domingo, 20 de dezembro de 2009

- Jacob Antonio Molitor - o faz de tudo no sertão

1. Histórico familiar desde o patriarca Molitor no Brasil
Em Santa Cruz do Rio Pardo lavravam-se falsas escrituras de
compras e vendas de terras no 'Cartório do Molitor' 
Referências e documentos históricos informam a chegada de alemães para o Exército Imperial Brasileiro, como mercenários - Corpo de Tropas Estrangeiras, contratados por D. Pedro I após a declaração de Independência (1822).
O prussiano 'Antonius Molitor' (28/02/1808-27/04/1883), partindo do porto alemão de Bremen chegou ao Brasil em 1828, para incorporar-se ao Exército Imperial (Famílias Brasileiras de Origem Germânica, Vol. VIII - Molitor).
—O sobrenome Molitor, conforme escrito, consta de igual maneira nos registros de sua entrada no Brasil, talvez aportuguesamento fonêmico ou divergência da exata grafia.
Antonius, casou-se no Brasil - Santo Amaro (SP) aos 03 de março de 1832, com Francisca Maria de Jesus Moraes (1828/1840). 
O prussiano, enviuvado contraiu matrimônio com sua amante de origem alemã, Marianna Antonia (1819/1854), aos 07 de fevereiro de 1853, em Tatuí (SP), gerando filhos antes do matrimônio. 
Outra vez viúvo e novo casamento, aos 03 de fevereiro de 1855, com Catharina Luiza Stockler Dietrich (1835/1908).

2. Jacob Antonio Molitor - o filho que fez nome no sertão
Molitor, conforme ficou conhecido, nasceu em Tatuí - SP, aos 21 de junho de 1845 (Batismo: 28/06/1845), filho do alemão [prussiano] Antonius Molitor com a amásia Marianna Antonia - de origem alemã.
—Jacob teve sete irmãos e irmãs legítimos, e outros sete por parte de pai. Sua mãe com o pai aos 07 de fevereiro de 1853 quando este viúvo de Francisca de Jesus Moraes; com a morte da mãe, o pai contraiu novo matrimônio, com Catharina Stoclder Dietrich, também de origem alemã. O pai faleceu em 1883, na cidade de Tatuí, aos 84 anos de idade.
Jacob teve sua primeira referência conhecida no sertão centro sudoeste e oeste paulista aos 30 de setembro de 1872, na localidade de São Domingos, no batizado da filha Margarida que houvera com a solteira Manuela (SCR. Pardo, Livro de Batismos, 1856/1884). 
Aos 04 de setembro de 1875 Jacob Molitor iniciava atividades cartoriais, em Santa Cruz do Rio Pardo, como Escrivão do Juízo de Paz e Notas – 1º Tabelião de Notas, Livro 1 - (Termo de abertura e folhas rubricadas pelo Presidente da Câmara de Lençóis Paulista, João de Palma [Carneiro] Giraldes, aos 09 de agosto de 1875).
A instalação do tabelionato dava a Santa Cruz notoriedade, como lugar de ajustes entre os sertanejos nas suas transações - compras, trocas e vendas de terras, e outros registros, conferindo-lhes a eficácia de ato jurídico prevalente contra terceiros.

3. Cartorário e forjador de escrituras 
Jacob Antonio Molitor, cartorário, conhecido forjador de escrituras no sertão, um homem quase sem medos, prestigioso e temido, que não se firmava numa amizade em nome dos próprios interesses.

3.1. Relato sertanejo exemplificador
Conta-se do diálogo entre um advogado e seu cliente, diante das dúvidas quanto à autenticidade de uma escritura de compra e venda de terras, na qual constava assinatura a rogo do vendedor, já falecido anos antes, mas que bem sabia ler e escrever o suficiente para dispensar qualquer outro a assinar por ele algum documento
—"(...).
– Más novas, meu caro, foi-lhe dizendo... [o advogado ao cliente]. (...). Pedi a exibição do documento original. E você não pode calcular como essa gente fez as coisas de modo hábil. O papel usado é do tempo. Cor azul clara, sem pauta, igualzinho ao de trinta anos atrás. Examinei as estampilhas, cuidadosamente. Têm a efígie do Imperador D. Pedro II, ainda moço! Bem, isso tudo ainda podia ser. Alguém poderia ter guardado esse material, mas, o que mais me impressionou foi a existência do talão de sisa da época. A fórmula é verdadeira, com as armas imperiais e indica o exercício financeiro exato. E nas fórmulas estão aplicadas as estampilhas...É inacreditável. Como advogado posso dizer que é obra-prima de reconstituição de documento...
– E os papéis têm aparência de velhos?
– Bem, meu caro, isso é o de menos, mas realmente são antigos. Deviam estar guardados com alguém. Se não estivesse o problema seria facilmente resolvido, pois bastaria deixá-los no fumeiro, por algum tempo. A fumaça se encarregaria de envelhecê-los.
– Não sei o que dizer, nem sugerir.
– Estamos diante de hábil falsificação e é impossível que não seja a única. Isto me faz pensar na existência de um grupo muito bem organizado para praticar essas falcatruas. Sempre ouvi falar na ação de falsificadores de escrituras de compra e venda, mas nunca imaginei tanta perfeição... Precisamos agir! Mas com prudência, para conseguirmos provas concretas.
– Você não desconfia de alguém?
– Bem, o cabeça disso é, com certeza, pessoa que entende dos cartórios (...)."
- (Marins – Francisco, 'Clarão na Serra', 1973: 237-238 - trecho extraído).

3.2. Molitor e as falsificações de escrituras
Já em 1876 atribuía-se a Molitor a especialidade em forjar e legitimar falsas escrituras de compras e vendas de terras, atividade progressiva até formar quadrilha com as colaborações de Manoel Joaquim Bueno, Cartorário e Agente Fiscal em São Domingos, depois transferido para São José do Rio Novo; José Manoel de Almeida, Tabelião Público do Judicial e Notas e Escrivão do Cível e Crime, em Santa Cruz do Rio Pardo; e Luiz Domiciano Rosa ou Domiciano Luiz Rosa, Agente Público em São José do Rio Novo e depois Santa Cruz do Rio Pardo. 
A grilagem mais famosa, documentada em Santa Cruz, foi a do Pontal do Paranapanema ainda em demanda judicial, pelas mãos de Jacob Antonio Molitor, porém mais de uma centena de outros falsos títulos aconteceram no lugar, amiúde desde o último quartel do século XIX à primeira vintena dos anos de 1900, tanto de fazendeiros locais quanto aqueles que apenas usaram os serviços públicos santacruzenses, para feituras e acertos de expedientes ilegais, destacados os acertos do Peixe e do Feio/Aguapeí.
Pela especialidade apresentada, garantia dos documentos e importante relacionamento com autoridades diversas da Província e do Império, Molitor tornou-se aliado dos grandes proprietários e por eles protegido e disputado, e até conquistou patente de Capitão da Guarda Nacional.
Membro do Partido Conservador, em sua residência, aos 04 de junho de 1880, aconteceu a reorganização daquele Partido que saíra fragorosamente derrotado nas eleições municipais de 1876, e então se preparava para nova disputa com os liberais em julho de 1880.
Molitor, assim como os demais conservadores locais, era liderado pelo Deputado Provincial Coronel Emygdio José da Piedade, tendo por adversário comum o Coronel Francisco Dias Baptista. 
—Molitor traiu e foi traído por companheiros, porém, jamais, ele ou qualquer adversário ou inimigo feito trouxeram o assunto à baila, mesmo nos momentos mais tensos entre eles; todos temiam perder nomes, bens e prestígios, com possibilidade de condenação judicial e cadeia, e então mantinham o pacto do silêncio. 
Molitor foi o maior nome nos grilos do sertão, função que o tornou prestigioso e temido até o fim.

4. Primeiro Suplente de Delegado e o seu envolvimento político
Em 1882 Jacob Molitor era o 1º Suplente de Delegado em Santa Cruz, exercente do cargo como auxiliar do titular Eugenio de Oliveira Chrispim, e ambos efetuaram importante prisão:
"[Do] fascinora Modesto Pedro Claro, que muito se distinguiu neste termo, especialmente no barbaro assassinato do infeliz Pedro Fortunato, pelo que se acha pronunciado e tem de responder ao jury neste mesmo termo. Foragido de Cabo Verde, sua terra natal, onde é pronunciado em crime de ferimentos graves, havia-se homisiado neste termo, onde, não obstante ser por demais conhecido, exerceu o officio de official de justiça, sendo ate votado, pelos liberaes seus correligionarios para vereador da camara municipal!"(Correio Paulistano, 08/08/1882: 3).
Modesto Claro era membro do Partido Liberal e protegido do Capitão e Deputado Provincial, por Botucatu, Tito Correa de Mello. O Governo de São Paulo era liberal e Tito o seu representante 'carta branca' regional.
Em decorrência do episódio, o Delegado Oliveira Chrispim foi transferido, de pronto, enquanto Molitor exonerado, e para o seu lugar nomeado Lucio Dias Baptista, conforme Ato Oficial do Governo Provincial, publicado no Correio Paulistano, de 02 de agosto de 1882. 
Magoado, talvez esperando alguma reação do Deputado Emygdio ou cumprimento de promessa eleitora, dois anos depois Molitor desentendeu-se com o Deputado, rompendo vínculos políticos e relações pessoais. 

5. Delegado de Polícia, Inspetor Literário, um cidadão agressivo e prevaricador
Molitor então se filiou no Partido Liberal, para ser atendido em seus interesses pessoais. Por publicação de 07 de fevereiro de 1884 "Foi nomeado o cidadão Jacob Antonio Molitor para o logar vago de delegado de policia da villa de Santa Cruz do Rio Pardo"(Correio Paulistano, 07/02/1884: 2). Pouco depois Molitor também seria nomeado Inspetor Literário (Correio Paulistano, 02/04/1884: 2).
Assumiu o cargo de Delegado de Polícia, mostrando-se agressivo e prevaricador contra a população, segundo denúncias, impondo constrangimentos a cidadãos conceituados. 

6. Sem temor - as investidas contra a poderosa família Piedade 
Em 19 de abril de 1884 deu voz de prisão a dois filhos do Deputado Emygdio, defronte a residência deste, ação depois retirada a pedido de cidadãos e políticos presentes no local. Molitor teria, na oportunidade, destratado publicamente o Deputado e aqueles que o defendiam.
A autoridade ou posição do Deputado Emygdio José da Piedade não meteu medos a Jacob Molitor, que abriu inquérito policial denunciando-o de roubar novilha de um fazendeiro e, mais grave, que Emygdio, através dos filhos, teria facilitado fuga de presos da cadeia. Afora o andamento processual na Delegacia, Molitor revelava em jornais da capital o envolvimento do Deputado Emygdio em negociatas partidárias.
Emygdio sentiu os golpes e destacou o filho Augusto para revidar, acusar e desqualificar o Delegado Molitor; Augusto o denunciou perante a Chefatura de Polícia e o Governo. 
Surpreendido Molitor requereu exoneração dos cargos que detinha, de Delegado e Inspetor Literário, e o Governo da Província nomeou outro Delegado, o Alferes Hypolito da Graça Martins, por Ato de 06 de maio de 1884, e também nomearia Arlindo Crescêncio Piedade como Inspetor Literário (RG, U 1137, 1884/1885: 10).

7. Politicamente prestigiado pelo capitão Tito Correa de Mello 
Mas o Governo recuou, tornou sem efeito as nomeações e manteve Molitor em ambos os cargos, inicialmente por noventa dias para defender-se das acusações. O prazo, no entanto, seria estendido até o desfecho processual, sem nenhuma pressa do Governo.
Fortalecido, Molitor continuou rápido o jogo rasteiro, mas foi denunciado pela Câmara Municipal ao Governo da Província, através de Ofício de 1º de agosto de 1884, narrando fatos que dito delegado e o soldado ou cabo, João Mariano, cometeram práticas de atos hostis contra o Presidente do Legislativo, Vereador Luiz Antonio Rodrigues, contra o Secretário da Câmara, Augusto César da Piedade, e contra o Professor Godofredo Piedade, barrados todos grosseiramente quando em visitas às obras do prédio da Delegacia. 
O Governo atendeu a reclamação apenas em parte, nomeando Sebastião Soares de Lima por Comandante da Polícia local, porém Molitor mantido no cargo. 
A nomeação de Sebastião Soares Lima para o comando militar em Santa Cruz do Rio Pardo, tecnicamente anulou a força de Molitor que perdeu a voz de ordem sobre os policiais. Um abalo no prestígio de Delegado, e disto beneficiaram-se os conservadores, tanto que Augusto cessou suas denúncias pessoais ou em nome da família. 
Nas eleições de 1884, para a Câmara dos Deputados, o Coronel e Deputado Provincial Emygdio José da Piedade comunicou o Comando da Polícia em Santa Cruz, que fora ameaçado de morte e haveria fraudes nas eleições, por parte dos liberais. Seria um estratagema para atrair a atenção policial sobre o pessoal do Capitão Tito Correa de Mello e de Molitor, que apoiavam Laurindo Abelardo de Brito, contrário aos interesses de Emygdio na localidade, e isto daria liberdade para os conservadores agirem e ganharem as eleições no reduto. 
O Comandante Soares de Lima agiu rápido e evitou problemas em Santa Cruz, ou seja, colocara-se sob as ordens do adversário. Mas em São Pedro do Turvo ocorreram tumultos e danos eleitorais provocados por capangas do Capitão Tito.
—As ações de Soares Lima, pró-conservadores, não passariam incólumes, e as reações liberais não tardariam. O comandante do destacamento, foi exonerado do cargo e, em seu lugar nomeado João Antonio Molitor, irmão de Jacob Antonio Molitor, evidenciando prestigiado o delegado e a força regional do deputado botucatuense liberal, Capitão Tito Corrêa de Mello.
Era o que menos desejava o Partido Conservador, e as ondas de denúncias e calúnias recomeçaram. As novas denúncias calaram fundo. Augusto, pela família Piedade, sofreu testemunhado atentado, e mudou-se para São Paulo, para continuar sua tática de ataques ao Delegado Molitor, causando repercussão.

8. Exonerado de cargo público, porém ainda importante nome
Em setembro de 1885, o Vice-Presidente da Província - em exercício do cargo de Presidente, atendeu a proposta do seu Chefe de Policia, Ofício nº 150 de 10 de setembro de 1885, e exonerou, entre outras autoridades da província, Jacob Antonio Molitor e, depois, seu irmão João Antonio Molitor. 
Santa Cruz fez festa e a banda podre da polícia foi revelada. Molitor e seu irmão cumpriam ordens do Capitão Tito Correa de Mello e facilitaram fugas de presos de alta periculosidade, jagunços do capitão e até um preso removido da penitenciária de São Paulo para Santa Cruz. 
Para a família Piedade a exoneração de Jacob Antonio Molitor foi alívio, mas o estrago político estava feito, e o patriarca Emygdio precisaria, doravante, contar com votos de outras localidades para eleger-se deputado.
Jacob Molitor voltaria ocupar cargos públicos, de Delegado por exemplo, e até refez amizade com Arlindo Crescêncio Piedade  filho do Deputado Emygdio J da Piedade , por quem foi chamado de amigo.

9. Molitor confrontou-se com o 'coronel Tonico Lista' e foi o seu fim
Em 1904 Jacob Molitor metera-se com o Coronel Antonio Evangelista da Silva  o famigerado Tonico Lista, e o advogado e político Olympio Rodrigues Pimentel, apostando na política de Francisco de Paula de Abreu Sodré  eleições municipais. Molitor foi cercado por sessenta capangas de Lista e Pimentel e assassinado em Salto Grande, aos 31 de outubro de 1904 quando usurpava a ata eleitoral do lugar, a mando de Abreu Sodré e Dr. Antonio José da Costa Junior. Seu cadáver foi removido do cemitério de Salto Grande, passou por legista e foi sepultado em Santa Cruz do Rio Pardo, aos 16 de novembro de 1904, após ato religioso.
O inquérito policial provou envolvimento direto de dezessete tocaieiros, sendo o Manoel Custódio, parente do jagunço João Custódio, intermediário entre os mandantes, Tonico Lista/Pimentel e os executores do crime, constatados entre outros, o próprio Custódio, o Possidonio Gonçalves Machado Filho - vulgo Machadinho, e o chefe do bando, José Costa, capanga do advogado Pimentel, que atirava e mandava atirar no emboscado, sendo os tiros fatais disparados por Joaquim Bicudo e Estevão Martins da Silveira (Correio Paulistano, 03/12/1904: 2). 
Possidonio Gonçalves Machado Filho, Alferes da Guarda Nacional, assecla do coronel Tonico Lista, viria ser um dos protagonistas no assassinato do coronel Emygdio José da Piedade Filho, em 1908.
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