, alfabetizado, quem viria notabilizar-se como procurador do tio.
Não era incomum a posse articulada das primeiras 'fazendas', quando alguém repassava as terras para os 'donos verdadeiros', ou entre si permutavam recibos numa simulação de apossamento anterior para 'esquentamento de documentos', dai as retroatividades de datas em registros no prazo máximo permitido pela legislação, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 e regularização pelo Decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854.
A despeito da Lei das Terras e seu encerramento oficial em 1856, para legalizar posses, uma Carta Circular do Governo de São Paulo, datada de 23 de abril de 1857,com cópia para o senhor Vigário da Freguesia de Botucatu, grafia da época, dava oportunidade de se registrar, ainda, 'Terras nas Paróquias', já ultrapassado o prazo legal: 
—"Sendo pelo Aviso de 4 de dezembro [1856] do aviso findo permittido as pessoas multadas por não terem feito registrar suas terras no prazo da Lei reclamar contra essas multas perante a Presidência das Províncias, cumpra que V.R.ma. instrua aos seus parochianos em ordem aqui os que se sentirem lesados enderecem a este Governo suas reclamações devidamente baseadas, as quaes, para maior facilidade, poderão já vir informadas por V.R.ma. (...)" (Figueiroa, Revista A História de Botucatu, nº 12).
As transações de terras no Turvo, compras e vendas, tiveram início em dezembro de 1851, sendo os adquiridores mineiros, em maior parte, entre São Domingos e o Alambari, para a formação dos primeiros bairros rurais e assentamentos familiares, "quando ainda os participantes (posseiros) dedicam-se principalmente à própria subsistência e secundariamente à troca" (Souza Martins, 1971: 45).
Entre os pioneiros não estavam apenas homens abrutalhados e de natureza indômita. Vieram juntos aqueles que sabiam: dimensionar propriedades e as aguadas; coordenar derrubadas das matas e escolher o melhor local para as moradias e as fábricas que eram os lugares do monjolo, fornos e as moendas; onde construir os potreiros, os currais e preparar os bebedouros e neles acostumar o gado.
Aos primeiros chegadores coube, portanto, 'amansar o sertão', tanto para a efetivação dos bairros rurais quanto para instalações das primeiras fazendas. 
Os preparadores da terra tinham a ciência das observações geográficas e da natureza climática, para quais terrenos e estações estavam os melhores cultivos, além do conhecimento como fazer o rodízio de solo para plantações e a coivara ou a limpeza dos terrenos para lavouras cíclicas e adubação com aproveitamento das cinzas. 

1.2. Frentes de ocupações
As ocupações sertanejas foram gradativas, voltadas para agricultura hortifrutigranjeira e pastoreio, formando os primeiros bairros rurais, pela necessidade gregária ou da relação de ajuda mútua nos serviços de mutirão e segurança.
Os compradores vieram para trabalhar a terra e enriquecer, inicialmente dedicados à própria subsistência e escambos, para logo vislumbrar mercado consumidor e, com isso, integrar novas pessoas ao grupo, como mão-de-obra, para maior produção com a dinâmica do expansionismo econômico, iniciado com as "aquisições das primeiras sortes [de terras] e, em consequência, o povoamento dos sertões (...) provocando verdadeiro alvoroço entre os lavradores, grandes e pequenos, proprietários e simples jornaleiros" (Nogueira Cobra, 1923: 32, com interpolação de textos pelos autores). 
Os produtos, então, transformavam-se em dinheiro, não mais peças de trocas, cabendo ao sertanejo opções por variedades de compras e não somente o necessário. vez que muitas propriedades adquiridas ou produções delas auferidas, não foram necessariamente para o uso ou consumo, estágio pré-capitalista, e sim para a venda, com perspectivas de bons lucros, como características do capitalismo (Huberman, 1981: 141). 
Deste processo ou conjunto de bens produzidos não só para subsistência e sim como fator de satisfação de outras necessidades, com a moeda por base de troca e medida de valor, a produção logo viria ser organizada visando o lucro e o acúmulo de dinheiro para formação de capital.

1.3. Frentes de expansão
Do sucesso das frentes de ocupações decorre, num segundo momento, o expansionismo territorial a partir da certeza da Guerra Tríplice Aliança com o Paraguai, em 1864.
Óbvio tal curso de acontecimentos conduzir, gradativamente, para a ocupação sistematizada de todo o território centro sudoeste e oeste paulista, como consequência da Guerra com o Paraguai, ou seja, o endividamento brasileiro e a necessidade do financiamento estrangeiro, através da consolidação do capitalismo, desde a implementação das grandes lavouras cafeeiras às decorrências progressistas, sobrevindas com as empresas ferroviárias, industriais, comerciais e bancárias, pela ofensiva do capital inglês e de outras nações para compra, venda e financiamento da produção. Nisto inseria-se a comercialização, além do empreendimento imobiliário, loteamento de terras e promoção da imigração estrangeira com a abolição da escravatura no Brasil.
A ordem econômica ditou as regras no Brasil para a implementação capitalista de produção em atividades organizadas e suprimentos das necessidades, pela Inglaterra, nação capitalista e de recursos industriais, cujos relatórios britânicos apontavam o Brasil potencialmente viável para grandes investimentos, com garantias de bons lucros, e o Vale Paranapanema foi visto como lugar de futuro às pretensões europeias: terras para desbravamento e bons locais para estabelecimento de colônias estrangeiras observadas em favor da Alemanha, Espanha e, principalmente, da Itália.

2. Ações capitalistas
Para alguns autores locais e historiadores regionais, ainda atualmente Theodoro é visto de maneira bastante simplista, homem que vivia das trocas de favores e serventias mútuas, como as chamadas trocas de relações pessoais, onde o pedido de um amigo ou a palavra empenhada, em qualquer compromisso assumido, prevalecia sobre todas as formas de contrato. 
O currículo de Theodoro atesta sua honradez nas relações assumidas, mas não o livra de executor das ordens para avançar sertão, matar índios e apossar terras para entrega-las limpas ao capital. Alguns autores regionais destacam em Theodoro certo heroísmo e importância para o desenvolvimento do último rincão sertanejo paulista.
Com a certeza que o bandeirismo paulista de 1850 não foi a custo de posses mansas e pacíficas, o comando bugreiro deve ser visto como braço sertanejo armado do capitalismo nas conquistas através da prática contumaz de razias, pelas dadas e outros dispositivos de dizimação inapelável, ou seja, para destruições das vidas tribais e de toda a organização social e cultural de povos considerados atravancadores do progresso.
Para Pierre Monbeig "desde o seu início, a marcha para o oeste foi um episódio da civilização capitalista", justificada pelo mesmo João Francisco, em Sérgio Silva, que tal episódio surge "como forma histórica do capital muito antes que o capital tenha dominado a própria produção." (Tidei Lima, 1978: 47).
Mais bem analisada as atitudes de Theodoro, nele percebe-se a plena consciência de estar a serviço da ocupação branca, através do etnocídio Tinha o apoio do governo e segmentos da sociedade melhor beneficiada em fazer habitar e progredir o sertão.
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