1. Razões e libertações dos negros escravizados
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Transporte de negros escravizados para o interior - desenho de
Johann Moritz Rugendas
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No Vale Paranapanema, a partir do 'Pardo santa-cruzense' e excluídas peculiaridades locais, a escravidão negra existiu à mesma maneira ignominiosa que em outros lugares. Theodoro, quando preparava sua fixação em São Pedro do Turvo, pessoalmente fazia-se acompanhar por bugreiros, familiares e cinco escravos negros (Leoni, 1979: 341). Os primeiros adquiridores de terras ou posseiros primitivos mais abastados, também apresentaram-se com seus escravos.
Praticamente todos os autores regionais evitaram o assunto escravidão na dominação sertaneja e a seguir, como se ela não houvesse existido. Até quando as citações tornam-se inevitáveis, são elas revestidas de branduras, os desbravadores eram bons, piedosos e protetores.
Os primeiros informes de escravos negros na região são dados superficialmente por autores regionais, como se fossem meros integrantes das comitivas pioneiras, especialmente para Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo, Campos Novos e Conceição de Monte Alegre, à mesma maneira que em Santa Bárbara do Rio Pardo, Cerqueira César e Avaré.
Apenas em Lençóis Paulista se ousou amplo estudo sobre a escravidão negra com Edson Fernandes, 'Família escrava numa boca do sertão - Lençóes 1860-1888' (Fernandes, Revista de História Regional 8 (1): 9-30, Verão 2003).
Donato descreve o tempo da escravidão em Botucatu, onde funcionava o mercado escravagista, e inclusive descreve a presença de escravos negros norte-americanos acompanhantes de seus proprietários sulistas que, na Guerra da Secessão, buscaram asilo no Brasil (1985: 119).
Donato, por seu turno, descreve a escravidão em Botucatu, onde o
mercado escravagista, e diz dos escravos negros norte-americanos acompanhantes
de seus proprietários sulistas que, na Guerra da Secessão, buscaram asilo no
Brasil (1985: 119), escolhendo Botucatu por morada.
Entende-se a ausência de informações porque ainda são
muitos os descendentes dos pioneiros, quase sempre famílias tradicionais que
desfrutam prestígios e, de certa forma, controladores dos poderes político e
econômico; mas a escravidão negra, ao lado da indígena, foi cruel realidade no
Vale Paranapanema, tanta que algumas enfocações merecem destaques, na tentativa
de elucidar fatos ainda obscuros, e por ter sido pelo trabalho escravo, a força
e a inteligência como fatores essenciais a uma sociedade em formação, contextos
quais obviamente não se pode excluir o branco.
Alguns anos depois da conquista sertaneja já são
mencionados os planteis no clã dos Andrades, pioneiros no Turvo e Pardo, e de
outros grandes proprietários. O fazendeiro santa-cruzense Joaquim Manoel de
Andrade, católico praticante, mantinha enorme plantel de escravos, à mesma
maneira que Francisco Ignácio Borges, o pioneiro religioso presbiteriano no
lugar, que impunha batismos de suas peças no catolicismo.
—Os escravos eram batizados na Igreja Católica, "como ato de precaução e confirmação de posse do senhor, tendo em vista que estes assentos poderiam servir como prova de propriedade até mesmo em processos judiciais" (Lacerda Delfino, 2009: 92-93), a tratar-se de documento de fé pública.
O padre e fazendeiro João Domingos Figueira, capelão
e depois o primeiro vigário de Santa Cruz do Rio Pardo, era senhor de trinta
escravos (Jornal da Tarde, 17/12/1878: 2) e são diversos assentos de batizados
dos filhos de seus escravizados (Assentos Eclesiais, Capela Santa Cruz do Rio
Pardo, 1856 a 1879), nascidos livres ou não.
O vigário de São Domingos, padre Andrea Barra, em
1862 adquiriu de José Botelho de Souza, pela quantia de '500$000' a escrava
crioula Roza, idade de três anos (Registro Civil das Pessoas Naturais e
Tabelionato de Notas - São Domingos, em arquivos no município de Estância
Turística Águas de Santa Bárbara, Livro de escrituras nº 1, fls. 72-v a 73,
gentileza de Luiz Botelho, CD: A/A).
Muitos cidadãos ricos, religiosos e prestantes, eram escravizadores,
e a favor dos cativos, portanto, não se podia esperar ações da sociedade e nem
das Igrejas representadas, católica e presbiteriana.
Curiosamente um dos maiores nomes escravistas no Vale
Paranapanema foi Antonio Joaquim Melchior de Camargo, negro alforriado, que
chegou à região de Conceição de Monte Alegre, na mesma época que as
tradicionais famílias Alvim, Paiva, Vieira, Nantes, Vencio, Medeiros, Costa,
Ferreira e Figueiredo, todas escravagistas.
Nenhum autor regional revelado naquelas bandas, à
exceção de Leoni Ferreira, cita o fazendeiro Melchior de Camargo como negro
alforriado e possuidor de muitos escravos, homem bastante rico e doador de
terras para o patrimônio de Nossa Senhora do Patrocínio, atual Maracaí (Leoni,
1979: 4-5) e formações de alguns bairros rurais.
Os negros tinham seus nomes e numerações lavrados em
Botucatu, São Domingos, Lençóis Paulista, Santa Cruz do Pardo e, depois, em
Campos Novos Paulista. Registros entre os anos de 1873 a 1880 revelavam aumento
considerável da população negra em proporção à branca, pela entrada em massa de
famílias abastadas e escravagistas: "A população escrava aumentava. Não
sabemos o quanto montou o número de escravos, mas os registros revelam a sua
progressão." (Donato, 1985: 119), quando então praticamente cessados os
registros de entradas de escravos no Vale Paranapanema.
Suspeita-se, no entanto, de omissão de registros,
pois as taxações sobre transações de escravos negros, em leilões públicos, eram
caras e, além disso, dado registro obrigatório, o proprietário tinha que pagar
imposto anual sobre o plantel e ajustes de valorizações das peças.
O negro escravizado era de alto valor no mercado
paulista, poucos podiam tê-los e, ainda assim, entre os anos de 1873 e 1878 o
número de escravos correspondia a 12,80% da população (Almanack [da] Província
de São Paulo, edição de 1873, Universal Dicionário de Geografia, Lisboa - Pt,
1878, apud Donato, 1985: 118),
fenômeno demográfico significativo, ainda que abaixo do Nordeste.
A escravidão foi uma realidade que se tentou esconder
oficialmente, ou minimizar a prática no Vale do Paranapanema, e o mercado de
negociações situava-se em Botucatu, a sede do sertão, onde entravam e saiam as
peças, como denominados os escravos, para comercializações com diversas regiões
do Brasil, com destaques para Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do
Norte.
Em Santa Cruz do Rio Pardo e São Pedro do Turvo a
população escrava correspondia em média de 5,5% do total de moradores brancos,
de acordo com Censo de 1872 e outros documentos citados em Registros de
Governo.
Para todo o centro sudoeste e oeste paulista, em
1874, o índice populacional de escravo negro chegava aos 6,6% da população
branca, para mais ou para menos, a depender do local e avanço exploratório,
quando o café ainda não era o forte econômico.
Assunto discutível,
considerando que assentos eclesiais revelam números maiores de negros escravos,
quando a entrada em vigor a 'lei do ventre livre', contraditando os dados
oficiais censitários do governo.
Entende-se que número de escravos fosse maior na
região, pelos contrabandos, mesmo que oficialmente prevaleça o motivo da
cessação de entradas no território paulista por ausência de interessados, ou
que os fazendeiros estivessem mais interessados no uso da mão de obra indígena,
que bem supria os escravos negros e a menores custos.
Bem verdade que, desde 28 de setembro de 1871, pela
Lei Imperial nº 2.040, chamada 'lei do ventre livre', a escravatura negra
estava com os dias contados, ao declarar "de condição livre os filhos de
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da
Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos
menores e sobre a libertação anual de escravos".
Seria apenas questão de
tempo, ainda uma longa agonia, mas o fim estava decretado. A lei também fazia
cessar práticas hediondas, que consistiam em obrigar mulheres negras manterem
relações sexuais com negros especialmente escolhidos como reprodutores, para
gerar escravos fortes.
1.1. Do 'Fundo de
Emancipação da Mão de Obra Escrava'
A Lei 2.040, entretanto, não tratou apenas do 'ventre
livre' e os cuidados do governo com os nascidos livres de escravizados, conforme
os artigos de números 1º e 2º, mas também sobre o Fundo de Emancipação da Mão
de Obra Escrava que podia trazer a libertação antecipada do escravo, de acordo
com o artigo 3º:
—"Art. 3º: Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.§ 1º: O fundo da emancipação compõe-se:-1º: Da taxa de escravos-2º: Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos. 3º: Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem concedidas d’ora em diante para correrem na capital do Império.4º: Das multas impostas em virtude desta lei.5º: Das quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais.6º: De subscrições, doações e legados com esse destino.§ 2º: As quotas marcadas nos orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas à emancipação nas províncias, comarcas, municípios e freguesias designadas.(...)".
Embasado neste artigo o Governo Imperial criava o
'Fundo de Emancipação da Mão de Obra Escrava', aplicada e acrescida de valores
pelos governos das províncias, cabendo ao município a adesão ou não. As
aderências foram significativas, senão total mesmo que gradativa, temendo-se a
abolição da escravatura a qualquer momento, com prejuízo maior. Cada município
responsabilizou-se pelos planos para libertações de todos escravos
matriculados, gradativamente, mediante reembolso aos senhores escravagistas, em
cotas anuais.
De acordo com o Relatório de Governo da Província de
São Paulo (RG, U 1113, 1882/1883: 24 e 26), o município de Santa Cruz do Rio
Pardo, tomado como exemplo, fez sua adesão ao Fundo, em 1878, com projeto de
libertação de 236 (duzentos e trinta e seis) escravos matriculados, mediante o
reembolso aos senhores escravagistas, através do município, em cotas
anuais.
Apesar do recebimento da '4ª cota do Fundo de
Emancipação', em 1882 Santa Cruz não registrara, ainda, a libertação de nenhum
escravo, sob a justificativa oficial quanto a aplicação apenas da primeira cota
recebida e que as demais seriam lançadas conjuntamente, ao final, e repassadas
aos donos dos plantéis, por ocasião das libertações, pois que eram baixos
valores do fundo para as distribuições ano a ano (RG, U 1113, 1882/1883:
24-26). Não obstante o argumento, o número de escravos matriculados elevou-se
de 236 para 253 (RG, 1027, 1882/1883: Mapa S/N entre páginas 62-65).
Em 1886, mesmo com recebimento financeiro para
emancipação da mão de obra escrava, o município santa-cruzense teve declarado
apenas 1 (um) escravo livre (RG, BN 1031, 1886/1887: 37-43), aparentemente
beneficiário pela Lei dos Sexagenários, mantido explorado gratuitamente em
troca de estadia, alimentação e vestuário.
Considerando recebimentos de recursos financeiros do
Império e da Província para libertação de escravos, e não o tendo feito,
anunciou-se para Santa Cruz do Rio Pardo vistoria de governo, por junta
nomeada, para verificação e classificação de escravos efetivamente matriculados
no município.
Os fazendeiros teimavam que o ressarcimento pela
libertação de um escravo não seria compensador para o proprietário
individualizado, pois escravo negro custava caro.
Donato cita algumas transações ocorridas no Mercado
Nacional de Botucatu: "João por dois contos de réis, Joana por um conto e
200, Elizário por quatrocentos, Maria por 700. (...). 'A crioula Carolina, cor
fula, de oito para dez anos de idade, que ouve por arrematação que fez em hasta
pública nesta Vila', ao preço de 500 mil réis" (1985: 119).
Junqueira informou a venda do escravo Marcelino, 17
anos, por "um conto e seiscentos de réis", efetivada em 19 de
setembro de 1882, com escritura lavrada em cartório de Santa Cruz do Rio Pardo,
e imposto recolhido pelo comprador junto à "Collectoria de Lençóes, pelo
qual fica provado haver pago a quantia de quarenta e oito mil reis" (2006:
52, 2ª edição).
O governo brasileiro repassava valor médio por
unidade de escravo. De acordo com o Regulamento de 14 de novembro de 1885, 306 (trezentos e seis) escravos matriculados em Santa Cruz do Rio Pardo seriam libertos pelo valor de
'121:075$000' (RG, 1032, de 1888, 5º Distrito: 19), ou seja, valor médio de
'702$615 para cada liberto', preço razoável quando se sabia iminente
a libertação. Apesar do número de 306 escravos, o efetivo municipal para a sede
era de 236 negros em cativeiro.
Ocorriam outras fraudes. Fazendeiros lançavam
sexagenários como libertos pelo Fundo de Emancipação, a despeito dos direitos
já adquiridos (RG, 1886/1887: 37-43, como exemplo citado).
A libertação de escravos sexagenários nem sempre
ocorria, mais em razão de pedido do próprio beneficiado, que não tinha para
onde ir, pois as próprias entidades envolvidas na libertação da escravatura não
estavam preparadas para albergar velhos libertos, e nem os Quilombos tinham
interesses naqueles considerados improdutivos.
Mais um sistema criminoso detectado consistia o
fazendeiro receber sua cota pelo Fundo de Emancipação e oficializar baixa no
escravo, então declarado livre, no entanto o liberto amarrado num contrato
particular com seu patrão, registrado antes em Cartório.
No ano de 1881, na região do Vale Paranapanema,
aconteceu, então, o fenômeno de se declarar antecipadamente livre os escravos
negros, através de "Contratos de Trabalho em Troca de Liberdade" -
subtítulo utilizado por Donato (1985: 119).
Donato menciona e transcreve algumas libertações
"mediante contratos de trabalho: carta de alforria em troca de compromisso
que mantinha o liberto jungido aos mesmos compromissos de quando escravo. Por
um tempo além daquele certamente previsto para a abolição" (1985:
120-121).
As ações comprometiam o liberto, dali para frente, a
trabalhar gratuitamente para o ex-senhor durante determinado período, fosse a
título de indenização ou alforria, sendo muitos documentos sem datas e
assinaturas, ou nem preenchidos, para uso posterior em caso de necessidade.
Nestas condições os senhores de escravos que em
documento anteciparam abolição da escravatura, na prática retardaram-na. O
fazendeiro lucrava com isto, porque recebia a cota do Fundo de Emancipação e
ainda mantinha preso, por contrato, o escravo liberto por lei.
Segundo Leoni, tal feito tratava-se de estratagema
perverso, posto escrituras lavradas "com datas atrasadas, com poucos dias
de antecedência ao decreto, diferenciando algumas de prazo maior, outras de
menor prazo, mas se vê que tudo era a mesma coisa" (Leoni, 1979: 298-300).
O mesmo Leoni (1979: 365) mencionou a escritura
pública lavrada e registrada em Campos Novos Paulista aos 06 de abril de 1888,
em que o fazendeiro santa-cruzense João Marques da Silva concede liberdade à
escrava Vitória, matriculada na Coletoria de Santa Cruz do Rio Pardo, sob
condição dela prestar-lhe serviço gratuito pelo prazo de um ano, documento qual
Leoni faz juntar fac-símile.
—Para a escrava Vitória, livre por documento oficial de 06 de abril de 1888, a escravatura terminou apenas em abril de 1889.
Em Piraju, por Lei Municipal de 15 de janeiro de 1888
(Observador Online, Piraju, 2007) foram declarados libertos todos os escravos
dentro de sua jurisdição, mediante compensação indenizatória aos ex-senhores,
na forma de prestação de serviço gratuito, caso a caso, com variáveis de um a
cinco anos. Já passada a abolição alguns negros ainda pagavam o preço da sua libertação
antecipada.
Certos contratos consideravam o escravo ter recebido
antes determinado valor pela sua liberdade, ou seja, o período que o patrão lhe
cuidou, seu preço de compra, os gastos com alimentações, vestuários, medicações
e prejuízos causados, morte provocada ou não de algum animal, dias parados por
quaisquer motivos, quebras de equipamentos ou maquinários, entre outras
ocorrências, por isso o serviço gratuito em retribuição.
Quando do vencimento do prazo contratual, se anterior
a Lei Áurea, renovava-se o período sob qualquer pretexto ou exigência patronal.
Quase sempre os escravos falecidos eram declarados
livres e os patrões recebiam a Cota do Fundo de Emancipação, burlas estas
contadas por descendentes de antigos pioneiros e de escravos da época.
Nenhum escravagista no Vale Paranapanema saiu no
prejuízo com a Lei Áurea, nem a escravidão acabou por lá em 13 de maio de 1888.
Apesar das peculiaridades locais, não se pode
pretender que o regime de escravidão negra no Vale Paranapanema tenha sido diferente
das demais regiões, pelo menos, na província de São Paulo.
1.2. Dos Quilombos
Assim, pode-se asseverar que os negros escravos do
Vale Paranapanema também foram protagonistas de diversas rebeliões, fugas e
mesmo formações de quilombos, de onde partiram suas resistências contra a
escravidão, fossem através de assassinatos de preadores e colaboracionistas,
fossem através das promoções de fugas (Marins, 1985: 79-93).
Assunto polêmico, em verdade não se pode ignorar a
presença da Irmandade do Rosário e São Benedito 'dos homens pretos' no Vale do
Paranapanema, porque os escravos trazidos para a região procediam, assim como
seus senhores, do sul mineiro, onde historicamente eram ativas as congregações
de forros e cativos. "No Sul de Minas, haviam muitas irmandades (...),
como por exemplo, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário" (Padre Hiansen,
2003: 101).
Na localidade de Santa Cruz do Rio Pardo a Irmandade
do Rosário esteve presente, inclusive com uma praça destinada aos negros, mas sem
nenhum registro que tenha alforriado escravos.
Onde atual município de Paraguaçu Paulista existiu o
Quilombo do Patrimônio das Antas, fundado por escravos antes da Lei Áurea.
Diziam os antigos que o Patrimônio das Antas já existia quando da chegada dos
primeiros desbravadores brancos entre 1870 / 1878, com os quais tiveram uma
convivência mais ou menos pacífica, desde que por lá não se abrigassem negros
fugidos das fazendas locais. Naquele Quilombo contavam negros das regiões do
Rio Novo [Avaré] e do Pardo, entre outras localidades.
Chrysostomo Giannasi (2003: 170-171) confirma o
Patrimônio das Antas: "fundado antes da Lei Áurea". Referido autor
demonstra certo e compreensível receio em ferir pundonores dos descendentes de
famílias escravagistas e então menciona fundação quilombola "por
ex-escravos alforriados e, após essa lei, tinha crescido consideravelmente, com
adesão de muitas famílias de libertos".
—Em 2007 ainda residia uma família descendente quilombola no Patrimônio
das Antas, tão somente uma velha casa. A antepassada escrava, segundo
informações colhidas, tinha matrícula em Santa Cruz do Rio Pardo.
Hércule Florence menciona um Quilombo às margens do
rio Paranapanema, umas léguas acima da sua desembocadura no Paraná, citação
semelhante a outro Quilombo nas proximidades do rio Tietê - lugar hoje chamado
Quilombo (Hardman e Kury, apud
Scielo, 2004: 65).
Numa observação lógica os negros, uma vez libertos,
não se sujeitariam mais trabalhar para aqueles que tanto afligiram suas vidas,
também porque sabiam o caos econômico que causariam em ex-patrões agora
obrigados a pagar serviços ou mear lucros. Muitos se decepcionaram, pois, a mão
de obra indígena supriu-lhes as faltas, especialmente no Vale Paranapanema,
enquanto em outras localidades a presença dos imigrantes tomou-lhes os
serviços.
Escravos libertos em idade adulta produtiva buscaram
centros maiores e foram povoar arredores, sujeitando-se aos subempregos,
enfrentando concorrência dos jovens negros nascidos livres, filhos de mães
escravas, que não traziam no corpo as marcas do cativeiro, e tinham melhores
aceitações no mercado de trabalho, muitos sabendo ler e escrever.
Outros negros, tão logo libertos e liberados de seus
compromissos, procuraram por Quilombos ou Associações e Irmandades, para o
trabalho comunitário ou por conta própria. Decepcionaram-se pelo excesso de
contingente e muitos nem foram aceitos, com alguns relatos de libertos
trabalhando para ex-escravos, em condições, às vezes, subumanas.
Em algumas fazendas os libertados permaneceram trabalhadores
da terra - mão-de-obra remunerada no próprio local onde foram escravos. Existem
citações de libertos que não se adaptaram à vida fora do cativeiro, e
retornaram para os antigos serviços, em regime de semiescravidão.
A abolição representou para os negros e mestiços
cativos ato redentor de juridicidade governamental, mas não sua emancipação
civil, política e econômica, nem lhes assegurou trabalho, mantendo-os
segregados sociais, dependentes de subempregos, incapazes de algum movimento
que os tornasse competidores com a mão de obra dos imigrantes europeus e
asiáticos.
1.3. A
marginalização dos libertos e os bolsões da miséria
De maneira geral, desconhecendo as regras e o preço
exigido para a liberdade, os negros que se fizeram urbanos foram repelidos para
as periferias, formando os primeiros bolsões de miséria.
Os idealistas, sem dúvidas, pensaram fácil a abolição
da escravatura, não contando que os negros não sabiam outra vida de trabalho
que não a servidão imposta e forte, por isso quando livres todos se tornaram
indolentes e trabalhadores ineficientes, entregando-se rápidos a uma vida
dissoluta e de fanfarrices, porque era assim que entendiam a vida livre que
seus antepassados não tiveram e de repente lhes foi ofertada.
O fim da escravidão negra fez cessar a base do modelo
agrícola até então utilizado e fundeado na produção escravista o que garantia o
barateamento do custo com mão-de-obra.
A libertação dos escravos no Vale Paranapanema, como
um todo, não confirmou o clima de pessimismo nem caos econômico, bastante
diferente de outras regiões onde, mesmo aguardada, a abolição gerou crise na
produção agrícola e promoveu a disputa de localidades para a importação de
mão-de-obra, especialmente a italiana.
No Vale Paranapanema o denominado período de
transição entre a mão-de-obra escrava negra com a livre, de 1888 até os
primeiros anos do século XX, valeu-se dos contratos de libertação antecipada e
a mão-de-obra indígena em substituição aos negros libertos.
Outro importante detalhe, enquanto algumas regiões
buscavam o 'branqueamento da raça' no Vale Paranapanema não aconteceu isto,
optando os fazendeiros em contratar o negro já seu conhecido e muito mais
camarada que os politizados 'anarquistas' italianos e suas querelas
trabalhistas.
2. Acerca dos
escravos mulatos
Nas zonas de mineração, em Minas Gerais, considerando
a reduzida população de mulheres brancas, tomavam-se as negras por barregãs ou
feitas prostitutas provocando grande número de nascidos mulatos, ou mais
propriamente nos dias atuais, pessoas pardas.
Isto também aconteceu no sertão, ainda que em menor
número, mas os sertanejos enquanto indivíduos no amanhamento do sertão,
sexualmente valiam-se das índias.
Alguns mulatos eram alforriados, geralmente quando
filhos de padres e de autoridades que tinham escrúpulos em saber escravos seus
próprios filhos. Grupos mais restritos de nascidos de mães escravas com pais
brancos, até eram educados - os chamados 'mulatos bacharéis', alguns famosos,
mas a maioria era destinada a ser escrava, porque a mãe grávida quase sempre
retornava ao cativeiro ou era negociada com os viageiros de regiões distantes.
Santa Cruz não tem registro oficial conhecido de
escravos mulatos ou assim especificados, mas o não reconhecimento paterno de um
filho com uma escrava era o mesmo que condenar a criança ao cativeiro.
O italiano Padre Paulo de Mayo, Vigário de Campos
Novos [Paulista], teve uma amante escrava, a Florinda, adquirida ainda em Minas
Gerais, alforriando-a e com ela teve filhos mantidos sob sua guarda. como
tutor, não os tornou escravos e fez deles seus herdeiros, além de alfabetização
no lar, segundo tradições de família e documentos resgatados (SatoPrado, Razias
- Padre Paulo de Maio (...), 2006).
3. Sobre os cafuzos
escravizados
A lei proibia casamentos interétnicos negros e
índios, e não teve revogação em 1755, quando o Marquês de Pombal consentiu no
casamento do homem branco com a mulher índia, mas não com as negras, e a
proibição de sexo entre negros e índios permaneceu inalterada.
Nos anos de 1700 a legislação, escrupulosa porque de
forte inspiração moral religiosa, proibia cópulas entre índios e negros, porque
entendidas como artimanhas dos aldeadores para produzirem cativos.
Na prática isto era lei morta:
—"Por mais que a legislação tenha proibido e as autoridades civis e eclesiásticas tenham denunciado, o fato é que os casamentos interétnicos visando a escravização de índios prosseguiu. Já na segunda metade do século XVIII, era o Bispo do Rio de Janeiro quem denunciava a situação. Em carta dirigida ao rei, Frei Antonio do Desterro afirmava: 'É certíssimo que as pessoas que administram os índios naquele governo e outros deste Brasil tem excogitado os meios possíveis de lhe tirarem a liberdade para poderem desta sorte ter mais escravos que os sirvam sem custo ou trabalho, e para de todo o conseguirem, procuram que os índios com as pretas suas escravas e os pretos seus escravos com as índias andam distraídos afetando por este motivo uma falsa religião, fazem toda a diligência para que se casem...'."Os colonos, de acordo com a carta do religioso, usavam de extrema astúcia porque fingiam não saber das 'distrações' entre seus cativos e os índios. Depois, 'descobriam' e alegando questões religiosas e morais, obrigavam o enlace do casal. Com isto, se livravam do impedimento que havia sobre este tipo de casamento. Concluindo, pode-se afirmar que as relações entre índios livres ou não e os escravos negros ocorriam nas fazendas e nos Aldeamentos." (Amantino, 2008: 10 e 11).
A despeito das proibições e recomendações em
contrário, índios e negros coabitavam-se, ninguém ignorava estes
acontecimentos, e os filhos nasciam escravos. A isto se dava o nome de
reprodução escrava para manter o cativeiro e a comercialização.
A escravidão de cafuzos sempre foi negócio altamente
rentável, sem o melindre da consanguinidade branca, tanto que fazendeiros e
responsáveis pelos aldeamentos, ainda no século XIX mobilizavam esforços para
apresamentos indígenas onde garantida a presença do negro, para cruzamentos, ainda
que oficialmente a captura de índios fosse com finalidade evangelizadora e de
catequese, para assim evitá-los mortos pelos fazendeiros ou que fossem
apresados.
Se proibida a reprodução interétnica negra /
indígena, então a criança era retirada do lugar e encaminhada às fazendas
interessadas, com ou sem a mãe.
A 'Lei do Ventre livre' não atingia os cafuzos, porque
não eram filhos de mães escravas, uma brecha legal que, no entanto, se
antepunha a outra lei, que os índios não eram escravos.
Oficialmente não constam embaraços regionais em causa
dos descendentes negros com indígenas.
4. Dos negros
'forros'
Na sociedade da época era difícil a condição do negro
forro. A escravidão era difícil, desumana, mas ser liberto sem os meios
garantidos de sobrevivência parecia ser ainda pior.
O negro forro, comum, não arrumava emprego, e se
montasse algum estabelecimento ninguém comprava ali, nem o próprio negro. Tinha
constantemente que dar satisfações, apresentando sua carta de liberdade.
Uma das opções era o liberto ir viver em algum
quilombo onde trabalhava para sustentação própria e numa situação que beirava a
calamidade, sem nenhuma estrutura e desamparado socialmente. Outra maneira era
disputar oportunidade nas Irmandades, já saturadas de tantos elementos, que
então preferiam aqueles que sabiam ler e escrever, com algum grau de estudo, ou
os mulatos cujos pais brancos lhe deram condições sociais melhores e que depois
irmanaram-se na causa da libertação.
Evidente que o escravo sonhava com a liberdade e a desejava
para si, e se empenhava em guardar suas economias - frutos de escambos ou algum
donativo recebido. Contava para o sucesso disto com as entidades abolicionistas
e as irmandades.
Alguns faziam-se meeiros com os patrões, em horas
vagas, trabalhando pequeno espaço de terra, e cujos lucros dividiam; outros
arrendavam pequena propriedade para 'tocar a vida' por conta própria, nos fins
de semana ou algumas horas por dia, e os produtos eram vendidos junto com as
mercadorias do dono da terra.
Certos afortunados ganhavam pequena propriedade, e
onde valia tudo em termos de trabalho e ganho, criar galinhas, cabras, porcos,
ovelhas, vacas e até muares, em qualquer espaço, e o objeto disto tudo era a
conquista de liberdade.
Quase nunca o fracasso de algum liberto tirava a
empolgação do ideal de liberdade.
Nos anos de 1820 - nem era, ainda, época do Sertão
Paranapanema, alguns abolicionistas entendiam que o negro que conquistasse sua
liberdade - se tornasse forro, e não tendo condições de sustentação, lhe seria
destinada uma quantia de terra para que pudesse nela trabalhar.
Isto gerou complicações e até 'guerra', pois uma vez
identificadas as terras devolutas para esse fim ou o latifúndio improdutivo, as
Irmandades [dos negros] promoviam invasões e lá estabeleciam Quilombos.
Alguns conseguiam libertação mediante feitos em favor
do patrão ou a algum membro da família. Outros iam lutar em revoltas, levantes
ou mesmo guerra, no lugar de familiares do patrão, em troca da alforria, mesmo
que depois a vendesse de volta, porque quase sempre a liberdade lhe era utopia.
A Revolta dos Liberais e Guerra do Paraguai
proporcionaram condições de muitos negros libertos.
A Lei 2.040, de 28/09/1871, também conhecida como a 'Lei do Ventre Livre', ou os nascidos livres de mães escravas, também apontava:
"Art. 4º: É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe
provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do
senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O governo providenciará nos
regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio". Com o
resultado, o negro podia adquirir sua liberdade.
Mas o Artigo 3º da mesma lei 2.040 preconizava o
Fundo de Emancipação da Mão de Obra Escrava, pago pelo Governo - Imperial e
Provincial ao dono de plantel: "Serão anualmente libertados em cada
província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente
disponível do fundo destinado para a emancipação". O negro também adquiria
direito à liberdade pela 'Lei do Sexagenário'.
De qual maneira fosse, ninguém indenizava o negro; o
patrão não perdia, era compensando e usava, muitas vezes, de ilícitos para
lucrar mais, conforme já observado. Quando já era certa a 'Lei Áurea', os patrões
deram liberdade antecipada a seus escravos em troca de compensações pagas com o
trabalho.
Tornar-se liberto, portanto, era possível por
diversas maneiras e meios, bastando superar obstáculos. A conquista às vezes
podia não ser interessante, mas nem todos os forros fracassavam.
4.1. Antonio Joaquim
Melchior de Camargo: um 'forro' escravagista?
Na época, quando os sertanistas mineiros
mais abastados chegaram acompanhados de escravos negros, também, acorreu
Antonio Joaquim Melchior de Camargo, ou Antonio Joaquim Melchior conforme mais
conhecido, vindo de Rio Novo - Avaré, com seus muitos escravos e ele próprio
"era preto alforriado" (Leoni, 1979: 4), cuja carta de liberdade
recebera por atos de bravuras em defesa dos interesses da famílias Vieira [e]
Silva e Ferreira Medeiros, esta última à qual pertencera.
—Leoni reafirma Melchior afrodescendente, em sua obra 'Histórias do Tio Chico' (1984: 188).
O estudioso Nantes (2007: 57-58), aponta
que o Melchior "era preto, mas creio que mestiço. (...). Tinha olhos
claros. Muito estranho.", e concorda com Leoni quanto às motivações da
alforria recebida de seu senhor na Revolta dos Liberais, em 1842, em Minas
Gerais.
Descrições dada pela família Ortiz [de] Salles,
da qual descende o coautor Celso Prado pela avó paterna Ozoria Ortiz de Salles,
Melchior teria sido, em verdade, pardo, agregado à família Vieira e Silva,
inclusive casando-se em segundas núpcias com Mathildes, filha de Antonio
Florencio Martins e Anna Angelica Vieira e Silva, com descendentes.
—Antonio Francisco de Salles, pai da citada Ozoria, era filho de Antonio Florêncio Martins e Anna Angelica Vieira e Silva, portanto irmão de Mathildes e, assim, cunhado de Melchior.—O Salles foi casado com Anna Ortiz de Oliveira, filha de Salvador Ortiz de Oliveira e Maria Luiza de Jesus.—Melchior nasceu por volta de 1824, filho de Antonio José Belchior e Joaquina Maria Rocha Camargo - desta o seu sobrenome, e foi casado primeiro Delphina Maria de Jesus com pelo menos um filho.—Lembranças parenteiras, perdidas no tempo, apontam que o pai de Melchior, o Antonio José Belchior, era filho de [europeu com negra escravizada (Relatos de Família para Antonio Joaquim Melchior de Camargo); porém, nenhum documento atestatório, embora o Nantes admita-o possível "descendente de holandeses ou espanhóis." (2007: 57-58).
A condição de ter sido negro ou pardo/mulato,
alforriado ou não, em nada modifica o histórico de Melchior, visto poderoso e
influente fazendeiro, senhor de considerável plantel de escravizados que se
estabeleceu na atual região de Maracaí.
—Também mistério, Melchior teria se enriquecido com o tráfico de escravos, contrabandeando-os entre as províncias, através de contratados, além das atividades típicas de 'capitão-do-mato', a favor dos fazendeiros, na captura de negros foragidos ou metidos nos quilombos.
A história do Vale do Paranapanema apenas
confirma Antonio Joaquim Melchior de Camargo povoador na denominada 'Fazenda
Pouso Alegre' e dono de outras propriedades agrupadas, compreendendo partes de
atuais territórios de Assis, Paraguaçu Paulista e Maracaí.
Da
fazenda Pouso Alegre, documento oficial comprova que Melchior a adquiriu e
depois permutou parte na localidade definida:
—"(...) para o rio Capivara, situado no districto de paz de Conceição de Monte Alegre, desta comarca, fazenda essa que adquirida por Antonio Joaquim Melchior a José Theodoro de Sousa e outros, por escriptura publica de 1º de Abril de 1871, lavrada nas notas do escrivão de paz e tabellião da freguezia de São Domingos, termo de Lençóes e Comarca de Botucatú, Manoel Joaquim Bueno, com as divisas e confrontações constantes na alludida escriptura; segundo - Que Antonio Joaquim Melchior de Camargo, requereu e promoveu perante o juiz comissario [Theodoro de Camargo Prado] a medição e demarcação das terras de sua propriedade denominada fazenda 'Pouso Alegre', tendo approvada e expedida a seu favor a respectiva carta de a legitimação em 9 de Dezembro de 1888 e a assignada pelo então Governador [Presidente] da Provincia S. Paulo, conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, o que tudo se evidencia pelo decreto nº 1; terceiro - Que Antonio Joaquim Melchior de Camargo e sua mulher por escriptura publica de 13 de agosto de 1888, lavrada nas notas do tabellião Augusto José Fernandes, da cidade de Batataes, permutaram com Candido José Garcia, e sua mulher, o referido immovel, com divisas e confrontações constantes da mesma ecriptura (...)." (DOSP, 18 de março de 1913 - citação de condôminos pelo Juizo de Direito da Comarca de Campos Novos do Paranapanema).—Trata-se da transação de 2.900 hectares de terras, no valor de 40:000$000 (R - SNA... 1902: 120-121).
Noutra transação, Melchior vendera 2.420
hectares de sua propriedade, 'Fazenda do Cervo', no Distrito de Paz de Conceição
de Monte Alegre, Comarca de Campos Novos do Paranapanema, conforme
"Escriptura de compra feita por Marcellino Antonio Diniz a Antonio Joaquim
Melchert [erro de grafia - Melchior o correto] em 14 de Outubro de 1875. Carta
de legitimação passada em 26 de junho de 1890" (R - SNA... 1902: 108-109).
Da carta de legitimação de 3.630 hectares de
terras da Fazenda Barra do Cervo, Distrito de Paz de Conceição de Monte Alegre,
Comarca de Campos Novos do Paranapanema, passada em 09 de dezembro de 1885, a
favor de Antonio Joaquim Melchior de Camargo, depois alienada em
"Escriptura de venda deste a João Hyppolito Alves de Barros." (R -
SNA... 1902: 108-109).
Esta fazenda tornou-se propriedade de Antonio
José de Macedo, registrada por sua viúva Ignacia de Abreu Macedo e negociada
por "Escriptura de permuta entre o Padre Paulo de Maya [o correto é Mayo]
e a registrante" (R - SNA... 1902: 108-109).
Outro registro, em nome de Melchior,
refere-se à propriedade 'Cabeceiras do Cateto' no Distrito de Paz de Conceição
de Monte Alegre, Comarca de Campos Novos do Paranapanema: "Escriptura de
venda feita por Antonio Joaquim Melchior a Marcellino Antonio Diniz, e deste a
outros intermediarios inclusive João Machado de Toledo que por sua vez vendeu
ao registrante [Padre Francisco José Serodio] em 26 de abril de 1900" (R -
SNA... 1902: 110-111).
Ao Marcellino Antonio Diniz, Melchior vendeu,
ainda, outros 14.520 (quatorze mil quinhentos e vinte) hectares da Fazenda
Cervo, de acordo com documentações descritas desde as origens:
—"Certidão de Escriptura de venda que fez José Theodoro de Souza a Antonio Joaquim Melchor [erro de grafia para Melchior] de Camargo. Certidão da Escriptura de venda que fez Antonio Joaquim Melchor [erro de grafia para Melchior] de Camargo a Marcellino Antonio Diniz. Certidão de Escriptura de venda que fez Marcellino Antonio Diniz a Salviano José Nogueira e sua mulher da fazenda do Cervo. Escriptura de 18 de Julho de 1894. Imposto de transcripção de propriedade e extracto para transcripção de immovel datados em 19 de julho de 1894" (RSNA... 1902: 136-137).
Desde
a libertação dos escravos, em 1888, Melchior vinha se desfazendo de seus bens,
e, em dois anos, vendera muito mais, sendo que as divisas dos compradores
avançaram sobre suas terras além daquelas efetivamente alienadas, pois ele, com
a abolição, não sabia trabalhar as terras, não tinha noção alguma do quanto
possuía e perdera todo o seu prestígio.
Já doente, por escritura de 9 de novembro de
1890, Melchior doou 750 braças quadradas de terras da Fazenda Pitangueira, nas
divisas com Marcellino Antonio Diniz, para o Patrimônio de Nossa Senhora do
Patrocínio, onde hoje a cidade de Maracaí.
—A braça quadrada corresponde a 2,20 X 2,20 metros, ou seja, 0,000484 hectares, sendo o hectare 10 mil metros quadrado.
Antonio Joaquim Melchior de Camargo faleceu
aos 11 de agosto de 1892, com 78 anos de idade, e foi sepultado em Conceição de
Monte Alegre, atual distrito de Paraguaçu Paulista.
Aos
15 de janeiro de 1898, a viúva Mathildes Maria de Jesus e família doaram ao
patrimônio de São Sebastião da Roseta, 31 alqueires de terras:
—"Capella de S. Sebastião da Roseta - Districto da parochia de Campos Novos do Paranapanema - Por meio de uma escriptura publica, lavrada nas notas do cartorio do Juizo de Paz da Freguesia da Conceição de Monte Alegre, pelo escrivão Fernando Avelino Rocha, aos 15 de janeiro de 1897, fizeram doação à mencionada capella, para seu patrimonio: Mathilde Maria de Jesus, de doze alqueires e meio de terras; Domiciano José Garcia e sua mulher Joanna Baptista de Jesus, de quatro alqueires; Amelio Cesario de Moraes e sua mulher Maria Angela do Nascimento, de 4 alqueires; Joaquim Melchior e sua mulher Margarida Maria Claudinha, de dois alqueires; Malachias Antonio da Silva e sua mulher Maria Rosa da Apparecida, de quatro alqueires; Joaquim Martins da Silva e sua mulher Francisca Ignacia de Jesus, de cinco alqueires; terras estas, todas ellas situadas na fazenda da Roseta, no lugar denominado Barra da Roseta, vertente do rio Capivara, municipio de Campos Novos do Paranapanema" (Correio Paulistano, 06/02/1941: 5, do Instituto Historico e Geographico de São Paulo - Cavalheiro Freire).Documento de 1902 traz o informe: "Certidão dos autos de inventario dos bens do finado Antonio Joaquim Melchior de Camargo dos quaes consta esta parte que coube ao registrante na qualidade de herdeiro por cabeça de casal." (R - SNA... 1902: 122 124).
—A propriedade tratava-se da Fazenda da Roseta, com 150 alqueires, no atual Distrito de Roseta em Paraguaçu Paulista, sendo registrante José Vicente Ferreira - genro do falecido.
4.2. Os forros
sujeitos ao 'jugo do cativeiro'
Acontecia de alguma maneira, escravo adquirir a
liberdade, por meios próprios, por auxílio de Irmandade. O negro podia
ingressar com processo de libertação - pelo fundo de emancipação, pela compra
particular da liberdade ou através da Irmandade, mas o processo podia ser
contestado pelo patrão e isto demorava anos, e durante a tramitação processual,
quase sempre o negro ainda estava sujeito ao 'Jugo do Cativeiro', bastando
denunciá-los arruaceiros ou não adaptados para a vida em sociedade, e retornavam
aos antigos patrões.
Armavam-se situações para pender negros libertos, que
assim voltavam ao cativeiro, sob a justificativa de não adaptação social, ou
procedimentos incompatíveis com a vida em liberdade.
Na Paróquia de Santa Cruz cinco libertos foram ilegalmente
detidos por ordem do Delegado de Polícia em exercício, Manoel Luiz de Souza, e
devolvidos ao antigo senhor:
—"(...) para serem entregues ao jugo do captiveiro. (...). Os agentes, - capangas, secretamente provocaram a prisão dos infelizes - que a todo transe pretendem amarrar, para merecerem as graças do dignissimo delegado escravocrata; e o conseguirão certamente visto a boa vontade com que encetaram a campanha" (Correio Paulistano, 04/01/1884: 2).
5. Escritura de locação de serviços escravos
O hebdomadário 'O Regional', de Santa Cruz do Rio
Pardo, em edição especial de 1952, à página 1 trouxe a transcrição:
—"Escritura de contrato de locação de serviço que faz como locadora dona Maria Caetano de Oliveira em favor do locatario Bernardino José de Andrade, como abaixo se declara:Saibam quanto esta publica escritura de contrato de locação de serviço vivem, que no ano do nascimento de nosso senhor Jesus Christo, de mil oitocentos e oitenta e seis dos quatro dias do mes de novembro do dito ano, nésta vila de Santa Cruz do Rio Pardo da Comarca de Lençóes e Provincia de São Paulo, em meu Cartorio compareceram partes entre si justos e contratados como, locadora Dna. Maria Caetano de Oliveira e como locatario Bernardino José de Andrade, todos moradores nésta vila reconhecidos pelos proprios de mim escrivão adhoc dou fé e das testemunhas adiantes nomeadas e no fim assinadas em presença das quais pela locadora Dona Maria Caetana de Oliveira foi dito havia contratado com o locatario Bernardino José de Andrade os serviços dos seus escravos de nome José e Manoel na razão de duzentos mil réis por ano cada um delles até completar o pagamento da quantia de um conto e trinta e dois mil novecentos e vinte reis, conforme o documento de igual quantia que nésta data firmou em favor do locatario conjuntamente com o premio de um por cento ao mes e que por assim haver contratados os serviços dos seus escravos José e Manoel e que deles fazia entrega ao locatario para serem empregados em seus serviços do dia oito do corrente mês em diante não podendo a locadora retirar os referidos escravos sem que tenha pago a referida quantia e seus premios que forem contados, disse mais a locadora que toda e qualquer falta dos dias de serviços dos referidos escravos serão contados para em tempo oportuno serem enterados, ficando mais o locatario obrigado dar aos referidos escravos os vistuarios grosseiros que for preciso e tambem medicalos quando estiverem doentes e que essas despesas serão levadas em conta alem da quantia acima mencionada. Pelo locatario foi dito que aceitava a presente escritura e me apresentou o selo adesivo no valor de dois mil reis que fim desta vai colado. Lidas estas partes acharam a contento e aceitaram, outogaram (sic) e assinando a rogo da locadora Dna. Maria Caetana de Oliveira por não saber escrever o seu filho José Martimiano (sic) de Oliveira em presença das testemunhas Manoel Garcia de Oliveira e Marcelo Gonçalves de Oliveira, todos conhecidos de mim Hyppolito Correa de Salles, escrivão adhoc de Juiz de Paz que eu escrevi e assino.'Santa Cruz do Rio Pardo, 4 de Novembro de 1886.'(a) Hypolito Correa de SallesJosé Martimiano de OliveiraBernardino José de AndradeManoel Garcia de OliveiraMarcelo Gonçalves de Oliveira"- (Grafia respeitada pelos autores conforme transcrição pelo O Regional).
6. Aparte: e os índios continuaram escravizados
A despeito das libertações das escravaturas no
Brasil, primeiro a indígena, definidamente desde 17 de outubro de 1831, depois
a negra aos 13 de maio de 1888, isto não impediu a mobilização do índio para
trabalho obrigacional gratuito, no Sertão Paranapanema, até os primeiros anos
do século XX.
Para burlar a legislação quanto a continuidade da
escravidão indígena, os fazendeiros valiam-se das admissões legais, através de
aldeamentos particulares, declarando os índios que viviam pacífica e livremente
em suas terras recebiam a cristianização, além da moradia, alimentação e
proteções contra inimigos.
Os fazendeiros podiam, também, solicitar mão de obra indígena
diretamente nos ditos aldeamentos oficiais, como contribuição na socialização e
educação do índio, através do trabalho, para sua inserção social tornando-o
útil à sociedade; e existiam outros meios legalmente permitidos para o uso do índio
para o trabalho obrigacional gratuito, sem declará-lo oficialmente escravo, por
exemplo, como medida de segurança, impedindo grupos errantes na região que
podiam colocar em risco a vida das pessoas brancas ou causas de danos nas
propriedades.
Mas, predominava a posse do branco sobre o elemento
indígena, onde os senhores podiam dispor deles a bel prazer, como objetos de
permutas, compras e vendas. Em 31 de setembro de 1885, o policial José
Sebastião vendeu a índia Maria ao João Antonio Molitor, Comandante do Destacamento
de Santa Cruz do Rio Pardo (Correio Paulistano, 16/09/1885: 2).
Desta maneira, a escravidão indígena era tolerada,
ainda em 1900, em todo centro sudoeste paulista, inclusa a região de Santa
Cruz, sabendo-se de índios nestas condições residentes na Fazenda Perobas. No
ano de 1903, aos 22 de abril, foi declarado em Cartório o óbito de José
"filho legitimo de João ìndio e Rita de Tal, indios guaranys".