![]() |
Primeira estrada direta de Santa Cruz a Salto Grande -Rio Paranapanema- |
Antigas trilhas indígenas cortavam o sertão Paranapanema
servindo como meios terrestres de comunicações entre os primeiros povoados,
construídos às beiras daqueles antigos caminhos facilitando comunicações,
viagens e transportes.
Os primeiros entradistas e bandeirantes valeram-se
das trilhas indígenas e, também, abriram os próprios traçados nas procuras do
ouro e metais preciosos, embrenhando-se longe dos caminhos primários.
Depois vieram os tropeiros com suas picadas matas
adentro como rotas alternativas para conduções de bovinos, equinos e muares, quase
sempre evitavam as rotas oficiais fugindo das fiscalizações, criando
alternativas de jornadas e deslumbrando novas terras.
Com as vindas de pioneiros, após meado do século
dezenove, muitos instalados em grandes propriedades, houve a necessidade de abertura
de trilheiras internas para pontos distantes de uma mesma fazenda. Com a
posterior divisão das terras, pelos herdeiros e sucessores, ou doações a
patrimônios de oragos, muito dos picadões tornaram-se estradas de integração
rural ou mesmo urbana.
Também um caminho podia ser oficial.
Luiz Antonio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus, quando à frente do governo da Província de São Paulo, entendeu a necessidade de estrada militar, para rápidos deslocamentos de tropas em caso de ataques dos inimigos castelhanos, que perderam territórios para Portugal, subentendido Brasil.
O trajeto do Morgado de Mateus melhor conhecido
chegava ao Paranapanema desde a Serra Botucatu, com passagem pelos campos do
atual município de Santa Cruz do Rio Pardo, cujo destino seria o Iguatemi, no
hoje Mato Grosso do Sul. A estrada pretendida pelo Morgado calcava-se sobre as
antigas trilhas religiosas e caminhos bandeirantes, também utilizados pelos
sesmeiros que marcavam suas posses e arranchamentos às beiras daquele caminho
militar.
No entanto, de tudo quanto cuidara o Morgado, o seu
sucessor no governo, Martim Lopes, apressou-se em desfazer ou desleixar
manutenções, tanto que décadas depois, em 1847, nada aparentemente restava da
senda militar, senão algum indicativo em documento salvaguardado em arquivo da província.
Segundo as tradições, o pioneiro José Theodoro de
Souza seria portador de alguma cópia de antiga carta por ele utilizada no
bandeirismo de 1850/1851, justificando destarte a rapidez e precisão de suas
incursões, descendo a Serra para rumos certos entre os rios Tietê e
Paranapanema.
São lendas que Theodoro e seu bando adentraram o
sertão pelos rios e matas ciliares. Não ousaria tanto sem antes conhecê-los, ou
livrar-se dos perigos indígenas. Somente com o relativo afastamento das hordas
selvagens, que o bando conquistador se valeu dos rios maiores para as anotações
e demarcações das terras pretendidas.
Os pioneiros, portanto, usaram caminhos terrestres em
seus avanços sobre territórios indígenas, avançando gradativamente as
conquistas, amanhando o sertão.
No antigo sertão andava-se a pé, a cavalo, carros de
boi e carretões, depois carroças, charretes e troles antes do sistema férreo e
a introdução dos veículos automotores, com lembranças quanto ao uso de canoas,
mais no Paranapanema, e as balsas para passagens fluviais no Paranapanema,
Pardo, Turvo e Alambari.
Antes das estradas, propriamente ditas, existiram as
trilheiras, por onde conduzidas as mercadorias nos veículos de cargas a tração
animal e no lombo de muares, além das cargas vivas levadas por tropeiros,
boiadeiros e os condutores de porcos, numa viagem a pé até o local de destino.
As trilheiras eram meios limitados para percursos
inaugurais até se encontrar melhores trajetos, às vezes utilizadas para uma só
viagem, portanto sujeitas ao desaparecimento pelo desuso ou a recuperação das
matas.
O melhor eram as estradas, ainda que rústicas, pela
durabilidade e as direções mais bem definidas ou empregadas, como o de onde
sair e chegar, para os transportes de bens negociáveis em larga escala - para a
época, pelos os carros de boi e carretões; ou simples viagens de pessoas,
grupos ou famílias. Ao longo das estradas existiam os pousos e os potreiros,
lugares que às vezes evoluíam para povoados e cidades.
Para os transportes de passageiros, em quantidades, valiam
os carroções e carros de boi, especialmente adaptados e cobertos, e quando
apenas famílias pequenas utilizavam-se as carroças, charretes e depois o trole,
de tamanho varável. Para viagem individual ou em grupo, o cavalo era o meio
mais ágil.
As carroças, com as
quais os sertanejos também podiam vencer distâncias, eram utilizadas nas
fazendas para transportes de pequenas cargas e ferramentas, assim como os
arrastadores para madeiras.
Nas estradas cobravam-se pedágios para manutenção da
via e os cuidados com as pontes e pontilhões; e onde funcionavam as balsas os
valores eram pagos em separado.
Primeiras informações ditam que os troles surgiram na
região santa-cruzense por volta do ano de 1880, quando já superadas algumas
precariedades das estradas com as drenagens dos lugares alagadiços ou desvios
confiáveis, além de melhores pontes, pontilhões e balsas seguras.
Pouco mais adiante no tempo já se exploravam linhas
com certa regularidade e através de baldeações entre as povoações principais,
para transportes de passageiros e pequenos volumes de bagagem ou encomendas.
O trole - tipo de carruagem, coberto ou não, era
movido por tração animal, geralmente por cavalos em parelhas, a cada distância
- nos pontos de paradas, eram trocados, para fazer-se meio de transporte
relativamente rápido, embora bastante caro e somente acessível aos mais ricos.
Desde 1896, com a chegada da via férrea a Cerqueira
Cesar, uma 'Companhia de Linha de Troly' fazia o percurso de Santa Cruz do Rio
Pardo até a localidade, passando pelos povoados do Lajeado, Óleo, com horários
de saída e chegada rigorosamente cumpridos, responsabilizando-se a Companhia
pelos eventuais atrasos, salvo por motivos alheios: quedas de pontes, chuvas
torrenciais e inundações.
De Santa Cruz também partiam troles com destino a São Pedro do Turvo e Campos Novos, depois a Conceição de Monte Alegre, para levar passageiros, malas de correio e outras encomendas e trazer pessoas para ajustes de negócios ou prosseguimentos de viagens até Cerqueira Cesar, com destino a centros maiores como Botucatu, Sorocaba e São Paulo.
Existia pontos de troles onde se combinavam viagens para localidades diversas.
Antes da chegada da linha ferroviária a Cerqueira
Cesar era possível viajar de trole, por exemplo, à própria Cerqueira Cesar, a
Avaré e Botucatu, depois de Botucatu a Sorocaba e de Sorocaba a São Paulo, com
paradas pelos caminhos.
1.1. A 'Estrada
Pioneira' e suas ligações
A conhecida 'Estrada Pioneira' calcava-se no leito da
primitiva trilheira desde a Serra Botucatu ao antigo porto de Lençóes, no
Tietê, daí a São João de São Domingos até o lugar denominado Turvo [Espírito
Santo do Turvo], e pela referência marginal do rio à barra do Alambari, onde o
entroncado de caminhos, um a despassar o Turvo pelo baixio e seguir adiante, às
próximas São Pedro do Turvo e Campos Novos Paulista, daí ao Salto Grande do
Paranapanema; e outro trajeto aos campos e matas do Pardo santa-cruzense, não
se sabe desde quando em conta das sesmarias existentes, ou, talvez, a não anteceder
tempo algum ao bandeirismo de José Theodoro de Souza.
Com certeza referencial as cartas e mapas apontam
que, partir de atual Salto Grande, existia a via fluvial até o rio Paraná, pelo
Paranapanema, e a trilha terrestre marginal ao mesmo Paranapanema, até defronte
o porto situado no tributário paranaense Tibagi.
Igualmente não era ignorada que "A ligação Tibagi-Pôrto dos Lençóis já existia em 1824 [?]. Mas não vem mencionada entre as estradas oficiais. Não tinha conserva, pois alem do brecho [trecho] de São Domingos, os moradores, carreiros e tropeiros arranjavam-se" (Aluísio de Almeida, 1960: 188, nota de rodapé 1). Sobre esta via o estudioso esclareceu que "A Estrada de João da Silva, mencionada por Theodoro Sampaio, é parte desta" (1959: 188, rodapé 1).
—Os autores, acreditando em erro tipográfico, entendem que a estrada Tibagi-Porto de Lençóis não antecede o ano de 1854, ou, mais aplicável, 1864; o mesmo argumento de desacerto a valer para a palavra 'brecho', cujo significado plausível seria 'trecho'.
Dentro do contexto, pela 'Pioneira', Santa Cruz do
Rio Pardo viria se servir dos portos de Salto Grande e Tibagi, no Paranapanema,
para o comércio sertanejo para entregas de produtos, e o de Lençóis Paulista,
no rio Tietê, para escoamento de mercadorias aos centros consumidores, além dos
acessos a Botucatu e São Manuel que lhe serviam de entrepostos comerciais.
A Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo,
encarregada de levantamento oficial regional pelo governo paulista, declarou a
existência daqueles portos e caminhos, ainda que a admitir quase sem
importância o comércio fluvial pelo Paranapanema, a não ser o gado bovino, um
pouco de grãos e cereais, além de bebidas e ferramentas (CGGSP, Boletim nº 4 -
Considerações para o período 1874/1890). Entende-se, nisto, a minimização
excessiva.
Diziam os descendentes dos primeiros desbravadores
que a 'Pioneira' favorecia o contrabando, para o Paraná e Mato Grosso, pela
ausência de serviços do governo que pudessem atuar sobre as produções
sertanejas, e que a traficância teria sido mais intensa nos tempos da Guerra
com o Paraguai. Também seria de utilidade a ligação entre os portos de Lençóis
e Tibagi, pela velha estrada de 1824.
O assunto merece melhores considerações, porém, com
rejeições tanto de falsas alternativas quanto das negações de envolvimentos de
determinada região nos episódios. Se o contrabando era praticado ele precisava
sair das regiões menos fiscalizadas, o que exclui, relativamente, os portos
oficiais e os caminhos de intenso tráfego, enquanto o Sertão Paranapanema
estava num curso de passagem quase nada utilizado, oficialmente, para se chegar
às regiões consumidoras envolvidas na Guerra, portanto excelente rota para se
contrabandear mercadorias e produtos sem importunações de agentes do governo.
Ora, se os mineiros vinham em massa para o sertão,
fugindo do recrutamento compulsório para a guerra, e se sentiam seguros no
Turvo/Pardo/Paranapanema, então nada a obstar esse mesmo sertão acolhedor ser o
centro exportador de mercadorias contrabandeadas, vez que a fiscalização seria
quase impensada.
A 'Pioneira' foi a principal via de ligação entre
Santa Cruz, o sertão e os centros desenvolvidos, mas as passagens pelo Turvo
eram sempre complicadas, dada a localização urbana santa-cruzense, sendo mais
fácil a transposição do Pardo 'urbano santa-cruzense', melhor conhecido, e do
outro lado os caminhos, se não eram eficientes ainda no primeiro triênio de
1870, certamente conduziam para os centros de São Sebastião do Tijuco Preto
(Piraju), Rio Novo (Avaré) e daí adiante, tanto Botucatu quanto Itapeva, para
se chega a Itapetininga, Sorocaba e São Paulo, destas duas últimas à frente
para onde pudesse desejar o viajante.
- O que foi antes a
'Pioneira'
O antigo caminho bandeirante passava pela Serra Botucatu e prosseguia até o Rio Paranapanema, aonde 'Paranan-Ytu' (salto grande do (no) rio, na língua tupi), obliterado 'Parananitu', lugar também conhecido por 'Salto das Canoas', segundo o estudioso jesuíta, Aluísio de Almeida (1959: 168), também 'Quebra Canoas', e depois o 'Yucumã' (salto grande conforme denominação caingangue), futuramente mudado para Salto Grande do Paranapanema, atual município de Salto Grande.
—Antigos mapas indicam referido acidente geográfico no leito fluvial como 'Salto Dourado', onde pouco acima a barra do Rio Pardo, cujo nome outrora 'Duas Barras - vez que seu despejo seria dividido por uma ilhota no Paranapanema', além do nome Capirindiba, nos primeiros apontamentos para a região.
Tratava-se das ambições do bandeirante candongueiro Bartholomeu Paes de Abreu, em 1721:
—"(...) um caminho, por terra, ligando o centro da Capitania às minas do Mato Grosso, recém descobertas. (...). O bandeirante, ao declinar o local do início da abertura do que ele mesmo chamou de 'Picadam' diz que seu caminho deveria ser iniciado a partir da 'ultima povoaçam', da última vila e, também, a partir do morro do Hibiticatú" (Figueiroa, História de Botucatu - Revista, 2009: nº 4).
O salto era dito, por comparação, "o
Araritaguaba do Paranapanema" (Aluísio Almeida, 1959: 168), e isto trouxe
confusões históricas no século XVII, com o Araritaguaba, Porto Feliz, no Tietê,
e muitas entradas que usavam o Paranapanema foram registradas como se realmente
utilizassem o Rio Tietê, conforme reconhece o próprio Aluísio de Almeida.
Dão provas do alegado que o tal 'Picadam', adiante da
Serra de Botucatu, se dirigia a Paranan-Itu, aonde construído "Ao fundo, à
beira do Paranapanema, um rudimentar porto para as canoas que iam e vinham. Nas
instalações, uma espécie de estalagem" para dali se chegar, segundo o
pretendente da estrada, "(...) ao rio Paraná onde instalou três roças de
milho, feijão, legumes e deixou 250 bois em uma delas" (Figueiroa,
História de Botucatu - Revista, 2009: nº 5), trecho a caminho para as minas de
Cuiabá.
Trajeto aparentemente simples, pelo que hoje se conhece, este caminho de Paes de Abreu calcava-se sobre remota trilha que teria servido, inicialmente, os jesuítas espanhóis (1608/1628), cujo curso "por Botucatu até aos aldeamentos do Paranapanema com communicação fluvial para Matto Grosso" (Gonzaga Cabral - 1923, apud Donato, 1985: 35).
Caminho conhecido também pelos jesuítas da 'Fazenda
Botucatu' (1719/1759) tratava-se de trecho deslocado da antiga 'Peabiru', rota
paulista, do qual serviu-se em 1772 o Morgado de Mateus - Dom Luiz Antonio de
Souza Botelho e Mourão, Governador da Província de São Paulo (22 de junho de
1765 - 13 de junho de 1775). "A tal estrada subiu a serra, ganhou as
cabeceiras do Pardo (Pardinho) antigo Espírito Santo do rio Pardo e desceu aquele
rio até as alturas de Santa Cruz do rio Pardo, donde passou para o afluente
Turvo e saiu nos Campos Novos do Paranapanema (nome mais novo)" (Aluísio
de Almeida, 1959: 41), sem prejuízos ao trecho prosseguinte até o Paranapanema,
por onde o sertão nos caminhos das entradas.
O historiador Donato explicita as determinações do
Morgado: "a vereda que se deve seguir é entrar pela Serra de Botucatu onde
tenha maior comodidade e daí botar o agulhão em ponto fixo na barra do rio
Pardo e aí cortando o sertão, bem pelo meio da campanha entre os dois rios
Paranapanema e Tietê, fugindo sempre de avizinhar dos matos e pantanais que
ambos tem por toda sua margem" (1985: 36).
O capitão-mor de Sorocaba, José de Almeida Leme, encarregado pelo Morgado para a abertura do caminho militar garantiu a chegada ao rio Paranapanema:
—"Que ao menos o trecho até a barra do Pardo no Paranapanema foi aberto nos dá prova documento de concessão de Sesmaria lavrado já em anos bem distanciados daquele 1772. Na Sesmaria que beneficiou a Antonio de Almeida Taques lêse que o campo a que se refere está da 'outra parte da serra que vai para o Iguatemi'-" (Donato, 1985: 36), com retroação de data ou informação tardiamente anexada ao processo sesmarial de Almeida Taques.
Paes de Abreu, em 1721, enquanto aguardava
deferimento da primeira parte de sua reivindicação, teria aberto eito terrestre
desde Paranan-Itu (Salto Grande) à barranca do Rio Paraná, grosso modo
atravessando o sertão nas atuais regiões do Capivara, Conceição de Monte Alegre/Paraguaçu
Paulista, Quatá, Rancharia, Martinópolis, Regente Feijó, Presidente Prudente,
Bernardes e Epitácio. Conde, conforme citação, reproduz aquele trajeto em seu
mapa gráfico.
Os pioneiros quando chegaram à região denominavam
referiam-se à estrada como 'Pioneira'
1.2. 'Estrada
Sertaneja' - de Campos Novos ao São Mateus
Com a mudança de José Theodoro de Souza, em 1864,
para São José do Rio Novo, lugar conhecido como Campos Novos, abriu-se um
caminho pelas cabeceiras do Santa Rosa - fazenda de Antonio Alves Nantes, para
adiante transpor o Bebedouro e o Pari-Veado, em direção aos campos do Cerimônia,
onde a formação de povoado de igual nome. O trajeto prosseguiria até o São
Mateus, de acordo com as observações do estudioso jesuíta Aluísio de Almeida:
"Foi João da Silva Oliveira quem abriu, orientando-se pelo sol, a estrada
de Campos Novos a São Mateus no Paranapanema. Sem bussola" (Aluísio de
Almeida, 1960: 189).
O curso da estrada seguia de acordo com os avanços
sertanejos, assim, do Cerimônia ao Dourado situado às margens e cabeceiras do
Ribeirão Jacu, servindo fazendas pioneiras na atual região de Assis/Dourado, de
onde a estrada dirigia-se para o Cervo, depois ao Sopapo onde, rezam antigas
tradições, encontrado resto de antiga construção - 'taipa de sopapo como lugar
de parada anterior ao bandeirismo de Theodoro', atribuição de antiguidade
desnecessária além de não comprovada.
Depois do Sopapo, à margem esquerda do Rio Capivara,
elevada a povoação de 'Nossa Senhora Conceição Aparecida do Capivara', nome
posteriormente modificado para 'Conceição de Monte Alegre' - lugar transferido
para onde é hoje distrito do mesmo nome.
Outro caminho, desde o Dourado, rumava em direção a
'Nossa Senhora do Patrocínio' [Maracaí], Roseta e mencionada Conceição de Monte
Alegre, de onde os povoadores Nantes e Paiva levaram a estrada ao Capivari e
São Mateus, curso prosseguinte até às cabeceiras do Jaguaretê, por Antonio
Batalha.
Nos campos do Jaguaretê existia a trilha indígena
pré-cabraliana, iniciada defronte a barra do Tibagi, no Paranapanema, em
direção às cabeceiras do Ribeirão Laranja Doce, conhecida propriedade dos
Medeiros, com prosseguimento até a Serra do Diabo e Corredeira dos Frades
(Giovannetti, 1943: 29 e 63).
Antigas memórias citam que um ramal, desde a trilheira
indígena no Laranja Doce, chegava à margem do Rio Paraná, caminho depois
recomposto e ampliado para passagem de carros de boi, carroções e transporte de
tropas e boiadas.
Esta estrada importou a Santa Cruz do Rio Pardo pela
ligação com o sertão, mesmo com a volta pelo Turvo/Alambari, além de situar-se,
em algum tempo, dentro da territorialidade administrativa e jurídica
santa-cruzense.
Por aquele tempo já havia caminho alternativo,
somente possível por montarias, entre Santa Cruz e São Pedro do Turvo, pelo
divisor entre a fazenda São Domingos com as terras de Faustino Machado de
Oliveira, ou sucessores, até a onde o Bairro da Onça, com passagem pela Fazenda
de João Mariano, vulgo João Grosso, onde melhor a travessia do Turvo.
Posteriormente, com correções de trajeto, 'abriu-se a
estrada oficial' entre as duas povoações.
1.3. 'Estrada
Boiadeira' - a via da integração sertaneja
Sobre o caminho já descrito, de Campos Novos ao São
Mateus, melhorado e com um ou outro trecho ou desvios para melhor atender
interesses, entendeu-se o leito da 'Boiadeira' até o Rio Paraná, que Leoni
assegura realizada no final da década de 1880, utilizada por parte da família
Nantes em 1890, ao transferir-se para Mato Grosso (Leoni, 1979: 264), versão
contestada por Nantes (Memórias de Família, 2008/2009) ao assegurar a viagem
realizada por via fluvial do Paranapanema ao rio Paraná e um afluente sul
mato-grossense.
Leoni confundiu a Boiadeira com a estrada de Campos
Novos ao São Mateus, todavia tinha razão porque sobre ela firmou-se a
Boiadeira, descrita com melhorias de traçados e desvios necessários.
A ocorrência documental, e não há como negar,
iniciara-se em 1886 com Teodoro Sampaio, sob contrato com o governo paulista e
financiado pelo capital estrangeiro, para a mais completa e detalhada descrição
geográfica, até então, da bacia Paranapanema até a barra no Paraná e pelo
divisor Peixe/Paranapanema, formalizando a necessidade em abrir estradas e
povoar a imensa região, integrando-a aos centros mais desenvolvidos (Projeto
Bandeira Científica, 2003: 2). Os dados foram arquivados provisoriamente.
Quatro anos depois de Sampaio, em 1890, Francisco
Glycério, Chefe do Governo de São Paulo, nomeou uma Comissão sob a
responsabilidade do engenheiro José Alves de Lima, para promover levantamentos
técnicos complementares e viabilizar a construção de uma estrada, desde as
cercanias de Lençóis ao alto do Rio Paraná.
A esta deu prioridade, levantado o financiamento
público a Comissão "chegou a construir uma estrada até as cabeceiras do
rio Feio" (Giovannetti, 1943: 26-27), porém não pode cumprir o contrato,
tanto pelo elevado custo - a construtora à qual repassada os serviços pedia
mais dinheiro, quanto pela forte oposição Caingangue, não considerada no
relatório preliminar de José Alves de Lima. O projeto não prosperou.
O governo então, em 1892, retomou o propósito para a
estrada de Campos Novos, rumo a barra do Santo Anastácio no Paraná, designando
nova Comissão sob a coordenação do engenheiro Olavo Hummel, encarregada em elaborar
o melhor trajeto.
Hummel, em janeiro de 1893, percorreu com atenções o
trecho ideado para a 'Boiadeira', desde a 'Pioneira' em Saltinho [Platina] até
o melhor ponto no Rio Paraná. O governo aprovou o relatório de Hummel, e deu
início da estrada, de quatro metros de largura e vinte quatro pontes a ser
instaladas, tudo aos encargos da contratada ou encarregada, a própria Comissão
instituída como contrapartida para a exploração comercial.
Segundo Giovannetti o serviço teve louvável precisão
técnica, pois que "foram determinadas as coordenadas geográficas da barra
do rio Santo Anastácio e barra do rio Paranapanema", vindo alcançar o rio
Paraná "a uma distância certa de 260 metros abaixo da barra do rio Santo
Anastácio" (1943: 28).
A despeito do dinheiro público tomado por empréstimo para execução da obra, a estrada dada por concluída jamais foi construída, senão partes reformadas da 'Pioneira' e as pontes, talvez nem isso, apenas uma estrada quase sem trânsito numa região ainda despovoada, sem nenhum porto no rio Paraná que lhe permitisse avançar Mato Grosso adentro (Giovannetti, 1943: 28). Um desperdício.
—Em 1904 o Governo de São Paulo recebeu completo Relatório que lhe dava conta da precariedade daquela estrada oficial, em completo abandono, sendo por causa a ausência do mencionado porto.
Outra vez a 'Boiadeira' teve início, aos 24 de abril
de 1906, a partir de Saltinho do Paranapanema, atual Platina, à barra do Santo
Anastácio, no Rio Paraná, e prosseguir pelo sul-mato-grossense.
Desta vez o Governo nomeou o alemão Otto Meusser, engenheiro ou agrimensor, morador em Campos Novos desde 1893, como chefe de serviço à frente de uma centena de trabalhadores, para levantamentos preliminares da obra a ser executada, empreitada possível de acompanhamento pelo diário pessoal do alemão, que conduziu sua equipe até o Rio Paraná, onde chegou no dia 1.º de setembro, para conclusões em 17 e retorno no dia 24 do mesmo mês de setembro de 1906.
—Pelo diário de Otto é possível acompanhar os trabalhos de sua equipe até a chegada ao rio Paraná no dia 1.º de setembro, trabalhos preliminares concluídos no dia 17 e retorno no dia 24 do mesmo mês de setembro de 1906. Pouco depois Otto, alcoólatra, segundo Giovannetti, era encontrado morto numa das ruas de Campos Novos (Giovannetti, 1943: 94). Otto era, antes de tudo, um intelectual formado na Alemanha em Filosofia e Letras, amigo particular do médico Francisco Tibiriçá e do então governador Jorge Tibiriçá. Sua morte deu-se, aparentemente, por afogamento numa poça d’água onde caíra.
Essa entrada consistiu em fazer levantamentos das
reais condições da estrada a ser [re]construída, e para a execução da obra
criou-se juridicamente a empresa 'Diederichesen e Tibiriçá' para administrar o
projeto, sendo sócios-proprietários o fazendeiro Coronel Arthur de Aguiar
Diederichesen - lado paulista, e o médico Francisco Tibiriçá para abrir e gerir
a estrada - parte mato-grossense.
Capitão Whitaker [Chiquita] associou-se aos
empresários Paulino Carlos Filho e Alonso Junqueira, assumindo controle da
firma sob a nova denominação, Companhia de Viação São Paulo - Mato Grosso,
sendo os serviços - parte paulista, entregues ao Coronel Sanches de Figueiredo,
como empreiteiro, para ultimar a obra a partir de Platina, enquanto Chiquita
coordenaria dos trabalhos no rio Paraná, próximo à barra do Santo Anastácio, ou
seja, escolher e dar infraestrutura ao melhor lugar para instalar o porto que
seria denominado Tibiriçá.
A Companhia Viação São Paulo - Mato Grosso, pela sua
predecessora, obteve concessão do Governo de São Paulo, para construir e
explorar comercialmente a estrada através dos postos de pedágio, pousos e
currais em lugares estratégicos, com poder de polícia para se evitar desvios de
rotas. Também conseguiu, do Governo Federal, licença de exclusividade para
empreender navegação comercial no rio Paraná e afluentes, inclusive pontos de
travessias por balsas.
Escolhido o local do
porto, o auxiliar Paulino Carlos Filho, juntamente com o capitão Chiquita,
desceu pelo Tietê, desde Ibitinga, com barcaças e lanchas trazendo equipamentos
necessários para instalações de balsas, chegando ao destino final [Porto
Tibiriçá] em 01 de janeiro de 1907, trinta e um dias depois de iniciada a
viagem.
A despeito da magnitude progressista da estrada,
necessária e de utilidade pública, os contratos dos governos federal e estadual
para execuções das obras sempre estiveram sob suspeições e favoritismos, sendo
certo que a Concessionária São Paulo-Mato Grosso negociou, diretamente com os
fazendeiros e mandatários das regiões, a exploração de percursos por onde o
trecho, a outorgar a uns os direitos percentuais nas cobranças de pedágios e
taxas, a outros o comércio de pousos, currais, armazéns e entrepostos de
compras e vendas em geral.
Desavença com a família Medeiros, na Fazenda Água das
Anhumas, fez a Companhia desviar o trajeto, de São Mateus aos campos de
Marambaia, Rancharia e Indiana, para retomar o curso primitivo restante nas
vizinhanças onde depois a cidade de Regente Feijó.
Os pousos, currais, postos de controles e armazéns foram distribuídos entre amigos da Companhia. Em Conceição de Monte Alegre beneficiou-se o sertanejo capitão Viriato Olympio de Oliveira, auxiliar regional do capitão Whitaker e de Alonso Junqueira (Nogueira Cobra, 1923: 187).
—O fazendeiro Viriato Olympio de Oliveira, ou Viriato Mascarenhas dos Santos antes da mudança de nome em 1892 (Correio do Sertão, 24/10/1903: 3), era natural de Santo Antonio do Monte - MG, tinha patente de capitão-ajudante, do 245º Batalhão de Infantaria (Benício, 2004: 90), e representava o poder regional do Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, o líder máxime de todo o sertão paulista adiante de Campos Novos.
Oficialmente a estrada foi inaugurada aos 17 de
setembro de 1907, pela Companhia, com boa precisão técnica vindo alcançar a
margem do rio Paraná "a uma distância certa de 260 metros abaixo da barra
do rio Santo Anastácio" (Giovannetti, 1943: 28).
A Boiadeira tornou-se, enfim, estrada oficial, a
primeira e mais bem equipada a cortar o sertão Paranapanema e integrá-lo aos
grandes centros. Os boiadeiros e tropeiros de Mato Grosso, antes do advento da
Boiadeira com sua balsa e lanchas no rio Paraná e afluentes, somente podiam
alcançar a São Paulo e Rio de Janeiro, sem grandes dificuldades, pelo Triângulo
Mineiro; tratava-se de percurso bem maior e, consequentemente, mais demorado e
caro.
Ao longo dos caminhos sertanistas da estrada fundaram
povoados, as boiadas iam e vinham, já sem precisar a grande volta pelo 'Triângulo Mineiro', enquanto o comércio fluía com mais dinamismo como prova do
progresso (Cimó Queiroz, 2003: 3).
Santa Cruz ligou-se à Boiadeira a partir da atual Rua
Conselheiro Dantas com destino a São Pedro do Turvo e Campos Novos Paulista.
Consideradas as comunicações pelo Rio Pardo com as estradas vindas de
localidades distantes, Avaré, Faxina e ainda lugares mais distantes, Santa Cruz
integrava-se com o sertão, como entroncamento de estradas, entreposto comercial
e lugar de ajustes.
Para os sertanejos, o governo do São Paulo usurpara
méritos de construção, apenas promovendo o alargamento e melhorias de
infraestrutura, com supervisão de engenheiros de empresas envolvidas nas obras
para o trecho já existente desde Platina ao rio Paraná.
2. Os veículos
Nos primeiros tempos do sertão usou-se o transporte animal, fosse de montaria, carroça, trole, carro de boi ou o carretão.
—Sem interesses, por ausências de documentos, os antigos sertanejos também se valiam de canoas para suas comunicações e pequeno comércio, em rios e ribeirões de suportes. As grandes travessias eram feitas por balsas - improvisadas de início - e ao lombo de animais equinos e muares.
2.1. De tração
animal
O transporte através da força animal era de baixo
custo, porém correspondia com as condições da época. Tornou-se meio obsoleto e
incompatível com as expectativas de altos lucros geradas pela chegada da
ferrovia e dos momentos das grandes lavouras.
As povoações disciplinavam o sistema de trânsito
veicular por tração animal, no perímetro urbano, com regras disciplinadoras
como sentidos de direção, estacionamentos, obediências à sinalização por
placas, segurança do transporte para cargas, mercadorias e pessoas. Os
preceitos valiam com as particularizações para cada tipo de veículo, em
condições de trafegar e a situação do animal: como aparência e condições para o
peso transportado. Aplicavam-se multas pelo desrespeito às leis de trânsito ou
danos causados ao bem público.
Por volta de 1883 todos os veículos e condutores
tinham registros, com anotações de infrações, como amarrar animais em postes ou
transitar ou estacionar onde não permitido, responsabilizando-se o infrator
pelas multas e os danos possivelmente causados.
A Lei Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, nº 84, de 19 de janeiro de 1908 ao disciplinar o seu trânsito urbano, incluía em seu artigo 6º.
—"Todos os carros, tropas, carroças e vehiculos de quaesquer especies procedente de qualquer logar da margem esquerda do Rio Pardo, só poderão entrar nesta cidade pela ponte da Rua Visconde de Pelotas [atual Farmacêutico Alziro de Souza Santos] e subir por esta rua até tomar seu destino, e só poderão descer pela Rua Saldanha Marinho e sahir pela ponte desta rua, quando tiverem de se dirigir para a margem esquerda do mesmo rio, sob pena de 10$000 de multa".
A situação em nada se modificaria
até os anos de 1913, quando os primeiros automotivos chegaram ao sertão,
inicialmente em Santa Cruz do Rio Pardo, com significativas alterações nas leis
de trânsito.
Assentos municipais santa-cruzenses, ainda no
primeiro quartel do século XX, apresentam solicitações de registros para uso -
circulações ou exercícios de atividades, de carros de bois, carretões, carroças
e troles (Prefeitura SCR. Pardo, Requerimentos e Expedições, 1925).
2.2. Os automotores
O primeiro veículo automotor conhecido no sertão chegou para Santa Cruz do Rio Pardo, um Page, adquirido pelo Padre Vicente Risi, disponível para aluguel e o lucro revertido a benefício das obras da matriz (Cidade de Santa Cruz, edição de 26/10/1913: 1).
Quase a seguir chegaram outros automóveis, a partir do mês de novembro, para a 'Garagem Santa Cruz', destinados a aluguéis para passeios pela cidade ou ao lugar de recreio de propriedade da empresa, o Parque Santa Cruz, com direito a: "(...) cerveja fresca que refresca o abafado calor das nossas ruas e respira-se um ar puro e saudavel, e tudo isso com o mesmo dispendio com que se expõe o automovel no fastidioso circuito da ponte nova e ponte velha, ponte velha e ponte nova." (Cidade de Santa Cruz, 16/11/1913: 1).
A empresa Santa Cruz apresentava novidades, como os
programas de recreios - convescotes na então Chácara Santa Aureliana, e onde um
logradouro destinado somente à circulação de automóveis, e já se preparava a
organização de passeios na Fazenda São Domingos.
Santa Cruz ingressava na era dos automotores, e no ano de 1920 proibia-se trânsito de carretões, carros de boi e passagens de tropas e boiadas pela Rua Conselheiro Dantas (Lei Municipal 279, de 16/07/1920) para não atrapalhar trânsito de veículos. Usava-se, então, a rua central hoje Catarina Eysuko Umezu. Logo a proibição se estenderia a todo perímetro urbano (Lei Municipal 375, de 16 de julho de 1926), e, em 1928 proibia-se o trânsito de animais e veículo de tração animal nas estradas de automóveis (Lei Municipal 424, 02/06/1928).
—Os latões com combustíveis chegavam por trem, e conduzidos até a empresa 'Santa Cruz', para o abastecimento de tanques acoplados em bomba manual. O combustível era, também, vendido em casas comerciais, segundo as tradições, embora não encontrado referências oficiais e nem publicitárias.
Nos anos de 1920, já eram comuns as viagens dentro do
município ou intermunicipais num veículo automotor. O célebre militar João
Cabanas locomoveu-se através de veículo automotor na região santa-cruzense.
Ainda antes do primeiro quinquênio dos anos de 1920
transitavam pelas estradas os primeiros carros automotores para transportes de
mercadorias - cargas pequenas, com motoristas habilitados, e o primeiro veículo
para transportes de passageiros transitou em Santa Cruz do Rio Pardo por volta
de 1925, sendo o condutor Benjamin Meneguim habilitado 'chauffeur' aos 27 de
outubro de 1925.
No ano de 1930 os pequenos caminhões serviam para
transportes de cargas menores, e, a seguir, os grandes, dirigidos por habilitados
profissionais.