Os padres ali estavam como fazendeiros, em Guareí e Botucatu, para acudir as exauridas finanças da Ordem, na primeira vintena do Século XVIII, com o não cumprimento dos repasses financeiros por parte do governos.
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Antigo mapa, provavelmente do final do século XVIII, mostrando dados cartográficos entre os anos
1608/1791, nele notadas as fazendas jesuíticas em Guareí - São Miguel e Botucatu - Santo Inácio http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart325602/cart325602.jpg |
Recorte do mapa acima, extraído para as regiões de interesses neste trabalho |
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Mapa de 1719 - primeira assinalação jesuítica na região Botucatu/Guareí http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart513777.htm |
Sem dúvidas era intenção de o governo ocupar terrenos e distribuir sesmarias àqueles dispostos explorar terras e levantar povoados, para melhor infraestrutura quanto ao processo de interiorização. Mas os sesmeiros, donos de outras lucrativas propriedades em lugares mais civilizados, raramente eram povoadores, antes dividam as posses distantes para repassá-las com bons lucros aos fazendeiros que faziam de pronto instalar os arranchados para algum futuro povoamento, entretanto apenas indivíduos se propunham aos enfrentamentos dos perigos do sertão, as famílias não vinham.
Nos idos de 1700 a Companhia Jesuítica no Brasil enfrentava dificuldades financeiras, a necessitar urgente fonte de rendas para sanar problemas do Colégio de São Paulo, principal centro formador jesuítico do Brasil e gerenciador de recursos para manutenção da Ordem.
O Padre Tenente Estanislau de Campos Bicudo, Reitor da Ordem no Brasil, recorreu aos parentes possuidores de sesmarias inexploradas adiante de Tatuí, para instalação de fazenda de gado e agricultura para sustentação, vendas de produtos e exportações de excedentes.
Em 1713 o célebre bandeirante e rico sesmeiro, Antonio Pires dos Campos concedeu uma de suas sesmaria, em Guareí, à Ordem dos Jesuítas no Brasil, cujo Reitor era o seu parente, Padre Tenente Estanislau de Campos. Não há documentos conhecidos que possam atestar o repasse dessa sesmaria aos padres inacianos.
Mais comumente aceito, e aí se inicia a história, no mesmo ano de 1713, quando o "Padre Estanislau convenceu seu irmão José de Campos [Bicudo], morador na Vila de Nossa Senhora da Candelária de Itu a doar uns terrenos situados junto ao Rio Guayary (Guarehy), nas terras do município que hoje tem o mesmo nome." (Figueiroa, Revista da História de Botucatu, 2009: nº 6), também sem documentações conhecidas, mas a propriedade, efetivamente jesuítica, situava-se entre as margens direitas do Guareí e do Paranapanema até o Morro do Ubatuabaré (Avaré), de onde para o norte às encostas do Morro do Hybyticatú.
—A origem e significado de Guayary, de cujo aportuguesamento fonêmico a corruptela Guarey, atual Guareí, parece incerta:-O guareiense entende Guareí oriundo do tupi 'Guara-y', ou seja, 'Rio do Guará' (lobo brasileiro). Certa ou errada, é a versão oficial em Guareí;-Theodoro Sampaio aponta o original, também tupi, 'Guari-y', como o 'Rio dos Macacos' (Prefeitura Municipal de Guarey, http://www.guarei.sp.gov.br).—
—O autores SatoPrado entendem 'Guayr'y', do tupi, com fonema Guajará-y, onde 'Guajara = homens pintados e Y = rio', 'assim, rio dos homens pintados – ou que se pintam'.—
—1º) "José e Campos Bicudo, Villa de Itú. Tres léguas de terra de comprido e uma de largo nos campos que se acham juntos a um rio chamado Guajaré ... (L. 1 fls 32-v)"; 2º) "José de Campos Bicudo, morador em Itú. Tres leguas de terra de comprido e uma de largo começando a sua demarcação algumas braças abaixo da passagem do rio Guajary ... (Repertório das Sesmarias, L. 16 fls. 18)".—
11.3. Tempos da mineração e os descuidos com a Fazenda São Miguel
11.4. A proibição dos padres na mineração e mais sesmarias para novas fazendas
11.5. As fazendas Santo Inácio e Sobrado na Serra Botucatu
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Fazenda Jesuítica em Botucatu, mapa elaborado em meados do Século XVIII Biblioteca Nacional, RJ, apud Dr. Toledo Piza* |
O Colégio [Jesuítico] de São Paulo obteve, por outorga, pelo menos uma sesmaria conforme documento de 21 de agosto de 1719, pelo Capitão-Mor e Governador Sesmeiro, loco-tenente da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, Antonio Caetano Pinto Coelho, por sua Majestade, cujo ato:
—"(...) concedeu ao Colégio dos Padres Jesuítas de São Paulo, uma sesmaria de três léguas de terras." —
—"Situava-se nos campos de Botucatu, adiante de Guareí (...), no Paranapanema." (Di Creddo - Maria do Carmo Sampaio, Terras e Índios, publicação Arte e Ciência, 2003: 51).—
Mais adiante, em 1759/1760, quando os jesuítas expulsos do Brasil e seus bens confiscados, verificou-se:
"Alem destas terras doadas nos campos de Ibutucatu pessuhião os mesmos Padres outras que lhe forão concedidas por cismarias; porem em hûas e outras não davam rendimento algum de que haja noticia e sô Sim que a poucos annos que estes Padres fizerão nestas terras curraes de gado, e consta que fazendo se nellas suquestro aos nove dias do mez de Janeiro de mil sete centos e sessenta se acharão trese escravos e quatrocentas e quatorze rezes, e assim mais quarenta e trez animaes cavallares, cujo gado declarou o Padre que administra a dita Fazenda que este gado pertencia a quatro partes hûa do Collegio, outra das Santas Virgens, outra de S. Jozé, e outra do Santo Cristo e que pelas marcas se averiguarião: Por informaçõens que elle Dezembargador tomou desta fazenda ou campos do Ibutucatu adiante de S. Paulo des ou doze dias de viagem a respeito do seo augmento achou haver mayor multidão do gado no tempo prezente."
Também partes que se diziam da Fazenda Botucatu pertenciam à família Campos Bicudo e não à Ordem dos Inacianos.
11.6. Os objetivos das fazendas jesuíticas
—"Quanto à sede, local dos currais e dos ranchos moradia, a tradição e a toponímia situam-nas junto ao Rio Santo Inácio, numa fazenda ainda chamada Boa Vista, nome com que, depois do confisco pombalino, foi levada a hasta pública a propriedade dos jesuítas." (Donato, 1985: 40).—
Conclusões complementares indicam que os padres jesuítas se colocaram nos lugares, não apenas onde transitavam demandadores do sertão, mas, também, o contrabando de muares vindos das estâncias jesuíticas argentinas de Córdoba, então relacionados pela mesma Ordem, cientes da importância desses animais nos garimpos mineiros, ou seja, da experiência espanhola junto às minas de Potosi.
11.6.1. Administração
dos padres sobre as propriedades
Excludente a habilidade dos padres em tratar com os
gentios aldeados em suas terras, as demais causas em Botucatu estavam voltadas
para o lucro empresarial, através da mineração, da criação do gado e das
tropas, ou esta associação, da mesma forma que a comercialização dos excedentes
agrícolas. Os jesuítas, diplomatas e excelentes comerciantes, ali, jamais foram
bons missionários.
Para mover lucros e obter os excedentes era preciso
trabalhar a terra organizadamente, em qualidade e quantidade, o que exigiria
contingentes para mão de obra, consequentemente, mais moradias e povoados
próximos às grandes lavouras e invernadas, com isso o incremento comercial para
as populações internas, exigentes de produtos básicos e novidades de consumo.
Os possíveis arraiais jesuíticos, alguns deles
estrategicamente pelos caminhos das minas ou rotas dos bandeirantes, foram
fundados pelo espírito ambicioso e empreendedor dos padres, com "a
esperança de que as fazendas seriam de boa ajuda... por estarem localizadas no
caminho das minas e, portanto, serem de venda fácil os seus produtos"
(Donato, 1985: 39).
Ao longo de suas terras os padres promoveram a
policultura com grandes plantações de milho, feijão, mandioca, batata-doce,
banana, cana-de-açúcar, arroz e algodão, além das criações comerciais de
cavalos, bois, cabras, porcos e galinhas, cujos excedentes eram postos a vendas
e trocas, tanto nos povoamentos [cidades e povoados] estabelecidos fora da
fazenda, quanto em seus próprios assentamentos.
Não localizado nenhum registro, conhecido dos
autores, quanto ao estabelecimento dos povoados jesuíticos na Fazenda Botucatu,
parecendo certo que estas aglomerações existiram, como causa para toda a
movimentação econômica inaciana e dos trabalhadores envolvidos em atividades
localizadas, como os vaqueiros, roceiros, carreiros, mineradores,
alambiqueiros, pescadores, feitores e capatazes, além dos moradores de povoado
ou urbanos, a exemplos dos ferramenteiros, marceneiros, oleiros, construtores e
artesãos.
Censo oficial na época não ultrapassava os
quarteirões de Itapetininga, onde lançados numericamente os arranchados mais
adiante. Sem se afastar do principal catequético, são inegáveis que as
explorações comerciais da propriedade e rendimentos auferidos, tornaram prósperos
os padres, tanto pela administração e trabalho de suas gentes, quanto pelas
inter-relações com povoações mais antigas e firmadas como centros e rotas
comerciais.
Pode-se então dizer que o sistema econômico jesuítico
em Botucatu repousava sobre bases capitalistas, isto é, visando lucros, porque
os padres tinham o dinheiro, podiam trazer os implementos, possuíam a terra
para ser explorada e empregavam mão de obra, com quem se relacionava também
comercialmente, pois que eram dos padres os armazéns que ofereciam os produtos
básicos para o consumo de seus empregados.
A economia da fazenda, voltada à criação de gado e produção de gêneros necessários para o
abastecimento das diversas instituições da Ordem, principalmente o Colégio
Jesuítico de São Paulo, tornou-se eficaz para a seleção de excedentes postos a
vendas para as expedições que faziam uso dos caminhos jesuíticos, e em pouco
tempo já exportavam mantimentos e cargas vivas.
Os inacianos sabiam que a região entre os rios
Paranapanema e Tietê, a partir das divisas do Guareí até as barrancas do
Paraná, desde o século anterior [XVII] vinha sendo palmilhada pelos caçadores
de índios e buscadores de tesouros, parte por caminhos fluviais e parte por
terra, em especial para conduzir indígenas aprisionados e evitar as corredeiras
e saltos. O uso de animais de cargas para transporte de mercadorias aliviava
ombros escravos, e podiam ser feitos em maior quantidade, com mais rapidez, de
Paranan-Itu a Botucatu, treze dias, e mais oito de Botucatu a Sorocaba.
Livres de quaisquer embaraços os padres mantinham
controles das principais rotas rumo aos sertões, podendo oferecer pousadas,
currais e entrepostos de vendas de gado e produtos derivados como a carne,
embutidos e laticínios, do extrativismo da terra, dos excedentes agrícolas e
subprodutos como doces e conservas.
Sem dúvidas a Fazenda Botucatu espelhou sua
administração agropastoril e de mineração, em outros empreendimentos remotos
dos padres, das casas, colégios e aldeamentos que "apresentavam certos
traços comuns, o que não poderia ser diferente, uma vez que os jesuítas
deveriam trabalhar sempre de maneira uniforme com vistas à universalização de
seus resultados" (Bortoloti, 2003: 3).
Os padres em Botucatu colocaram-se numa zona
preferencialmente indígena, os índios gostavam da 'Cuesta', pois ela lhes dava
segurança aparente, mas isto tudo lhes foi tomado e os padres impeliram-nos
para o exercício de trabalhos em troca dos necessários para subsistência,
cientes seus dominadores que aos índios não interessavam fugir de seus
protetores e empregadores, sob pena de caírem em mãos de preadores e levados
para locais distantes de suas origens, quando não dizimados.
De uma forma ou outra o jesuitismo tratou-se de
cultura invasora destrutiva aos valores nativos, tornando-os à mercê dos
contingentes humanos brancos, que chegavam para ocupar suas terras,
obrigando-os a uma convivência forçada ou expulsando-os para mais distantes,
onde certamente se defrontariam com outros inimigos ou viriam se sentir
indefesos.
Nos anos 1750 a Fazenda
Jesuítica Botucatu mostrava-se devidamente integrada aos principais centros
habitacionais, São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Itu e Porto Feliz, além do
comércio exterior, pois que a prosperidade sem dúvidas atrairia fluxo humano
para a região e a cobiça do governo.
11.6.2. Trabalhadores livres e escravos nas
fazendas dos padres
No princípio os padres intentaram Guareí e Botucatu
por única e grande propriedade, para criação de gado e atividade agrícola.
No entanto, a anterioridade da primeira fazenda e o
seu fracasso gerencial não lhe permitiu as inovações aplicadas na segunda
propriedade, como as formas de administração e investimentos incorporados à
força do trabalho, tornando a 'Fazenda IbytuKatu' [Botucatu] muito mais
próspera e de superior importância regional, tanto que se tem a história da
povoação do sertão oeste paulista, apenas a partir da sua instalação em
1721/1722, desde as divisas com a Fazenda Guareí, entre os rios Tietê e
Paranapanema, oficialmente até o alto da serra.
A despeito das distinções entre as fazendas Guareí e
Botucatu, são tidas por alguns autores como propriedade única a partir de 1722.
A família Campos Bicudo doou [transferiu], ainda, uma sesmaria na região de
'Tatu-uv' [Tatuí] aos Padres Carmelitas, de Itu, denominada Fazenda Paiol.
Lendas ou realidade, pouco ou nada se sabe a respeito
de arranchamentos brancos, negros e indígenas em terras da Fazenda Jesuítica
Botucatu, entre 1719 a 1759. Autores creditados apontam menos de quatro dezenas
de trabalhadores na imensa propriedade, contando escravos e livres, número que
evidentemente não justificam necessidades mais que um ou dois povoados.
Donato (1985: 41), firmado nos levantamentos
históricos promovidos pelos estudiosos jesuítas, Serafim Leite e Monsenhor
Aluísio de Almeida, aponta treze escravos no total de contingente humano na
Fazenda Botucatu.
Todavia, um latifúndio entre o Tietê e o
Paranapanema, a partir de Guareí para o alto da Serra, quase impossível crer
que a fazenda não possuísse diversos abrigos próximos aos serviços, para os
seus arranchados, roceiros e vaqueiros, inclusive manutenção de povoações, como
lugares de pouso, entre as jornadas de aproximadamente trinta quilômetros nos
caminhos para o sertão.
Afora a fixação de brancos os padres mantinham ou deveriam
manter pelo menos um aldeamento indígena na propriedade, para garantia de
civilizacional proposta, além de exigência de governo nas formações de bairros
e aldeamentos, tanto quanto a obrigação em explorar as terras, ou seja, o
respeito às condições primárias para qualquer sesmaria.
11.7. As sedes das
fazendas como locais de ajustes e 'rotas do contrabando'
Nunca suficientemente esclarecido se os padres
inacianos participaram efetivamente do contrabando, mas era através deles que
se conseguiam muares da criação dos padres da mesma Ordem, em Argentina. Seja
como for, a Fazenda Jesuítica Botucatu estava na 'Rota do Contrabando' e
por ela andava o bandeirante candongueiro Bartholomeu Paes de Abreu, parente do
Padre Reitor da Ordem Inaciana no Brasil.
Homem de visão, em 1718 ou 1720 Paes de Abreu
solicitara à coroa portuguesa autorização de se abrir uma estrada desde o sul
até Sorocaba, e desta seguir os destinos oficiais às Minas Gerais e Rio de
Janeiro, pelo Vale Paraíba, na condução de tropas e gados.
A estrada proposta seria, em parte, calcada sobre
trilhas da Peabiru de Santa Catarina e a ligação desta a partir de Ponta Grossa
[PR] com a Peabiru São Vicente em Sorocaba [SP]. Não obteve a autorização
desejada, mesmo dispondo-se arcar com as despesas em troca do direito de
explorar o uso delas, através de taxas, pousos e pedágios.
O rei português teria fortes motivos para vetar as
pretensões do bandeirante, primeiro porque tais autorizações permitiriam,
oficialmente, avanços e domínios de Portugal em terras da Espanha, embora
sabidamente fazendeiros e sesmeiros, brasileiros ou reinóis, já explorassem
quase a totalidade das terras do sul, ainda oficialmente espanholas.
Por razões outras, também, a estrada de Sorocaba ao sul da Colônia feria os interesses monopolistas dos comerciantes que exploravam transportes de gados e tropas através dos portos. Às pretensões de Paes de Abreu não lhe deram o devido empenho os capitães-generais chefes do governo paulista, Pedro de Almeida Portugal (1717/1721) e Rodrigues Cesar de Menezes (1721/1727).
—Descartado o Paes de Abreu, o capitão-general chefe do governo de São Paulo, Antonio Silva Caldeira Pimentel, em 1727 determinou ao sargento-mor Francisco de Souza e Faria, estudos para abertura do caminho, de localidade paulista melhor conveniente, rumo ao Sul, para transportes de gados e tropas, e o trajeto escolhido recaiu muito próximo ao traçado de Paes de Abreu.
Em 1732, ainda que precariamente, já se transitava entre Viamão e Sorocaba, com necessidades de algumas correções incluindo pontes e desvios. No ano de 1750 inaugurada oficialmente a Feira de Sorocaba, e em 1770/1772 a oficialização da estrada real Sorocaba-Viamão.
Apesar da não permissão exploratória, na realidade apenas a oficialização de trajeto já existente em terras particulares das famílias Taques, Paes de Abreu e aparentadas, usuárias do percurso desde Vacarias, passando por Lages e Campos Gerais até Sorocaba.
A história reconhece que tal parte transitada seria o percurso maior da futura estrada Viamão [RS] a Sorocaba [SP], enquanto outros caminhos atribuídos aos índios guarani, depois usados pelos jesuítas, ligavam Vacarias até Sacramento [hoje território do Uruguai] e daí a Córdoba [Argentina], sendo estes os trechos interligados que formavam a rota do contrabando de tropas muares.
Gentes de Paes de Abreu transportavam muares até
Sorocaba, por entre propriedades da família, com destinações a Minas Gerais e
Rio de Janeiro. A partir de Sorocaba, Paes de Abreu, em represália à Coroa,
evitava as estradas oficiais já existentes e que encareciam seus produtos com
fiscalizações, pedágios e taxas, optando por rotas alternativas sempre através
das propriedades sesmariais da família, de Sorocaba à Fazenda Jesuítica de
Botucatu.
Da Fazenda Botucatu a rota da traficância seguia para
os lados do rio Tietê, onde os portos de Lençóis e Potunduva, e assim
prosseguir do outro lado do rio às Minas Gerais passando por Jaú, São Carlos e
Franca, terras todas sob domínios ou influições da mesma família dos Campos Bicudo,
da qual o Padre Reitor Estanislau de Campos um membro influente.
De igual maneira, foi pelos caminhos da fazenda
jesuítica que o mesmo Paes de Abreu, ainda em 1719, intentara construir e
explorar, a partir de Sorocaba, o terrenho "Caminho pr Goyases" que
"teria como referência o curso do rio Tietê, costeando pelo norte a serra
de Botucatu, aproximando-se daquela dos Agudos." (Donato, 1985: 35), para
prosseguimento até o rio Paraná, entre as barras do Tietê e Feio/Aguapeí,
conforme requerimento do bandeirante ao então governo da Capitania de São
Paulo.
Tal pretensão tornou-se
projeto descontinuado quando já, "a uma distância de 80 léguas de
Sorocaba, [Paes de Abreu] ficou sabendo que o governador da Capitania concedera
a Gabriel Antunes Maciel abertura do mesmo caminho e com direito de explorar as
margens dos rios" (Conde, 1998: 22).
Enquanto reclamava prejuízos e demandava direitos Paes de Abreu apresentou o novo requerimento à Câmara Municipal de São Paulo, em 1721:
—"(...) solicitando autorização para a abertura de um caminho, por terra, ligando o centro da Capitania às minas do Mato Grosso, recém descobertas. (...) O bandeirante, ao declinar o local do início da abertura do que ele mesmo chamou de 'Picadam' diz que seu caminho deveria ser iniciado a partir da ‘ultima povoaçam’, da última vila e, também, a partir do morro do Hibiticatú." (Figueiroa, Revista A História de Botucatu, 2009: nº 4).
Sendo Sorocaba por última vila mencionada, numa época
anterior às fundações de Botucatu, Piracicaba e Itapetininga, ainda hoje se
desconhece qual a última povoação ditada pelo bandeirante, a partir da Serra de
Botucatu; para uns seria a São Bom Jesus do Ribeirão Grande, localidade
extinta, em atual município Pardinho, para outros a extinguida São João de São
Domingos - Tupá, em atual Agudos, ou, talvez, algum bairro rural da fazenda
jesuítica Boa Vista [Botucatu], hipóteses sem sustentação histórica.
Compreende-se Paranan-Itu como a última povoação
citada, por ser o mais remoto lugarejo, conforme relatos históricos da época,
aonde porto e estalagem, o que significava conjunto de ranchos ou lugar de
pouso próximo de um rio navegável, com saída comum para alguma ruela.
Dão provas do alegado que o tal 'Picadam', adiante da Serra de Botucatu, se dirigia a Paranan-Itu ou Quebra Canoas, aonde construído "Ao fundo, à beira do Paranapanema, um rudimentar porto para as canoas que iam e vinham. Nas instalações, uma espécie de estalagem", para dali se chegar "(...) ao rio Paraná onde instalou três roças de milho, feijão, legumes e deixou 250 bois em uma delas" (Figueiroa, Revista A História de Botucatu, 2009: nº 4), a caminho para as minas de Cuiabá.
Mas o bandeirante não teria se contido apenas com o caminho fluvial conquistado e, assim, desde Paranan-Itu, abriu-se uma vereda por terra ao vale do Rio Santo Anastácio, para chegar às margens do Paraná, defronte a barra do Pardo mato-grossense. Consta no relatório oficial do Gentil Moura, Chefe de Turma da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo:
—"Parece que o sertão, na epocha de abertura d'aquella estrada, não estava infestado de indios ou elles viviam em boa amizade com os brancos, tanto assim que a camara, ao pedir a abertura do caminho a que se propunha Bartholomeu Paes, allegava ser melhor que o do projecto Manoel Godinho [de Lara]."—Projetos distintos, ambos a partir da Serra de Botucatu, o de Godinho de Lara rumo ao Goiás, com o Tietê e Feio/Aguapeí por referências, e o de Paes de Abreu, o Pardo e o Paranapanema, para chegar ao Mato Grosso; um e outro em direção ao Rio Paraná em pontos diferentes para travessias.
O trecho pretendido por Paes de Abreu calcava-se na trilheira jesuítica do século XVII e sobre ela se fez a Rota das Bandeiras, em 1721, a Caminho das Minas do Mato Grosso. A história confirma:
—"Quando Pascoal Moreira Cabral descobriu as minas de ouro em Cuiabá, o bandeirante Bartolomeu Paes de Abreu, pai de Pedro Taques, requereu às autoridades a permissão para abrir uma estrada visando encurtar a distância entre São Paulo e Cuiabá, o que antes só era feito por via fluvial." (Conde, 1998: 22).
Paes de Abreu chegou ao rio Paraná em cuja margem paulista instaladas suas roças, o lugar de pastagens e, obviamente, arranchamento [estalagem], como lugar de pouso, com potreiro, e o porto onde seria instalada a balsa de passagem; porém a concessão de abertura e exploração da via terrestre, assim como a fluvial com passagem para a outra margem do Rio Paraná, lhe foram negadas.
11.8. Possíveis
aldeamentos e bairros rurais nas fazendas jesuíticas
11.8.1. Aldeamentos
indígenas e cruzamentos interétnicos
Acerca de qualquer aldeamento indígena, Marilza de
Oliveira informou: "No estabelecimento de normas para os aldeamentos na
lei de 10 de setembro de 1611, figurava que os aldeamentos deveriam ser regidos
por capitães e deveria ter um clérigo português que soubesse a língua"
(Oliveira, 2003: 15).
Trata-se da Carta Régia promulgada por Felipe III, com a recomendação determinista:
—"(...) os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes fazer molestia ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas vontades das capitanias e lugares que lhes forem ordenados, salvo quando elles livremente o quiserem fazer".
As denúncias dos padres acumularam-se quanto às
explorações indevidas dos índios pelos tais Capitães de Aldeias, com poderes de
Juiz Criminal e Civil, além de Fiscal de Trabalhos e Salários Indígenas. A
forte pressão ou poder eclesiástico consolidou-se com a Lei de 21 de dezembro
de 1686, passando todo controle dessa mão-de-obra indígena, ensinamentos e
religião, mais os poderes do executivo e judiciário, para os missionários, em
especial os jesuítas, "vistos como os únicos capazes de lidar com os
indígenas e transformá-los em vassalos do rei" (Amantino, 2008: 2-3).
Para as realizações previstas os jesuítas receberiam
sesmarias do governo ou estas repassadas por particulares, podendo adquirir
outras e fazer posses de vãos entre as propriedades.
Nestes considerandos, prevalecendo a Lei ainda em 1719, a Fazenda Botucatu, igual a qualquer propriedade rural sob responsabilidade religiosa, significava, além do direito ou dever em explorar terras, instalações de núcleos habitacionais destinados aos que trabalhavam dentro dos domínios, livres e escravos, além dos indígenas em aldeamentos sempre juntos aos povoados.
Ações assim demonstravam situação pacífica com os 'naturais da terra' como chamados os índios, e os jesuítas faziam prosperar suas fazendas, conforme Amantino:
—"Os inacianos montaram, desde o século XVI, uma extensa e complexa estrutura de poder econômico e social que começava pela posse das terras e seguia em direção ao controle sobre a mão-de-obra. Argumentando precisar de terras para manter e ampliar o processo de catequização dos índios, obtiveram gigantescas extensões de terras concedidas pelas autoridades coloniais através da doação de sesmarias e ampliadas posteriormente graças às compras e doações de particulares. Todos estes complexos econômicos propiciavam à Ordem jesuítica um grande poder político e econômico que só seria alterado a partir de 1759, momento da expulsão da Ordem da Colônia. Suas fazendas, escravos e bens foram confiscados e, posteriormente, leiloados. A expulsão dos mesmos e o confisco de seus bens definiram mudanças significativas nos rumos da catequese, nas relações de poder e no controle sobre as terras e mão-de-obra. Antes, os jesuítas eram vistos como os únicos capazes de lidar com os indígenas e transformá-los em vassalos do rei. Mas, a partir de uma série de mudanças significativas ao longo do século XVIII e levadas ao limite por Pombal, a situação da ordem em Portugal e em seus domínios alterou-se radicalmente. De aliados, tornaram-se inimigos" (Amantino, 2008: 2-3).
Sob a guarda dos padres jesuítas, os índios deveriam ser livres da preação e da escravidão. No entanto, pelo regime de trabalho de longa duração imposto aos nativos, os padres não tinham por eles somente interesses espirituais ou de proteção, mas sobretudo econômicos, em suas fazendas de gado e de agricultura. Para formar fazendas rentáveis era preciso mão-de-obra abundante e a indígena era a mais disponível aos padres.
Donato quanto à organização física da fazenda dos padres em Botucatu esclarece: "Pela primeira vez na região, por conta e instrução da Companhia de Jesus, erguiam-se os ranchos sem a mera função de abrigo transitório e fixavam-se, para residência e trabalho continuado, entre dez e vinte moradores, índios administrados e seus familiares" (1985: 39).
A Ordem Inaciana também possuía escravos nas Fazendas de Guareí e Botucatu, comprovações de acordo com o relatório Informação Econômicas, cujo teor:
—"O documento manifestava a esperança de que as fazendas seriam de boa ajuda ao Colégio por estarem localizadas 'no caminho das minas’ e, portanto, serem de venda fácil de seus produtos. Outra declaração digna de reparo é a de que se cogitava levar para elas mais trabalhadores, ainda que escravos, pois, diz claramente no Brasil não havia fazendas florescentes sem escravos e aquelas duas não poderiam subsistir sem contarem com tal mão-de-obra" (Apud Donato, 1985: 39-40).
Na Fazenda Jesuítica Botucatu conviveram brancos,
negros e índios, por quatro décadas, além dos contatos também com passantes que
lá se hospedavam, e certamente se relacionaram sexualmente com mulheres negras
e índias, como ocorrências toleradas, cujos filhos gerados, mamelucos e
mulatos, não eram considerados escravos, assim destinados para serviço mais
qualificado que os cafuzos, porque estes eram considerados escravos, porquanto
filhos de escravos negros com semiescravos ou escravos índios.
A lei, no entanto, proibia cópulas entre índios e negros, porque entendidas como artimanhas dos aldeadores para produzirem cativos. Todavia:
—"Por mais que a legislação tenha proibido e as autoridades civis e eclesiásticas tenham denunciado, o fato é que os casamentos interétnicos visando a escravização de índios prosseguiu. Já na segunda metade do século XVIII, era o Bispo do Rio de Janeiro quem denunciava a situação. Em carta dirigida ao rei, Frei Antonio do Desterro afirmava: É certíssimo que as pessoas que administram os índios naquele governo e outros deste Brasil tem excogitado os meios possíveis de lhe tirarem a liberdade para poderem desta sorte ter mais escravos que os sirvam sem custo ou trabalho, e para de todo o conseguirem, procuram que os índios com as pretas suas escravas e os pretos seus escravos com as índias andam distraídos afetando por este motivo uma falsa religião, fazem toda a diligência para que se casem...Os colonos, de acordo com a carta do religioso, usavam de extrema astúcia porque fingiam não saber das 'distrações' entre seus cativos e os índios. Depois, 'descobriam' e alegando questões religiosas e morais, obrigavam o enlace do casal. Com isto, se livravam do impedimento que havia sobre este tipo de casamento. Concluindo, pode-se afirmar que as relações entre índios livres ou não e os escravos negros ocorriam nas fazendas e nos aldeamentos." (Amantino, 2008: 10-11).
A despeito das proibições e recomendações em
contrário, índios e negros coabitavam-se, ninguém ignorava tais práticas, e os
filhos nasciam escravos. A isto se dava o nome de reprodução escrava para
manter o cativeiro ou o plantel e sua a comercialização.
A escravidão indígena e de cafuzos sempre foi negócio
altamente rentável, sem o melindre da consanguinidade branca, tanto que
religiosos mobilizavam esforços para apresamentos de índios para as missões,
onde garantida a presença do negro para cruzamentos, ainda que oficialmente a
captura de índios fosse com finalidade evangelizadora e de catequese, para
evitá-los mortos por fazendeiros ou que fossem apresados por bandeirantes e
entradistas.
Da mesma forma, aos padres responsáveis por
aldeamentos cumpriam, além do papel evangelizador salvacionista, a integração e
utilidade social do índio para o mercado de trabalho, cujos aprendizados de
bons costumes e ofícios agrícolas ocorriam nos aldeamentos, fazendas dos
padres, em troca do pouso, da alimentação e da segurança contra inimigos. Os
particulares interessados em colaborar com a Instituição na educação e
profissionalização dos chamados bárbaros, podiam requisitá-los para o trabalho
obrigacional gratuito temporário; depois renovavam ou trocavam os grupos.
Os fazendeiros, por seu turno, preferiam mais os
índios catequizados que os selvagens, indo buscá-los nos aldeamentos, onde
domesticados e preparados para o servilismo. Desta maneira, os índios aldeados
no século XVIII não tiveram melhor sorte que aqueles do século precedente, com
prevalência da ideia que os reduzidos tinham maiores valores como escravos,
porque eram "iniciados na arte da paz, afeitos ao jugo da autoridade"
(Silva e Pena, História do Brasil, 1967: obra didática). A diferença estava que
no século XVII os bandeirantes invadiam e destruíam os aldeamentos jesuíticos
para apossamento dos índios reduzidos, e agora os jesuítas entenderam ser
melhor entregar o índio já doutrinado aos requisitantes, por um bom preço, do
que a eles se oporem.
Estes são detalhes que podem ser aplicáveis aos
jesuítas de Guareí e Botucatu, onde os padres eram escravagistas e
incentivadores do uso de mão-de-obra escravizada, conforme vista, porém defeso
que apenas incentivassem a amalgamação de raças, com populações de tipos
distintos e variados das três etnias formadoras, porque ainda mantinham o velho
sonho de um estado teocrático, onde estes elementos futuramente poderiam
participar como meeiros, arrendatários, ocupantes autorizados e que futuramente
poderiam ser donos de datas e dirigidos a outras profissões, inclusive aquelas
que requisitam estudos mais avançados, todos falando o 'nheengatu' - de tronco
tupi, já gramatical, ensinada pelos padres como língua oficial de entendimentos
entre os habitantes dos bairros.
Enquanto as pretensões político-religiosas não
concluídas, ademais da criação de gado e promoção agrícola, os jesuítas em
Botucatu catequizaram índios e levantaram povoados, entre aguadas, para fixação
de mão de obra mais próxima do local do trabalho, com isso a garantir, a eles
jesuítas, não apenas o direito de propriedade como a segurança de seus
agregados.
11.8.2. Bairros rurais
não oficialmente reconhecidos
Considerados lendas, alguns bairros rurais teriam
existido na Fazenda Jesuítica Botucatu, primeiro como arranchamentos próximos a
locais de trabalhos, depois, com a expulsão dos jesuítas em 1759, transformados
em bairros residenciais para antigos trabalhadores que ocuparam porções de
terras abandonadas.
11.8.2.1. Pedra Ferro
Local onde encontrada as ruínas de antigas construções, formas de blocos de tamanhos diversos em rochas trabalhadas, com identificação de ruínas de um grande reservatório de água e de outras obras como a igreja e a casa de passagem dos padres. As rochas, inexistentes no local, foram trazidas por índios pacificados de outra localidade, denominada Quebra-Potes.
Dentre as velhas tradições "conta-se
existir na tal Pedra de Ferro uma furna, contendo riscaduras e hieróglifos que,
se reais e decifrados, talvez dessem elucidação a muitos fatos" (São Manuel,
História, 1996: 2). Verdades ou lendas regionais, antigos mêmores diziam
tratar-se de um fojo que teria existido naquele território, cuja abertura se
perdeu nalgum desmoronamento.
Não encontradas, pelos autores, outras
referências a Pedra Ferro senão os restos encontrados, além da toponímia
evidente de sua própria formação geológica.
11.8.2.2. Quebra-Potes
Assim como Pedra Ferro, apenas ruínas
atestavam a existência de Quebra-Potes; atualmente nem isto, e até sua
localização exata se perdeu no tempo, com o desaparecimento dos habitantes mais
velhos da região.
Sabe-se, no entanto, que um pouco adiante
onde foi sua parte residencial, estava o lugar em que foram retiradas as pedras
para construções em Pedra Ferro e edificações no próprio povoado. Nas
conformações rochosas presume-se onde poderia estar ou não o dito povoado.
A história permite entender a presença de
índios pacificados em Quebra Potes, quando a eles se refere, pelo menos no
transporte dos blocos de rochas até Pedra Ferro, "transportados das
imediações da Fazenda Quebra Pote, onde é encontrado idêntico minério, por
silvícolas domesticados, desde que o areão dificultava a utilização de outro
meio de transporte" (São Manuel, História, 1996: 2).
A concluir, não é errada a ilação que
Quebra Potes possuísse, próximo ao povoado, algum aldeamento indígena.
11.8.2.3. Serrito
Em Serrito, outra povoação em terras
jesuíticas, ditas ou agregadas, foram achados "cacos de utensílios
manufaturados com argila e vestígios de ter sido a terra cultivada, confirmadas
as lavouras por restos de engenhos para fabricação de açúcar e aguardente que
os jesuítas forneciam às monções em trânsito pelo rio Tietê, peças históricas
consumidas pelo tempo" (São Manuel, História, 1996: 2).
11.8.2.4. Quilombo
Local tido como bairro rural, abrigara
grupos étnicos africanos protegidos ou a serviço dos padres, ciente que os
jesuítas mantinham escravos negros na Fazenda Botucatu.
Ainda não se pode explicar um arraial
apenas para negros na Fazenda Jesuítica Botucatu, pois a exemplo de outros
quilombos observados, ali "a população não se resumia a negros africanos.
A presença de índios nos quilombos era significativa" (Guillen e Couceiro,
2000: 10), e se sabe que nas fazendas dos padres o negro desde logo se mesclou
com o índio, cujos descendentes [cafuzos] incentivados a uniões com os
mamelucos, [nascidos de brancos com índios], para a formação de 'nova raça com
a força do negro, a liberdade do índio e a capacidade intelectiva [considerada
então superior] do branco'. De Botucatu, dos tempos jesuíticos
"Uma das lendas, passa-se no Bairro do Quilombo" (Apud: Informações Geográficas e
Educacionais), onde os padres teriam enterrado seus tesouros antes de
abandonarem a propriedade em 1759/1760, e o local posteriormente arrasado pelos
buscadores de tesouros.
11.8.2.5. Estreito
O lugar conhecido por Estreito foi mais um dos povoamentos em terras dos padres, com iguais propósitos agropecuários dos demais, depois totalmente pilhado e destruído porque em seu território presumia-se uma grande caverna, em câmeras, que servira de esconderijo para tesouros dos jesuítas: "Essa caverna, segundo consta, teria sido morada dos Padres Jesuítas [local de passagem]. Poderia o tesouro, estar por lá também..." (Apud: Informações Geográficas e Educacionais).
A própria geografia do local estimulou,
inclusive, elaborações de mapas onde estariam os tesouros, alguns vendidos como
originais ainda em pleno final do século XX.
11.8.2.6. Três Pedras
Em Três Pedras existira um aldeamento indígena sob os cuidados dos padres. Certa lenda diz que, durante perseguição reinol, e certeza da expulsão do território nacional, alguns jesuítas encarregados de guardar os tesouros se refugiaram em Três Pedras.
Aqueles padres teriam escondido grande carregamento de ouro, numa caverna, fechando a entrada. Traídos pelos aldeados botocudos acabaram mortos e, com eles, se foi o segredo onde ocultas as riquezas dos jesuítas expulsos, que pretendiam retomar o controle da grande propriedade e reaver os seus pertences.
Buscadores de tesouros arrasaram a
localidade à procura de indícios que os levassem aos esconderijos, ou ao menos
que algum mapa fosse localizado.
Consta que a entrada do esconderijo tenha
sido encontrada por um rapaz da cidade de Conchas, de família humilde:
"que há muitos anos aparecia todo o mês nas Três Pedras, passava lá a
cavar uns dois dias, saía com algumas pedras na mão e depois andava a gastar
como um milionário. Mas o rapaz um dia desapareceu, nunca mais voltou, dele nunca
mais se teve notícia" (Informações Geográficas e Educacionais).
11.8.3. Povoações que
existiram, mas longe dos tempos jesuíticos
Ainda em 2016 duas localidades já extintas
são tradicionalmente citadas como bairros originários dos tempos jesuíticos, admitindo
que os campos de criar da Fazenda Botucatu se estendiam até aquelas
localidades.
Admissíveis, no entanto, que serviram de
passagens e locais de pousos aos religiosos, bandeirantes e tropeiros em
demanda ao sertão; mas ainda não localizados mapas e cartas que possam atestar
tais referências.
Para ambas as localidades alguns autores,
sem comprovações, ainda reivindicam a condição de "ultima povoação, da
ultima vila [Sorocaba], a partir da Serra Botucatu", citada numa carta
documento do bandeirante Paes de Abreu.
11.8.3.1. São Bom
Jesus do Ribeirão Grande
Antiga povoação situada à beira de um caminho,
na encosta da Serra Santo Inácio, rumo ao alto da serra.
Mais correto, São Bom Jesus originalmente
foi lugar de pouso e referência para uma das rotas do contrabando de tropas
trazidas do sul, a partir de 1837/1840, pela passagem pelo Tijuco Preto
- 'Teyquê-pê' - 'Caminho de Entrada', em atual território de Piraju.
As tropas que chegavam ao Bom Jesus, pelo
Tijuco Preto, e aquelas vindas de Itararé, subiam a Serra, chegando à sede da
Fazenda Santo Inácio, depois ao Sobrado, para continuar caminho até o Porto dos
Lençóis, transpor o Tietê e rumar aos lugares além do rio e ao Mato Grosso,
Goiás e Minas Gerais.
São Bom Jesus do Ribeirão Grande, segundo
documentos e com essa denominação, não antecederia o ano de 1868, quando doados
ao patrimônio do orago vinte e cinco alqueires de terras para a instalação de
um povoado (Cartório do 1º Ofício da Comarca de Botucatu), com assentos
eclesiais, por algum tempo lavrados no lugar, somente a partir dos anos de
1890; portanto nenhuma prova documental, conhecida pelos autores, que o lugar
tivesse origem desde os tempos jesuíticos ou carmelitas, mas certamente foi
lugar de pouso e caminhos a seguir utilizado pelos tropeiros no século XIX,
como rota alternativa para o contrabando de alimárias.
Todavia, para o lugar, se apresenta
insistente versão que, ainda antes de 1720, os campos entre a Serra e os rios
Santo Inácio e o Paranapanema, foram conhecidos pelos sorocabanos como bom
lugar de invernadas: "Sua ocupação foi pioneira no povoamento do sertão
paulista no final do século XVII, quando foram doadas as primeiras
sesmarias." (São Bom Jesus do Ribeirão Grande, Nossa História).
Esta variante não se sustenta, pois,
nenhuma sesmaria regional antecede o ano de 1713, mais bem definida a partir de
1721, quando o início das distribuições pelos Capitães-Generais da Capitania de
São Paulo. Antes, as doações aconteciam mais próximas às costas litorâneas,
pelos capitães mores - loco-tenentes dos donatários, posto as limitações
fixadas pelo Tordesilhas.
Por conseguinte, não existe nenhuma
comprovação que São Bom Jesus do Ribeirão Grande fosse a "ultima povoaçam
(...) a partir do morro de Hibiticatu [Ibyticatu]" (Figueiroa, Revista A
História de Botucatu, 2009: nº 4, da citação do bandeirante Bartholomeu Paes de
Abreu para abertura do caminho às Minas do Cuiabá), e, a isto se pode afirmar
que a descrição do intentado picadão de 1722 é a partir do porto e estalagem em
Paran-Itu - Quebra Canoas, no Paranapanema - Salto Grande, e aí, na opinião dos
autores SatoPrado, em Figueiroa, para a última povoação indicada por Paes de
Abreu. A localidade de São Bom Jesus do
Ribeirão Grande, no costão da Serra de Santo Inácio em 1973 teve extinta sua
última memória, a capela, para dar lugar às estruturas da linha de transmissão
da antiga CESP, Companhia Energética de São Paulo. A capela, situada nas proximidades aonde o
Posto Maristela [referência ano 2014], na Rodovia Castelo Branco - SP, seria
construção do início do século XX, sendo original apenas sua escadaria, de
1868/1870.
11.8.3.2. São João de
São Domingos
São João de São Domingos, São Domingos, e,
entre outros nomes, também Tupá, conhecido, ainda em 2018, como São Domingos do
Tupá, lugarejo extinguido, que velhas tradições apontam como antigo retiro da
Fazenda Jesuíta Botucatu [1719/1759], com ranchos para os cuidados de gado
invernado e bem servir os bandeirantes, entradistas, itinerantes e aos
tropeiros.
A dar crédito aos relatos de antanho, lá
se poderia considerar a derradeira povoação da última vila [Sorocaba], a partir
da Serra Botucatu, à qual referiu o bandeirante Bartholomeu Paes de Abreu, em
1721, num documento à Câmara de São Paulo para reivindicar o seu caminho para
as Minas de Cuiabá.
Diziam de tal lugar um bairro rural com
característica urbana, construído pelos padres, com reservatório de águas
colhidas de córrego adjacente, com desvio até ao povoado, por um canal feito em
pedras, num rumorejo constante como leve trovejar, razão do topônimo indígena
Tupá, desde quando São João de São Domingos, por significar 'o que troveja ou
trovejante', associado ao deus cristão pela reverência naturista tupi. Para
os nascidos nos anos 1890, que ouviram as histórias dos mais antigos moradores
do lugar, teriam sido os padres - que eles mesmos não conheceram, os
construtores daquela obra que lembravam os sistemas de abastecimentos de águas
para Pedra Ferro e Sobrado, conhecidos bairros rurais da outrora Fazenda
Jesuítica em Botucatu. O pecuarista Henrique Dyna, ex-cartorário
de distrito, ao dizer da povoação dos anos de 1930, lembrava em funcionamento
aquele canal condutor, todo em pedras, conhecido como 'Água das Pedras'
(Revista D Mais: 10).
A despeito dos anosos relatos e dos
acasos, as tradições são frágeis para remontar ao século XVIII as origens do
lugar.
Historicamente não procede e nem a
propriedade dos padres chegava a tanto, sequer descia a serra.
11.8.4. Bairros que comprovadamente
existiram nas fazendas Guareí e Botucatu
Dentro da Fazenda Jesuítica
existiram, pelo menos dois arraiais, com certeza documental, e muito certamente
um terceiro deles.
11.8.4.1. São Miguel
[Capela Velha] em Guareí
A fazenda [jesuítica] São Miguel,
localizada em Guareí, cuja sede depois conhecida como Capela Velha, situava-se,
em 1940, aproximadamente nove quilômetros da sede do município. No lugar o
casarão dos padres, as casas dos colonos, o aldeamento indígena e a Igreja.
O lugar existiu e ainda presente seu território dentro ou extensão da atual Guareí. Assento eclesial de batismo atesta-a ativa em 1751:
—"Ignacio: Aos vinte e sete de Janeiro de mil sete centos e sincoenta e um annos, baptizey e pus os santos oleosa Ignacio inocente filho de Valerio e sua molher Catharina todos indios dos padres da Companhia de Jesus assistentes em sua fazenda de Guarey, foram padrinhos Antonio de Almeida cazado e Ignez Lima soltera de que fiz este termo, dia, mes, era ut supra. Francisco de Campos." (Sorocaba, Nª Sra. da Ponte, Livro 1750/1751: 11).
Uma lenda predominava, que os padre inacianos,
quando cientes da expulsão do Brasil, resolvera guardar seus tesouros no
cemitério, dois quilômetros distante de Capela Velha, para evitar
expropriações.
Antes da expulsão e confisco dos bens os
padres foram até o cemitério, com um escravo negro transportando o baú com as
riquezas, e a ele ordenado abrir uma sepultura e, em seguida, suicidar-se com
um punhal de ouro e cabo cravejado de pedras preciosas. O pobre serviçal,
convencido e em êxtase com tão linda joia, matou-se, e lá mesmo foi sepultado
com o baú, e os padres em seguida fugiram.
Por volta de 1910 o lavrador João Siqueira,
apelidado Zico, ao capinar um terreno entre Guareí e Itapetininga, topou com
velho buraco de tatu ao pé de uma árvore; curioso viu que buraco havia uma
pequena - tipo baú, e dentro um mapa em pergaminho com inscrições latinas. A
leitura do expediente despertou atenções do tradutor e cópias do original foram
extraídas, com inscrições no idioma português.
Então ocorreu uma invasão de pessoas à procura
dos tesouros nos próprios do antigo cemitério - que nem existia mais, e
terrenos vizinhos, tudo revolvido na ânsia de encontrar os tesouros. Para lá
acorreram pessoas simples, sábios, ocultistas e até pesquisadores de solos com
sofisticados aparelhos.
Não se tem conhecimento que alguém tenha localizado o tesouro; se encontrado, guardou para si.
—(Fonte: M'Boy - Cássio, 'Tesouro de Guareí', Gazeta de São Paulo, edição de 20/04/1963).
11.8.4.2. Sobrado - em
atual São Manuel
Os padres ao deixarem a zona de mineração,
nas confluências dos rios Tietê com o Piracicaba, se transferiram para novo
endereço ao qual dado o nome de Sobrado, em causa do prédio central levantado,
assobradado, que servia de moradia aos religiosos e hospedaria aos
bandeirantes, entradistas e caminheiros que por lá faziam estadias e ajustes,
às vezes por períodos prolongados, deixando para trás descendentes
"mamelucos e cafuzos que, cruzando-se geraram a miscigenação comprovada
pelo encontro de diferentes tipos de raças nativas" (São Manuel, História,
1996: 2).
O Sobrado, não tendo fontes naturais e
pela impraticabilidade de se abrir poços mais próximos à superfície, obrigou os
jesuítas trazerem águas através de um complexo sistema de captação e canalizações
desde as minas da serra, numa demonstração de conhecimentos em obras
hidráulicas, cujas ruínas, pelos relatos de autores regionais, até bem pouco
podiam ser vistas. Tal obra hidrodinâmica aplicada e vista noutras antigas
localidades da região, tem servido ao menos para identificar possíveis
influências dos padres nas suas origens, pelos exemplos similares de tecnologia
aparentemente exclusiva dos padres jesuítas no Brasil.
Localizado em ponto de passagem quase
obrigatória àqueles que ousavam os caminhos dos sertões em busca de riquezas,
preações indígenas, ou andanças tropeiras, Sobrado fez-se próspero entreposto
agropecuário e estabelecimento de compra, troca e venda de ouro e pedras
preciosas.
Também bastante forte o trânsito comercial de
muares. As tropas vindas da Argentina eram conduzidas para as regiões
mineradoras, Minas Gerais, Goiás e depois Mato Grosso, que por ali faziam rota
do contrabando sob anuência e lucros dos padres.
Com a expulsão dos jesuítas dos domínios
de Portugal, em 1759, os padres abandonaram suas riquezas e todo o rebanho em
terras próximo a Sobrado, animais logo dispersos para reproduzirem-se em estado
semisselvagem, dentro da imensidão dos campos e até além-divisas.
Nas primeiras décadas do século XIX,
Sobrado ainda servia de pouso e de estadia aos passantes, e numa das expedições
lá chegou o cozinheiro italiano Giacomo Capanema, que se enamorou da filha de
um chefe indígena do local, e com ela se casou pelas leis cristãs, em 1822,
através do padre acompanhante de uma das bandeiras por lá hospedadas. Conta-se
que Giacomo Capanema, após anos residindo em Sobrado, deixou o lugar com a
família para se fazer próspero dono de albergaria em Santos, ao lado de sua
mulher (São Manuel, op.cit. pg. 3).
Ruínas de Sobrado foram perceptíveis por décadas, com alguns vestígios ainda vistos nos anos 1990, além do nome Sobrado até os dias atuais [2016] para a fazenda local.
Moradores de Sobrado eram contados para a 'Fazenda de Vytycatu dos Padres da Companhia' ou 'que foram da Fazenda dos Padres'.
11.8.4.3. Santo
Ignácio - em Botucatu
O capitão Antonio Antunes Maciel e sua
mulher Josepha Paes, residentes em Itu de Nossa Senhora da Candelária,
alcançaram do Governador Antonio Albuquerque uma sesmaria de légua e meia de
testada por três de fundos, na Serra Botucatu, por eles doada ao Colégio
Jesuíta de São Paulo para formar capela [povoação] e retirar das terras o
usufruto para a Ordem (Documentos Interessantes para a História e Costumes de
São Paulo, Volume 44: 372, Arquivo do Estado de São Paulo - escritura
registrada em Sorocaba, aos 10 de dezembro de 1719, pelo Tabelião de Notas José
Francisco de Aguiar).
À fazenda deu-se o nome Boa Vista, cuja
sede conhecida por Santo Inácio próxima ao Ribeirão de Santo Inácio, bairro rural
com características urbanas, com sede administrativa, capela, cemitério, largo
com residências ao derredor para os administrados, estalagem e empório
comercial. Comumente dá-se ao lugar o nome Capela Santo Inácio. A
dita povoação foi ponto de pouso para bandeirantes, entradistas e tropeiros num
entroncamento de caminhos, a encontrar-se com aquela vereda que, ao ladear a
serra, passava por Sobrado rumo às margens do Tietê - Porto de Lençóis, além do
trecho prosseguinte ao rio Paranapanema, abaixo da Paranan-Itu, como partes dos
mesmos trajetos postulados por Bartholomeu Paes de Abreu, para se chegar às
barrancas do Paraná, em pontos distintos, conhecidos, o primeiro por 'Caminho
pr Goyases', com o Tietê por referência, e outro denominado 'Caminho para as Minas
de Cuiabá' estando por apontador o Paranapanema.
A localidade, por alguns [discutíveis]
levantamentos, seria a mesma conhecida pelo topônimo Ribeirão da Cachoeira,
subsistente à expulsão dos jesuítas do Brasil e o confisco de seus bens.
11.9. Expulsão dos
jesuítas e confiscos dos bens
As relações dos Ordem Jesuítica com o Estado se
deterioraram a partir de 1750, pelo apoio à resistência dos índios missioneiros
em se transferir para terras da coroa espanhola, pelos termos do Tratado de
Madri que definiu limites das posses das terras ocupadas por Portugal e
Espanha.
Para o Ministro Marquês de Pombal, os jesuítas
estariam se negando abandonar o complexo missioneiro Sete Povos das Missões, ao
oeste do Rio Grande do Sul, insuflando os guaranis à resistência, e assim
continuar com o controle sobre aquela confederação de estados teocráticos,
formados pelas Missões espalhadas pelo Brasil, Paraguai e Argentina, não dando
satisfações ao poder secular.
Historicamente são postas diferentes versões para o episódio
da expulsão dos jesuítas das terras do Brasil, exemplo que a Instituição
Jesuítica se tornara demais poderosa, em condições de rapidamente se armar e
fazer insurgir as gentes, que viviam sob sua tutela, contra a coroa, com apoio
de estados estrangeiros, para assim conquistar a independência de Portugal e se
transformar num estado teocrático.
Para o governo português e setores anti-jesuíticos da
Igreja, que certamente se beneficiariam com o desfecho do episódio, os
inacianos haviam criado estrutura econômica independente, que lhes permitiam
posição mais crítica em relação ao sistema reinol.
Outra alegação dizia que
as propriedades jesuíticas eram prósperas e ricas, onde os padres viviam
nababescamente em detrimento aos demais moradores de bairros distantes e índios
aldeados, que se encontravam na miséria e na servidão, para sustentação
opulenta dos padres.
Exageros ou não, Pombal ab-rogou todo o poder
temporal exercido pelos jesuítas em terras do Brasil, certamente para esconder
os fracassos de Portugal quanto à execução do Tratado de Limites da Colônia do
Sacramento, a culpar os jesuítas e contra eles desencadear desqualificações,
até censurá-los por pregação religiosa, que o grande terremoto de Lisboa (1755)
fora castigo divino, propondo penitência ao povo e ao governo.
Certas argumentações apontam os jesuítas acoitadores
de foras da lei, de qualquer nacionalidade, em seus domínios no Brasil ou no
exterior, usando-os por braço armado da Ordem, assassinadores por encomendas ou
mandos, inclusive recaindo-lhes acusações de engendrar atentado contra o rei
português Dom José I, crime considerado de alta traição.
A lei [de 1750] que retirava dos jesuítas a
administração das aldeias e dava libertação aos índios, somente para o
Maranhão, fez-se extensiva a todo Brasil por Alvará de 8 de maio de 1758,
portanto quase um ano antes do Decreto Real de 1759, o que bem evidencia
relações estremecidas já existentes entre os inacianos e as autoridades
portuguesas. Reconhecidamente tal medida foi desastrosa para os nativos.
Contudo foi oficialmente por desafiar e pôr em risco
o poder do português, que os jesuítas acabaram expulsos de todo império, por
determinação do rei José I, com data de 20 de abril de 1759, por inspiração de
Pombal o qual, para bom exercício e cumprimento do Decreto Real, com pulso
forte sequestrou todos os bens da Ordem, fechou-lhes os colégios e as missões,
prendendo e expulsando a maioria dos padres, antes de decorridos os cinco meses
concedidos para deixar o reino e colônias, não sem antes determinar arrasamento
dos Sete Povos das Missões.
Ao todo foram expulsos 670 padres jesuítas, os
principais metidos antes em prisões e postos incomunicáveis, privados de
defesa, todos eles condenados e embarcados para Lisboa, onde alguns dos líderes
mantidos encarcerados, enquanto outros transladados para os Estados Pontifícios
de Roma (Jesuítas no Brasil, 2008: 2).
Após a expulsão dos jesuítas em 1759, todos os bens
da Ordem: fazendas, colégio e aldeias passaram para custódia da Coroa, cujo
capital serviu para sanar grande parte dos prejuízos de Lisboa. O maior dano
causado foi no campo educacional, com a ruptura de um bem implantado sistema de
ensino aos moldes europeu, cuja ruptura transformou num caos a educação no
Brasil, por gerações e gerações, com tantas reformas frustradas até 1934,
quando criada a primeira universidade em São Paulo.
Os padres tiveram seus bens oficiais confiscados em Botucatu e, por extensão, Guareí:
—"Alem destas terras doadas nos campos de Ibutucatu pessuhião os mesmos Padres outras que lhe forão concedidas por cismarias; porem em hûas e outras não davam rendimento algum de que haja noticia e sô Sim que a poucos annos que estes Padres fizerão nestas terras curraes de gado, e consta que fazendo se nellas suquestro aos nove dias do mez de Janeiro de mil sete centos e sessenta se acharão trese escravos e quatrocentas e quatorze rezes, e assim mais quarenta e trez animaes cavallares, cujo gado declarou o Padre que administra a dita Fazenda que este gado pertencia a quatro partes hûa do Collegio, outra das Santas Virgens, outra de S. Jozé, e outra do Santo Cristo e que pelas marcas se averiguarião: Por informaçõens que elle Dezembargador tomou desta fazenda ou campos do Ibutucatu adiante de S. Paulo des ou doze dias de viagem a respeito do seo augmento achou haver mayor multidão do gado no tempo prezente." (AESP, Documentos interessantes para a história e costumes de S. Paulo, Volume 44, 1915: 374; também, vide História e Lendas do Cubatão - Jesuítas: Os bens confiscados da Companhia de Jesus).
O sequestro da propriedade dos padres em Botucatu e o
confisco dos seus bens ocorreram aos 9 de janeiro de 1760, levados ao leilão
público em 23 de dezembro de 1776, constando da relação pronunciada pelos
executores a Fazenda Boa Vista de Botucatu, com todos seus pertences, sendo
arrematantes os citados, capitão Paulino Aires de Aguirre e o sargento-mor
Joaquim da Silva e Castro, cuja transação consta nos Autos de Arrematação, Maço
400, folhas 2 Arquivo Nacional - Rio de Janeiro (Donato, 1985: 42).
As autoridades, aparentemente, não conseguiram
catalogar adequadamente a fazenda dos padres, durante seis anos pós-confisco,
nem seus arrematantes alcançaram posse de imediato, somente vindo fazê-la
depois de 1770, com expulsão dos habitantes de alguns bairros, traduzida numa
limpeza étnica e social maior que a desocupação territorial, pois que se
tratavam, em maior parte, de pobres ocupantes miscigenados.
Os moradores em bairros jesuíticos resistiram aos
novos proprietários, não podemos pensar diferente e que tudo foi pacífico,
sendo certo que muitos dos moradores da outrora fazenda jesuítica
embrenharam-se nas matarias, isolados ou em arranchamentos temporários, os
negros novamente arredios e organizando-se em quilombos regionais e os índios
perigosos atacantes.
A região tornou-se conflituosa, situação comprovada pelo abandono das fazendas e sesmarias vizinhas.
