domingo, 20 de dezembro de 2009

José Theodoro de Souza - 'Tributo ao último bandeirante'

1. Os documentos se sobrepondo às tradições e lendas
Até 2006 tradições ainda lembravam o conquistador do sertão centro sudoeste e oeste paulista, um homem franzino, de pequena estatura e fala mansa, tipo caboclo com fronte larga, olhos miúdos e queixo fino, pele clara com sardas, quase imberbe senão uma barba rala a cobrir-lhe o rosto e fios esparsos de cavanhaque no queixo (Leoni, 1979:2).
Vestia roupas simples e rudes, pés quase sempre descalços.
Tal homem, lavrador residente em Pouso Alegre - MG, à frente de um bando de mineiros "teve ideia de se aventurar até a região do Paranapanema, á procura de terras de culturas a fim de tomal-as por occupação originaria" (Nogueira Cobra, 1923: 7-8), de forma branda e pacífica.
Inteligente embora analfabeto, religioso, bom chefe de família, cidadão probo e estimado, que atendia a todos que a ele socorriam-se, e em sua entrada desbravadora não quis maltratar os índios, mas sim, com amor cristão, atraí-los à civilização, de modo reconhecido que os próprios nativos o tratavam, respeitosamente, por 'Pae'. Abriu estradas, fundou povoados e fez progredir o sertão.
Todos o diziam intrépido, alegre, folgazão, festeiro e perdulário tanto, e que chegou a trocar enorme fazenda por um negro escravo, violeiro e cantador de cateretê.
Um quartel de século após sua entrada triunfal em terras no centro sudoeste e oeste paulista, este homem morreu pobre e imêmore por todos, exceto talvez por alguns indígenas renegados que o mataram, a golpes de borduna ou a flechadas, em abril de 1875, desmembrando seu corpo e deixando os restos no local para sepultura no antigo cemitério de São Pedro do Turvo, numa cova que de tão simples, pouco tempo depois, ninguém mais sabia onde encontrá-la.
Esta única descrição daquele homem lendário, típico herói sertanejo, figura frágil, que diante de uma necessidade se transformava num poderoso e destemido guerreiro, defensor dos brancos contra as atrocidades indígenas.
Seu nome, José Theodoro de Souza, o último bandeirante.
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Desfazendo tradições e pressupostos, documentos comprovam que a personagem das lendas, em verdade, tratava-se de figura mítica formada por associações de acontecimentos a Francisco de Souza Ramos, irmão de José Theodoro de Souza, morto a flechadas e golpes de bordunas por índios, em São Pedro do Turvo, e a José Theodoro de Souza Junior, filho do pioneiro, chacinado por índios em atual Paraguaçu Paulista - no local que se tornou conhecido como Água das Mortes, sendo o seu corpo despedaçado assim como aos demais vitimados no evento.

2.  O grupo familiar
Levantamento firmado pelos autores [SatoPrado], com as colaborações de Joaquim dos Santos Neto e o reverendo padre dr. Hiansen Vieira Franco, respaldado nos estudos genealógicos de Barthiyra Sette e Paola Dias (Projeto Compartilhar, § 2º - Bernarda Maria de Almeida: 3.9), e, harmônicos com os registros eclesiais da Igreja Católica Apostólica Romana (SGU: https://www.familysearch.org/pt/), revelam José Theodoro de Souza, nascido mineiro em Aiuruoca, filho de João de Souza Barboza e de Maria Theodora do Espírito Santo, batizado na Capela do Senhor do Porto do Turvo, aos 27 de maio de 1804.
O pesquisado José Theodoro de Souza casou-se aos dezenove anos de idade com Francisca Leite da Silva, aos 07 de fevereiro de 1823, em Camanducaia - MG, sendo ela nascida em Campanha - MG, em 1801, filha de João Tavares da Cunha e Anna Maria do Nascimento. O casal teve os seguintes filhos e filhas relacionados no inventário do pioneiro, contados: 
-Francisco Sabino de Souza, casado com Maria Francisca do Carmo; 
-Flausina Maria de Souza, casada com Jesues Antonio Diniz;
-Maria Theodora de Souza ou do Espirito Santo, casada com Francisco de Paula Moraes;
-José Theodoro de Souza Junior, casado com Marianna, prima em primeiro grau;
-Agostinha Theodora de Souza, casada com José Ignácio Pinto.
Theodoro e Dona Francisca tiveram, ainda as filhas, Leopoldina, nascida aos 09 e batizada aos 20 de novembro de 1831 (Batismos, Capivari/Camanducaia, MG, 1823/1831: 190); Balbina, nascida aos 25 de março e batizada em 08 de abril de 1833 (Batismos, Consolação, MG, Livro 1833/1866: 9); e Anna nascida aos 21 de maio e batizada aos 29 de maio de 1835 (Eclesial, Batismos, Consolação, MG, Livro 1833/1866: 26). Nenhuma delas teve história registrada no sertão e nem descendentes citados no inventário do pioneiro.  
Com o falecimento da esposa, Francisca Leite da Silva, aos 16 de dezembro de 1868, o sertanista, casou-se em 1871 com Anna Luiza de Jesus, nascida em Botucatu em 20 de janeiro de 1857 filha de Manoel José de Jesus e Maria Luiza da Conceição (Livro de Batismos, 1856/1859: 21), e do casal nasceu José Luiz de Souza, aos 23 de junho de 1875. 
— José Theodoro de Souza era cinquenta e três anos mais velho que sua segunda mulher.
São conhecidos no sertão os irmãos e irmãs de José Theodoro de Souza:
-Justina Maria de Souza, casada com Jeronymo José de Pontes;
-João Vicente de Souza, casado com Emerenciana Maria de Jesus, irmã de Francisca Leite da Silva, depois enviuvado, casou-se com Marianna Felisbina de Jesus;
-Maria Silveria [...], casada com José da Silva;
-Francisco de Souza Ramos, casado com Maria Thereza de Jesus, irmã de Francisca Leite da Silva;
-Manoel Silverio ou Theodoro de Souza, casado com Anna Jacinta de Jesus;
-Joaquim Theodoro de Souza, casado com Maria Esmeria de Jesus;
-Antonio Theodoro de Souza, casado com Anna Francisca da Silva;
-Anacleta Maria de Souza, casada com Joaquim Antonio Miranda;
-Bernardino José de Souza, casado com Theodora Maria de Jesus [Souza e ou Nascimento], falecida em 1848, e depois, em segunda núpcias, se casou com Marianna Ferreira;
-Dionizia Maria de Souza, casada com José Estevão de Pontes.

3. A chegada ao sertão
Até 2005 não havia consenso desde quando Theodoro chegara ao rincão paulista, para a conquista sertaneja, se em 1847 conforme informado em seus apossamentos, ou já próximo a 1856, o ano dos registros das posses; alguns o colocam na província paulista, ainda que de passagem, no ano de 1842.
Para o engenheiro e memorialista Bruno Giovannetti, o pioneiro Theodoro chegou à região em 1855, com plano já traçado em assenhorear-se de terras livres de ocupações, e para o registro se viu obrigado a declarar posse desde 1847 para tê-las livres do patrimônio devoluto da província (1943: 125).
O advogado e historiador Amador Nogueira Cobra informou a chegada de Theodoro após 1850, no espaço da promulgação da Lei 601, de 18 de setembro de 1850, e seu regulamento em 30 de janeiro de 1854, pelo Decreto 1318, aproveitando-se do prazo maior concedido para legalização de posses que ia até maio de 1856, para o registro de suas terras, sendo a retroação a 1847 mero artifício para que o ato não se tornasse nulo de pleno direito, nem viesse o declarante incorrer em penalidade legal (1923: 6-8).
J.C. Pedro Grande, do Conselho Nacional de Geografia, em 1953, atestou que "José Theodoro de Souza e José Vieira Martins, fundaram em 1848 o então modesto arraial de São Pedro dos Campos Novos do Turvo" (Diário de Notícias, RJ, 20/09/1953: 27), sem informar como localizado o Vieira Martins na fundação do mencionado lugar.
O assisense Leoni Ferreira da Silva assegurou que Theodoro fez sua posse no ano de 1847, conforme objetivo, e a registrou obedecendo a legislação em vigor (Leoni, 1979: 3 e 341). 
Bartholomeu Giannasi, descendente de italianos residentes em Conceição de Monte Alegre, atual distrito de Paraguaçu Paulista, descreveu que Theodoro contratou com o Imperador Pedro II, em 1847, para apossar terras adiante da Serra Botucatu e, pelos espigões dos rios Feio/Feio até as barrancas do Rio Paraná.
O repórter Cristiano Machado informou, pela entrevistada Tereza da Silva Gonçalves - suposta herdeira de Theodoro, que chegou ao sertão em 1847, a mando do Imperador, para saber das ocupações de terras (Machado, 2005: 20/01 - A Folha de São Paulo, 'Supostos herdeiros de pioneiro invadem fazenda em SP'), e as tomou por posse primária.
José Joaquim Gonçalves Melo entende que Theodoro chegou ao sertão em 1842, com "autorização expressa e escrita por ordem do Imperador D. Pedro II, para fazer o levantamento das terras e registros das mesmas" (Gonçalves Melo, 1999: 3). Para credibilidade Melo esclareceu que a fonte das informações, José Antonio Pereira de Lima, "era cunhado de José Theodoro de Souza" (op.cit), sem revelar de qual maneira o cunhadio, que hoje se sabe infundado.
O professor Carlos Frederico Santos Silva igualmente indicou a presença de Theodoro no sertão em 1842, quando este teria fundado São Pedro do Turvo (Santos Silva, 1954: 5).
A professora Maria José Corrêa de Oliveira Zanoni, firmada em Santos Silva, quase vinte anos depois declararia: "O pioneiro nos avanços por estes lados foi José Teodoro de Souza, que fundou São Pedro do Turvo em 1842", prosseguindo a autora: "foi uma ocupação lenta tanto que a cidade de São Pedro do Turvo (...) foi fundada 30 anos antes da fundação de Santa Cruz do Rio Pardo" (Oliveira Zanoni, 1976: 55-56).
Respeitadas as divergências, nenhum dos citados autores apresentaram justificativas ou referências para suas conclusões, voltadas para a conquista sertaneja e não, necessariamente, para o tempo da chegada de Theodoro na província paulista, situações obviamente distintas.
Outrossim, antigos relatos, da primeira geração de desbravadores, mencionam Theodoro viageiro e espia de tropeirada, cabecilha requisitado por conhecer os desvios dos condutos do sertão, para evitar pagamentos de taxas e pedágios nas estradas oficiais, além de entender as astúcias dos índios e as manobras dos ladrões, sempre às espreitas nos apreensivos caminhos do contrabando tropeiro. Mais brandamente descrito, "dedicava-se ao comércio de muares e gêneros diversos que se fazia entre o Sul de Minas através da feira de Sorocaba" (Abreu - Dióres Santos, 1978: 1 - primeira coluna).
Os serviços prestados por Theodoro interessavam a muitos, e, certamente, ao mineiro Joaquim da Costa e Abreu, por anos trabalhando sob as ordens de Domingos Soares de Barros, agora afazendado no alto da Serra Botucatu, contratador de tropeirada e mandador em Botucatu, quando ainda Nossa Senhora das Dores do Cimo da Serra. 
Embora não localizado qualquer indício que Theodoro tenha trabalhado para o Costa e Abreu, a morte deste, em 1840, fez ressaltar o forte relacionamento entre pioneiro e Euzebio da Costa Luz, filho e sucessor do líder falecido, destacado durante as realizações da 'Feira Anual de Animais' em Sorocaba, entre festas religiosas do divino e eventos desportivos como as montarias, provas de laços e touradas, eventos que atraiam gentes das diversas regiões do Brasil, quando, no azo dos acontecimentos, a deflagração da Revolução Liberal e os revoltosos, senhores da situação num primeiro momento, prenderam Euzébio da Costa Luz, ou intentaram o ato, com pronta reação de Theodoro para o tornar livre (Aluisio de Almeida, Notas para a História de Botucatu, pelo Jornal O Estado de São Paulo, 11/11/1951).
—O historiador Hernani Donato não deixa dúvidas tratar-se de José Theodoro de Souza, o desbravador-mor do sertão paulista, assim ajustado em dois textos de sua obra (1985: 72 e 110 – Notas 1). Inimaginável ação solitária de Theodoro a favor de Costa Luz, ou solidária, que não lhe fosse retribuída com algum vínculo.
A dar crédito ao Donato, e, se historicamente correto o incidente sorocabano, Theodoro teria então presença ou passagem pela província paulista, pelo menos, no ano de 1842, sem qualquer impeditivo que o desautorizasse a qualquer incursão, pelas regiões entre o Pardo/Turvo, fosse num processo prévio ou não de reconhecimento da região a ser conquistada, a partir de 1850/1851.
Independente das colocações acima, os autores SatoPrado destacaram, num primeiro levantamento, que no ano de 1949 Theodoro estava registrado como morador em Botucatu, assim atestado num assento eclesial de batismo na família Nolasco (Botucatu, Livro 1849/1856, 02/07/1849: 26).

3.1. Documentos comprovam o pioneiro na província paulista desde 1837
Em 2020, pelos autores SatoPrado, concluiu-se, documentalmente, que o primeiro registro da presença de José Theodoro de Souza, na província paulista, aponta-o freguês - morador, em São João da Boa Vista, a contar de 1837, no batismo de Rita, filha de Domiciano José dos Reis, ocorrido aos 06 de outubro daquele ano (Records Preservation, 1833/1858: 33). Na mesma localidade de São João da Boa Vista, alguns anos depois, nasceu e foi batizada sua filha Agostinha, aos 07 de dezembro de 1842 (Records Preservation, Batismos, 1833/1858: 81).
Considerando o registro entre Theodorinho, filho do pioneiro-mor, nascido e batizado em Consolação - MG, aos 30 de abril de 1836 (Livro de Batismos, 1836/1855: 9), e aquele primeiro, de 06 de outubro de 1837, do batismo de Rita em São João da Boa Vista-SP, chega-se a obviedade que, em algum tempo entre maio/junho de 1836 a outubro/dezembro de 1837, José Theodoro de Souza estava residente, com a família, em São João da Boa Vista, ou seja, cinco anos antes do incidente político de 1842 em Sorocaba, e doze anos anteriores ao seu primeiro registro em Botucatu no ano de 1849.
Certa a presença de José Theodoro de Souza na província de São Paulo desde 1837, também se pode garantir, documentalmente, sua fixação em Botucatu no ano 1849, com a família, alguns de seus parentes e outros a ele vinculados por compadrio.
Exemplos, a filha Flauzina, casada com Josues Antonio Diniz, também residia em Botucatu no ano de 1849, conforme registro de batismo da filha, de nome Maria, nascida em 20 de fevereiro de 1849 (Botucatu, Livro 1849/1856, 09/07/1849: 28); João Vicente de Souza, irmão de Theodoro, e sua esposa Marianna Felisbina de Jesus, aos 02 de setembro de 1849 estão documentados residentes em Botucatu, quando dos batismos dos filhos, dois deles com a idade de três anos e um com doze meses (Livro de 1849/1856: 34), destarte, possível, remontar a estadia da família, pelo menos, três anos no lugar, ou seja, 1846/1847.
Os assentos eclesiásticos botucatuenses eram realizados pelos padres visitadores, de quando em quando, e os atos religiosos de registros praticados até 1849, eram levados para Itapetinga, sede paroquial (Donato: 1985: 62), muitos deles extraviados ou, ainda não localizados. À mesma maneira, os expedientes judiciais e camarários referentes a Botucatu, ou que outro nome tivesse, eram realizados também em Itapetinga, então, sede de comarca e município, mas, nenhuma referência nominal encontrada, pelos autores, que possa identificar todos os seus moradores ou eleitores entre 1842/1849.
Demais parentes diretos e indiretos de Theodoro, se fixaram no sertão, na mesma época, alguns mencionados em Pupo e Ciaccia (2005, Índice Onomástico: 310-325). Todos eles, juntamente com os compadres e amigos vinculados ao pioneiro-mor, somaram-se ao grupo conquistador do sertão paulista de 1850/1851, conforme atestam documentos cartoriais, camarários e eclesiais.
Indiscutível, no entanto, a fixação de José Theodoro de Souza e sua gente no sertão botucatuense somente ocorreria a partir de 1850/1871, sem prejuízos de incursões anteriores pelas regiões entre os rios Tietê e Paranapanema, desde a descida da Serra Botucatu, num processo prévio ou não de reconhecimento da região a ser ocupada pelos bugreiros e desbravadores.

4. O 'cabeça de bandeira'
José Theodoro de Souza não entrou no sertão por ordem do capitão Tito Corrêa de Mello, como antes se imaginava, e sim numa combinação de Costa Luz, fazendeiros e capitalistas financiadores da empreitada ou os disponibilizadores de homens engajados diretamente na luta armada, portanto, missão considerada bandeira e não entrada. 
Não existem provas documentais, porém, não se pode imaginar o empreendimento de tal envergadura sem o dinheiro para compras de armas, munições, alimentações e coberturas outras, inclusive das necessidades familiares. Segundo adágio, 'não se faz uma guerra sem homens, e estes custam dinheiro como formas de retribuições, para si e família'.
Houve custeadores que, em caso de campanha exitosa, receberiam suas pagas em terras conforme o montante investido, e, dito, as evidências de investimentos de alguns fazendeiros botucatuenses e outros, por si, seus herdeiros e/ou sucessores, que ocuparam posses tão logo livres as terras da presença indígena, destacados o Raymundo de Godoy Moreira e o genro major José Inocencio da Rocha, pelos lados de Borebi; Francisco Antonio Ramos e Eliseo Antunes de Oliveira Cardia - descendente do sesmeiro Antonio Antunes Cardia, em Lençóis Paulista; Faustino Ribeiro da Silva, na região de Agudos; Sebastião Pereira, Pedro Francisco Pinto, também chamado Pedro Francisco Franco e os irmãos, Antonio e Francisco Rodrigues de Campos, associados a José Theodoro de Souza em Bauru e adjacências; Francisco de Assis Nogueira e José Machado de Lima - este sócio de Theodoro, nos termos de Platina e Assis; e o José da Costa Allemão Coimbra em Santa Cruz do Rio Pardo e Ibirarema; entre outros.
Da mesma maneira, os envolvidos diretamente nas operações contra os indígenas seriam retribuídos com frações de terras, uma aguada menor, e, em caso de morte do partícipe nos confrontos, sua cota seria entregue à viúva e herdeiros, com ou sem o artifício de posses articuladas, consoante observado em alguns registros paroquiais de terras requeridos diretamente pelas viúvas.
Os acordos, a despeito de não escritos - pelo menos estes não chegaram aos dias atuais, foram cumpridos à risca, e os antigos acreditavam na palavra empenhada por José Theodoro de Souza, louvavam-no, e ele, às vezes se sacrificava para atender assuntos não bem firmados, por exemplo, 'terras desviadas' por algum seu procurador. 
Para si o pioneiro teve respeitado o quinhão limitado pelo rio Paranapanema e divisor Paranapanema/Peixe, iniciado nas cabeceiras do Turvo, mais propriamente no 'Correguinho da Porteira', à margem esquerda ao espigão e por este seguir a procurar e despassar o Pardo, rumo ao Paranapanema, pelo qual abaixo até o tributário paranaense Tibagi - dimensão estendida até o paulista 'Ribeirão da Figueira' (Nogueira Cobra, 1923: 30), pouco abaixo da barra do Tibagi, ou, adiante, até a margem esquerda do 'Ribeirão das Anhumas' (Giovannetti 1943: 27-28), ou, talvez, o 'Ribeirão Água Boa', situado entre aqueles dois ribeirões, todos no Paranapanema; um latifúndio, com o compromisso em amanhar o sertão, abrir estradas e fundar povoados.
A grande posse de José Theodoro de Souza abrangeu terras registradas por outros posseiros, em partes dos territórios de Forquilha, São Domingos [São João de São Domingos], Óleo e Ipaussu [Ilha Grande], entre outras citações, porém sem contestações, num tempo em que já se negociavam títulos de propriedades - compras, vendas e permutas, entre os anos 1850/1851 e 1856.

5. O 'senhor das terras' - registros paroquiais
O pioneiro-mor se estabeleceu no sertão em junho de 1851, imediatamente após a 'Guerra ao Índio' (1850/1851). Ardilosamente promovera quatro registros paroquiais de suas terras, sob os números 516, 518, 519 e 520, sendo o primeiro conhecido como 'a grande posse'.
Com a propositada divisão o declarante indicava outros posseiros na região, como artifício para adequações à 'Lei das Terras - nº 601, de 18 de setembro de 1850, e o Decreto regulamentador nº 1.318, de 18 de 30 de janeiro de 1854', demonstrando o sertão já habitado, e cada confrontante, no respectivo assento, declararia as mesmas e outras vizinhanças como provas de moradia habitual.

5.1. Registro Paroquial de Terras nº 516 - Rio do Turvo:
—"Terras que possue José Theodoro de Souza no districto desta Villa de Botucatu. Digo eu abaixo assignado que sou senhor de umas terras de cultura no lugar denominado Rio do Turvo: districto desta Villa de Botucatu e suas divizas são as seguintes. Principiando esta divisa no barranco do rio turvo, barra do correguinho da porteira divisando com os herdeiros e meeira de José Alves de Lima, e sercando as vertentes com quem direito for até encontrar terras de José da Cunha de tal até travessar o Rio pardo; por outro lado até o espigão que divide as vertentes do Paranapanema, pelo espigão fora com quem direito for té cair no mesmo barranco do Paranapanema por este abaixo té frontear a barra do rio Tabagy [Tibagy], e d’aqui cercando as vertentes desta agua que se achão dentro deste circullo até encontrar com terras de Francisco de Souza Ramos d’aqui decendo até o barranco do Sam João por elle abaixo até sua barra no Turvo, por este acima até encontrar com a barra do Correguinho da porteira d’onde foi principio e finda esta diviza. Cujas terras assim divizadas e confrontadas as possuo por posse manças e pacificas que fiz no anno de mil oito centos e quarenta e sete, nella tenho morada abitual até o prezente. Botucatu trinta de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. Por José Theodoro de Souza = Francisco da Chaga Malta = Apresentado aos trinta e um de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. O Vigario Modesto Marques Teixeira=" (RPT/BTCT nº 516: 169-v e 170-a).
Levantamentos em 2019, por SatoPrado, consolidam que o Correguinho da Porteira ou Córrego da Porteira, no ano de 1946 trazia o nome Santo Antonio/Saltinho (AESP: Folha [Mapa] para Santa Bárbara do Rio Pardo), e, em documento posterior, Córrego do Salto (IBGE, 1973: Turvinho, Mapa SF-22-Z-B-IV-2).

5.2. Registro Paroquial de Terras nº 518 - Rio do Alambary:
—"Terras que possue José Theodoro de Souza nesta Villa de Botucatu. Eu abaixo assignado sou senhor e possuidor das terras seguintes nesta Villa de Botucatu. Um citio de terras de cultura no lugar denominado = Rio do Alambary = districto desta Villa de Botucatu, e suas divizas são as seguintes - Principiando no lado de cima divisando com Messias José de Andrade, e pelo alto, com quem direito for até encontrar com terras de Manoel Alves dos Reis, e pelo espigão abaixo com o mesmo Alves até o rio, e pelo veio do rio acima até encontrar o princípio desta divisa. Cujas terras forão por mim possuidas por posse que fiz no anno de mil oito centos e quarenta e sete, e por não saber ler nem escrever pedi a quem por mim fizesse, a meo rogo assigna-se. Hoje trinta de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. A rogo de José Theodoro de Souza = Antonio Galvão Severino = Apresentado aos trinta e um de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. O Vigario Modesto Marques Teixeira." (RPT/BTCT nº 518: 170-v).

5.3. Registro Paroquial de Terras nº 519: São João
—"Terras que possue José Theodoro de Souza no districto desta Villa de Botucatu. Digo eu abaixo assignado que sou senhor de umas terras de cultura no lugar denominado São João deste districto desta Villa de Botucatu. Suas divizas são as seguinte. Principiando na barranca do rio São João e seguindo por um espigão divisando com Mathias Leite de Moraes e rodeando as vertentes de um braço do São João até encontrar com terras de Francisco de Souza Ramos, até o veio do rio São João e por este acima até onde principia e finda esta divisa. Cujas terras assim divizadas e confrontadas as possuo por posses pacificas que fiz no anno de mil oito centos e quarenta e sete = nellas tenho morada abitual até o presente. Botucatu trinta de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis = Por José Theodoro de Souza = Antonio Galvão Severino = Apresentado aos trinta e um de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. O Vigario Modesto Marques Teixeira." (RPT/BTCT nº 519: 170-v).

5.4. Registro Paroquial de Terras nº 520: São João
—"Terras que possue José Theodoro de Souza no districto desta Villa de Botucatu. Digo eu abaixo assignado que sou senhor de umas terras de cultura no lugar denominado = São João = deste districto de Botucatu, e suas divizas são as seguintes. Principiando esta divisa no barranco do rio São João defronte de um pau de cabiúna aonde faz ponto de divisa com Francisco de Souza Ramos até encontrar com terras de João Vicente de Souza daqui seguindo por um espigão dividindo com o mesmo Souza até encontrar com terras de Manoel Joaquim da Cunha até a barranca do rio São João e por este acima até encontrar com terras de Anastácio José Feliciano, divisando com José Antonio Diniz até encontrar com terras de Francisco de Souza Ramos onde fez princípio e finda esta divisa. Cujas terras assim divizadas e confrontadas as possuo por posses manças e pacificas que fiz no anno de mil oito centos e quarenta e sete, nellas tenho morada abitual até o presente. Botucatu trinta de Maio de mil oito centos e cincoenta e seis. Por José Theodoro de Souza = Antonio Severino digo Galvão Severino = Apresentado aos trinta e um de maio de mil oito centos e cincoenta e seis. O Vigario Modesto Marques Teixeira.” (RPT/BTCT nº 520: 171-a).
O Registro de nº 517 foi emitido a favor do posseiro José Joaquim de Faria, no Ribeirão de São João - afluente do Turvo.

6. A posse especulada no Feio/Aguapeí
Para alguns informadores, naquele mesmo 31 de maio de 1856:
—"José Theodoro de Souza obtém semelhante registro paroquial [de terras] junto ao vigário Modesto Marques Teixeira, de Botucatu (então, uma vila), para a vastíssima área entre a cidade de Bauru e as margens do rio Paraná. O registro denomina a área Fazenda Rio do Peixe, ou Fazenda Boa Esperança do Aguapeí." (Silva, 2008: 34).
Quanto ao apontamento, nenhum registro paroquial de terras localizado [ano referência 2018]; todavia, expedientes oficializados confirmam o desbravador-mor na região do Rio Batalha, Bauru e adjacências, juntamente com os irmãos Francisco e Antonio de Campos, dando combate aos índios e tomando-lhes as terras, conforme denunciado pelo Juízo Municipal de Botucatu ao Presidente da Província de São Paulo, datado de 23 de agosto de 1861:
—"(...) esta imensa área na sua quase totalidade tem sido apropriada e vendida por José Theodoro de Souza e pelos irmãos Francisco e Antonio de Campos" (Carta de 03/09/1861, do Juiz Municipal de Botucatu, Filippe Correa Pacheco, à Presidência da Província se São Paulo, AESP/BTCT, Doc. 41-B, Pasta 2: 02250226).

6.1. Aparte histórico para o Feio/Aguapey'
Na edição de 06 de junho de 1951, por ocasião do décimo aniversário de fundação da localidade de Osvaldo Cruz, antes Califórnia, o hebdomadário local, 'O Trabalho', distribuiu uma revista comemorativa ao evento com interessante histórico transcrito por Tadeu Lassen*:
—"As terras onde, hoje, se localiza Osvaldo Cruz pertenciam, outrora, a duas vastas extensões territoriais denominadas "Fazenda Monte Alegre" e "Fazenda Guataporanga", situadas, respectivamente, à esquerda e à direita do espigão divisor do Rio do Peixe e do Rio Feio ou Aguapeí.
A primeira delas, por divisão judicial procedida em 1918, veio a pertencer à José Joaquim Cardoso de Melo Junior, o qual, posteriormente, em 23 de Janeiro de 1924, de sua gleba, transferiu 5.000 alqueires à Max Wirth, de acordo com a transcrição n° 4832, feita no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Presidente Prudente.  A segunda, ou seja, a 'Fazenda Guataporanga', se prende à extensa área do chamado vale do Rio Feio e Aguapeí [Feio/Aguapeí], cujas terras, disputadíssimas, vem sendo, há mais de um século, objetos de famosas e intermináveis demandas judiciárias.
Para a 'Guataporanga' se tem a informação:
-'(...).
-que em 1845, Francisco Rodrigues de Campos apossara uma sorte de terras que compõe o vale do Rio Feio ou Aguapeí;
-que, por escritura particular, de 11 de Março de 1852, Francisco Rodrigues de Campos vendeu esta posse à Manoel Ignácio Moreira, pagando este o imposto de "Siza", em 2 de Junho do mesmo ano;
-que Manoel Ignácio Moreira vendeu a tal sorte de terras, isto é, todo o extenso vale do Rio do Peixe ou Aguapeí, em 23 de Setembro de 1876, à Joaquim Francisco Rezende; que por escritura de 13 de Novembro de 1895, Joaquim Francisco Rezende revendeu estas terras à Amadeu de Almeida Santos, por título registrado, na então, Comarca de São Paulo dos Agudos;
-que o Amadeu de Almeida Santos, depois de haver separado certa gleba situada nas cabeceiras do Rio Feio ou Aguapeí, qual medida e dividida judicialmente, passou a ser conhecida pelo nome de "Perímetro Judicial", dividiu as terras restantes em quatro partes ideais, reservando uma para si e alienando as outras três: uma ao Dr. Augusto Eliseo de Castro Fonseca, outra à Antonio Januário de Vasconcelos, e a terceira à Joaquim Rodrigues Sobrinho que, por sua vez, vendeu-a ao Dr. Alfredo de Campos Sales e outros, por escritura de 7 de Dezembro de 1904.  -que o mesmo Amadeu de Almeida Santos, reservara uma quarta parte para si de todo o vaIe, para depois vende-la, por escritura de 01 de Julho de 1911, à Luiz de Toledo Piza que, por sua vez, conforme escritura de 18 de Novembro de 1920, registrada na Comarca de Penápolis, a transferiu à Lélio Piza & Irmãos.'
De Lélio Piza & Irmãos, em 21 de junho de 1921, Max Wirth adquiriu 13.940 alqueires que passaram a constituir a 'Fazenda Guataporanga', que somados aos 5.000 alqueires da chamada 'Fazenda Monte Alegre', formam, hoje, a área territorial do Município de Osvaldo Cruz.
Durante o longo período de 1845 até os dias atuais, as terras que compõem o município de Osvaldo Cruz pertencerem, sucessivamente, às seguintes Comarcas:
-'Lençóis, que, em 15 de Julho de 1901, pela Lei n° 631, incorporou-se à Comarca de Agudos; Bauru, criada em 1 6 de Dezembro de 1910, pela Lei n° 1225; Penápolis, criada em 8 de Dezembro de 1918; Presidente Prudente, criada em 8 de Dezembro de 1922 e, atualmente, Lucélia, criada pelo Decreto Federal, n° 1 4.33 4,de 30 de Novembro de 1944'.
Destarte, cumprem as complementações:
-1: A Fazenda Monte Alegre, segundo a história de Lucélia, era uma grande área de terras que começava entre Bastos e Tupã e ia até a barranca do Rio Paraná.
-2: As fazendas Guataporanga e a Monte Alegre, ambas totalizando 18.940 alqueires, situam-se ao norte/sul com o divisor do Peixe/Aguapeí, e deram formação territorial, além do município de Osvaldo Cruz, também aos de Salmourão e Inúbia Paulista.
—*Colaboração e repasses de documentos, gentileza do advogado e memorialista, Luiz Alberto Tadeu de Azevedo Lassen [Tadeu Lassen], 'osvaldo-cruzense' nascido em São Pedro - SP, autor do livro "História do Saneamento Básico de Osvaldo Cruz" em 2012.

7. As terras no Vale Paranapanema a partir do Turvo e Pardo 'santa-cruzense'
As posses de Theodoro eram todas livres de ocupações primárias e nelas não havia sinais de entradas e assentamentos de exploração, a não restar dúvida ser ele o primeiro branco a entrar nelas e apropriar-se, sendo o fundador das atuais localidades de São Pedro do Turvo, Campos Novos Paulista - Estância Climática, e Conceição de Monte Alegre no município de Paraguaçu Paulista. Consta ainda reconhecido desbravador, porém não o instituidor das paragens de Agudos, Avaré, Bauru, Cerqueira Cesar, Lençóis Paulista, Salto Grande, Águas de Santa Bárbara e Santa Cruz do Rio Pardo, nas quais sem apossamentos reconhecidos, à exceção de partes em Bauru.
Desconhecendo a geografia regional e as antigas denominações contidas no declaratório, por cento e cinquenta anos os estudiosos entenderam que a grande posse de José Theodoro de Souza, partia do Rio Turvo e Ribeirão das Antas, tributário do Alambari, pelo divisor Peixe/Paranapanema, até Água Boa, pouco abaixo da barra do afluente paranaense Tibagi, no Paranapanema, posse estendida até o Ribeirão das Anhumas, totalizando algo em torno de 60 quilômetros de testada por 150 de fundos, ou seja, quase nove mil quilômetros quadrados de terras, muito acima dos limites legais de posses permitidos ou tolerados pelo Império. 
Para os pesquisadores e historiadores outros, cujas obras consultadas pelos autores, Theodoro não teria assumido terras no Pardo santa-cruzense, contraditando o Registro Paroquial de Terras nº 516 que marcava o início da grande posse no Turvo, onde a barra do Córrego  ou Correguinho da Porteira - posteriormente denominado Santo Antonio / Saltinho (AESP: Folha [Mapa] para Santa Bárbara do Rio Pardo), e, em documento posterior, Córrego do Salto (IBGE, 1973: Turvinho, Mapa SF-22-Z-B-IV-2). A partir do Correguinho da Porteira, as terras de José Theodoro de Souza, seguiam cercando as vertentes e descer, de tal a despassar o Rio Pardo e, depois do espigão, chegar ao Paranapanema, para seguir curso até a barra do Ribeirão das Anhumas, ou, mais propriamente até Água Boa, toda esta extensão confinada entre o Paranapanema e o divisor com o Peixe, inexistindo qualquer outra maneira em conciliar a travessia do Pardo com aquele declaratório de posse (SatoPrado e Costa, 2006).
Documentos de transações e regularizações de terras corroboram que propriedades desde o Pardo santa-cruzense situavam-se dentro da grande posse de José Theodoro de Souza, a exemplos entre outros, as fazendas Jacu, Furnas, Paredão e Chumbeada, em atuais municípios de Ipaussu, Chavantes e Ourinhos (DOSP, 03/08/1909: 23-24); a fazenda Santa Tereza, desde a barra do Pardo e partes do rio acima, em Salto Grande (DOSP, 17/06/1908: 1869); terras à margem esquerda do Pardo, porção onde a Fazenda Água do Pires, em Santa Cruz do Rio Pardo (DOSP, 18/06/1909: 4310-4311); e porções às margens direita e esquerda do Pardo identificadas na Fazenda São José do Rio Pardo (DOSP, 16/02/1908: 451).

8. A morte do pioneiro-mor
O inventário de José Theodoro de Souza revela-o falecido na localidade de São José do Rio Novo, atual Estância Climática Campos Novos Paulista, aos 24 de julho de
1875, e não em São Pedro do Turvo, no mês de abril daquele ano, conforme se pensava.  A data da morte foi informada em expediente de 23 de setembro de 1875: "Dona Anna Luiza de Jesús, passou a mesma a fazer perante o Juiz suas primeiras declarações pela maneira e fórma seguinte: que seu finado marido José Theodoro de Souza, no dia vinte quatro deste, fazem dois meses que faleceu (...)." (I/JTS, 1875: 5-7), ou seja, aos 24 de julho de 1875, um mês após o nascimento do filho José Luis.
Também, Theodoro não foi morto por nenhum indígena, e sim por doença "em estado paralytico", de acordo com o testemunho do padre Francisco José Serodio, prestado aos 10 de setembro de 1877 (I/JTS: 111). 
Aos 22 de junho de 1875 Theodoro, enfermo, teria feito testamento, em São José dos Campos Novos, perante Juventino de Oliveira Padilha, Escrivão do Juízo de Paz e Tabelião de Notas da Freguesia de Santa Bárbara do Rio Pardo, com Antonio Alves Nantes assinando a rogo do testador. O testamento sugere falcatruas pelas exclusões de fazendas que Theodoro sabia existir.
Para a Procuradoria de Terras, face o testamento, José Theodoro de Souza morrera pobre, endividado e sem a menor referência a qualquer porção de terras, limitando-se pedir aos filhos, do primeiro matrimônio, para reporem a quantia que lhe faltava para inteirar o pagamento da sua terça deixada à segunda mulher, Anna Luiza de Jesus, que então renunciaram os direitos em favor da viúva inventariante e do filho José Luiz, de três meses, aquinhoado com o que restara, ou seja, "uma morada de casa assoalhada e coberta de telha na capella de S. José dos Campos Novos, no valor de seiscentos mil reis." (DOSP, 16/03/1938: 36).
A inventariante não arrolou fazenda alguma, que informou existir, mas não sabia onde, assim como desconhecia a localização das matrículas de escravos. Anna até reconhecera, num primeiro momento, parte das dívidas contraídas pelo marido, e de outras nunca ouvira dizer, para mais adiante contestá-las, quase todas, e requerer embargos, entendendo ela que o seu procurador, João da Silva e Oliveira, apresentara débitos inexistentes e informações fraudadas.
Comprovaram-se as forjicações por parte de Oliveira e Silva, conluiado com outros interessados nas dissipações dos bens do falecido, e Theodoro de Camargo Prado, Juiz Comissário residente em Santa Cruz do Rio Pardo, requereu em nome da viúva Anna Luiza de Jesus nova análise do processo, e o Juiz de Direito da Comarca de Lençóis Paulista, dr. Joaquim Antonio do Amaral Gurgel, deferiu pedido de embargo e determinou novas providências, para declarar irregularidades e má fé praticadas pelo então procurador.
Diante dos recursos apresentados e as juntadas de novos documentos, o processo de inventário do pioneiro foi encaminhado de Santa Cruz do Rio Pardo ao Tribunal de Relações da Província de São Paulo, aos 16 de agosto de 1882, e quase três anos depois a sentença homologatória obteve a veneranda sentença:
—"Accordão em Relação, vistos, relatados e discutidos estes autos, despresão a preliminar de se não conhecer da appellação, bem como o aggravo do processo de fls. 146, e dando provimento a mesma appellação interposta a fls. 211, reformão a sentença appellada de fls. 108, por não se fundar em prova legitima e mandar em consequencia, que subsista a sentença de fls. 79-v que homologou a respectiva partilha e rateio; indo, porém, a praça para ser arrematada a escrava Honorata, separada para pagamento do appellante credor; a quem não se admitte ser ella adjudicada contra direito expresso em inventario de órfãos. - Pagas as custas pela appellada. S. Paulo, 17 de julho de 1885. Villaça, P. Uchôa, A. Brito Melo Matos." (DOSP, 16/03/1938: 2).
A decisão não teve o final satisfatório às partes conflitantes, e ainda em 2018 herdeiros, legítimos ou não, sustentam que os registros de propriedades advindas de José Theodoro de Souza padecem de vícios, considerando que as transmissões de domínios teriam ocorrido de forma fraudulenta após a morte do sertanejo.
Os insinuados e os comprovados invasores de terras, no uso de artifícios criminosos, das violências físicas e mortes, ou de imposturas de títulos primitivos de posses, escudavam-se que José Theodoro vendera muitos de seus bens, a totalidade deles, e os títulos seriam legítimos.
Quanto a essa dissipação dos bens é preciso compreender que José Theodoro adentrara no sertão para desbravá-lo e povoá-lo, e, mesmo assim, "No espólio do mineiro, sobre tudo, sabemos que existiam muitas águas que reunidas às outras, irregularmente alienadas, por falta de registro, formavam bloco, assaz considerável" (Nogueira Cobra, 1923: 99).
Entre 1896/1897 o herdeiro José Luiz, filho de Theodoro com Anna Luiza "Attingindo a maioridade, induziram-no a tomar conta da herança que desconhecia e, em seguida, alienou dando origem esse acto a uma contenda" (Nogueira Cobra, 1923: 57). 
O herdeiro apresentara e requerera, informam as fontes, 'direitos hereditários' (DOSP, 16/03/1938: 36), de propriedades que entendera suas, em partes não inventariadas nem postas em testamento de seu pai. Contraditado pela Procuradoria de Terras, obteve pronunciamento favorável da justiça, e depois vendeu as terras judicialmente suas, para residir em Botucatu e lá falecer.

9. Theodoro sob o ponto de vista histórico
A história não destaca maior importância ao bandeirismo de José Theodoro de Souza que, à frente de bugreiros, invadiu o sertão centro sudoeste e oeste paulista, mais especialmente o Vale do Paranapanema, para exterminar tribos indígenas através das razias e dadas, no mais cruento etnocídio paulista do século XIX.
Documentos oficiais 'resgatados' comprovam o pioneiro como figura controversa, porém sua sagacidade e força na promoção de certos modos, aplicados no tratamento aos índios, tornavam-no benquisto pelos fazendeiros e simpático à maioria das autoridades provinciais, apresentando-se hábil negociador em situações conflitantes, sem, no entanto, abrir mão de seus objetivos em ocupar terras e vende-las sob garantias de segurança relativa. 
No ano de 1862, quando denunciados alguns sangrentos combates entre brancos e índios, Theodoro, acompanhado de uns tantos 'habitantes das matas' já pacificados, apresentou-se ao governo da província paulista para entrega das reivindicações dos sertanejos, num abaixo assinado que dizia das hostilidades indígenas e a sugestão de aldeamento, o Itacorá em Salto Grande, à maneira sugerida pelo mensageiro. 
Os documentos oferecidos estavam firmados pela Câmara Municipal de Lençóis Paulista, pela Subdelegacia de Polícia e Guarda Nacional de São Domingos [nome civil opcional ao eclesial São João de São Domingos], inclusive declaração de idoneidade de Theodoro assinada pelo padre André Barra, servindo de instrução, processual burocrática, na criação do Aldeamento para Salto Grande (ALESP, 64.22.1 e folhas seguintes).
A viagem foi tão bem-sucedida que impressionou positivamente a quase todos que conheceram o pioneiro. 
Dr. Joaquim Antonio Pinto Junior, advogado dos índios, político e historiador, autor da obra 'Memoria sobre a Cathechese e a civilisação dos indigenas da Província de S. Paulo' (1862), descreveu Theodoro como um homem de:
—"(...) coração bem formado, tem-se constituído o desvelado protector d'aquelles infelizes que com rasão lhe dão até o nome de pai; foi ele que á expensas suas conduzio á esta Capital os que á pouco se apresentárão ao Governo; é elle que os auxilia em suas necessidades mais urgentes; é em sua fazenda que encontrão todos os socorros: de uma modestia á toda prova, não faz ostentação de seus serviços, por isso o seu nome ficaria ignorado se no recinto dos representantes da Provincia não tivesse sido por mais de uma vez apontado como um cidadão prestante á quem o paiz deve relevantes serviços." (Almeida Junior, 1862: 20-21).
Esta apresentação do pioneiro igualmente influenciaria João Mendes Junior, em 'Os Indígenas do Brasil', como:
—"Um dos maiores posseiros, talvez o maior posseiro das regiões do Paranapanema, foi o sertanejo José Theodoro de Souza. Em 1862 elle apareceu nesta capital, seguido de alguns indios (...).
Este sertanejo poude pacificamente manter e registrar todas as suas posses, que por muitas transmissões deram origem a grande numero de fazendas actualmente estabelecidas naquelles sertões. Os indios, ate poucos annos antes de sua morte, nunca tiveram lucta nem queixas deste sertanejo, os seus parentes e adherentes, sob pretexto de represalia ao assassinato desse seu irmão (assassinato que não ficou provado ter sido feito pelos indios, por cabôclos, ou mesmo parentes e adherentes), principiram em uma série de vinganças contra os indios." (1912: 66).
Bruno Giovannetti menciona Almeida Junior e Mendes Junior por referenciadores de José Theodoro de Souza, em sua obra 'Esboço Histórico da Alta Sorocabana' (1943: 129).
A proposta do aldeamento, ideal no entendimento do governo, dos políticos e dos organismos indigenistas brasileiros e internacionais, tinha por objeto evitar matança e integrar o índio à sociedade, através da prestação compulsória de serviços gratuitos.
Isto escondia a realidade e todos sabiam. As frentes de ocupações precisavam de mão-de-obra escrava para trabalhar o sertão, e o aldeamento a isto se prestaria, como conjunto de soluções, para se burlar a legislação a respeito da escravização indígena, e os bugreiros e preadores se transformaram em elementos de convencimento ao índio aldear-se, cabendo ao administrador repassá-lo aos interessados em 'colaborar na educação e profissionalização do bárbaro', com isso a evitar extermínios ou guerras desiguais entre índios e fazendeiros, mascarando o escravização nativa, proibida por lei. 
O parecer favorável das autoridades ao Aldeamento Itacorá, em Salto Grande satisfez as necessidades dos fazendeiros apressados em cuidar de suas terras e livrá-las de vez do perigo indígena à solta nas matas, sem problemas com políticos e imprensa. Theodoro guindado ao cargo de Diretor do Aldeamento teve a indignação do Diretor Geral dos Índios, José Machado d'Oliveira:
—"Augmentou-se a minha repulsa à criação do projetado aldeamento, ao constar-me que seria nomeado como diretor um homem que, na primeira entrada que fez no sertão de Botucatu, cometeu contra os selvagens as mais horríveis e nunca vistas atrocidades, massacrando a tudo quanto encontrava, sem distinção de sexo e idade, só para assenhorear das terras do sertão e em seguida vendê-las aos mineiros que começaram a povoar aquelas matas" (ALESP, EE. 64: 22).
O pioneiro abandonaria o Aldeamento pouco depois, quando a certeza da Guerra com o Paraguai, antevendo-se chegada em massa de famílias mineiras fugidas do recrutamento militar. 
Em 1872, diante do expansionismo sertanejo e o crescente interesse por mais terras, Theodoro resolveu avançar posses para além do Ribeirão das Anhumas/Água Boa, e preparava-se para o processo de integração, sendo o primeiro passo a obtenção de documento expedido pela Câmara Municipal de Lençóis Paulista (Livro 1, 1872: 86), comprovante de sua idoneidade e dos relevantes serviços prestados por ele no sertão, à própria custa, como abridor de estradas, fundador de povoados, empregador em suas propriedades, colaborador com a fé católica e pacificador de índios (Apud Chitto, 1972: 23).
João da Silva e Oliveira, em algumas ocasiões 'procurador' de José Theodoro de Souza, antecipara-se, no entanto, tornando 'ilegitimamente' suas as terras pretendidas, e o pioneiro então voltou-se ao Vale do Peixe para lá encontrar como posseiro firmado o genro, Francisco Paula de Moraes. 
Theodoro, duplamente traído, certamente conseguiria seu objetivo, 'de modo legalizado', pois agia sempre sob os olhares coniventes e tolerantes do Estado e da Igreja, e em nada lhe seria difícil dizer-se proprietário de uma área que ninguém sabia onde começava e findava. 
Atualmente compreende-se que a atividade exercida por Theodoro se enquadrava na solução dos conflitos civilizacionais, sensível:
—"(...) às pressões dos proprietários e aos interesses do Estado para proteger as localidades ocupadas por gente civilizada, laboriosa e útil ao país - requisitos efetivamente não preenchidos pelos grupos indígenas na perspectiva do capitalismo - faz com que a presidência da Província oficialize a repressão, mesmo com os proprietários já usando das ações armadas das dadas, comandadas por bugreiros" (Brandão, edição 1989/1990: 2).
De qualquer forma a ocupação sertaneja do centro sudoeste e oeste paulista, com tudo de bom e de ruim, se deve a José Theodoro de Souza.  
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