domingo, 20 de dezembro de 2009

Escravidão Indígena e os aldeamentos

1. Visão geral: os índios escravizados - a posição do Estado e o papel da Igreja
Imagem representativa de índios capturados para a servidão. 
Créditos: Johann Baptist Ritter von Spixe Carl Friedrich 
Philipp von Martius: 'Viagem pelo Brasil 1817-1820'* 
—"O Brasil não foi nenhuma descoberta e sim conquista portuguesa, sanguinolenta, com a superioridade das armas sobre povos frágeis levados ao extermínio sem nenhuma piedade" (SatoPrado).
O elemento europeu tão logo em terras do Brasil pôs-se a aprisionar índios para a escravagismo, tomando alguns por aliados para a interiorização em busca de outros cativáveis ou para as guerras contra tribos bravias. 
A escravização indígena antecedeu à negra. O branco ocupava a terra e tornava escravo o índio sobrevivente capturado; ainda mais, preadores caçavam os 'nativos', às centenas e milhares, para a servidão. Os índios não acostumados ao trabalho opunham-se ao cativeiro, suas tribos reagiam e daí as constantes batalhas regionais e as fugas, e aqueles que fugiam conheciam os terrenos e se faziam muito iguais aos demais silvícolas. 
Os habitantes das matas eram frágeis nos contatos com os brancos, com óbitos por doenças contraídas dos europeus. Então os abusos e cada vez mais índios escravizados.
O cometimento de abusos despertou uma campanha da Igreja, pelo Padre Manoel da Nóbrega, contra a escravização indígena, tanto que a partir de 1550/1551 o índio somente poderia ser escravizado mediante preceito legal do 'Ius Gentium' - Guerra Justa, se declarada pelo Governador Geral ou por ele autorizada.
Este dispositivo 'Ius Gentium' tinha sentido interpretativo diverso, ou mesmo subjetivo, para a declaração da Guerra Justa, desde simples recusa do índio para a evangelização cristã à sua defesa territorial, condições suficientes para serem legitimamente aprisionados, escravizados ou mortos.
A Igreja entendia e justificava a escravidão indígena por passagem necessária à libertação e salvação da sua alma, pois que o índio possuía apenas vestígios de humanidade, classificados lascivos e mais próximos às bestialidades pelas práticas anticristãs, ou melhor, às práticas condenadas pela Sé, tais como sodomias, incestos, prostituição, canibalismo e sacrifícios humanos, todas tidas e vistas como ações demoníacas (Schiling, 2002: 1-3).
Questiona-se o papel da participação ou não da Igreja na escravização indígena, assunto polêmico e sempre tratado de maneira secundária, mas evidente que jamais a Igreja utilizou toda sua importância e força para que a escravatura fosse proibida; nem a indígena, nem a negra.
Diante da fragilidade legal, civil e eclesiástica, que em nada impedia a escravização de índios, ou a dizimação sistemática daqueles que não se deixavam capturar, D. Duarte da Costa na qualidade de Governador-Geral do Brasil, aos 30 de julho de 1566 por recomendação da Igreja e da Ouvidoria Geral, decretou medidas protecionistas, como a criação de uma Procuradoria voltada aos problemas do índio e a nomeação de meirinhos indígenas, um em cada tribo ou mesmo aldeia.
A partir de então foram diversas as leis proibitivas de guerra ao índio e sua escravização, a primeira delas em 20 de março de 1570, lei parcial por permiti-la sob a referida alegação de Guerra Justa, quando no ano de 1609 achou-se por bem ratificar o direito indígena à liberdade, pela lei de 1570, sem nada lhe acrescer às garantias individuais.
A não bastar a impraticabilidade do ato governamental, o decreto ainda assegurava aos colonizadores o uso do trabalho temporário dos índios em suas propriedades, mediante paga pelos serviços prestados, não necessariamente em dinheiro, daí certas fórmulas encontradas para a utilização do trabalho compulsório de comunidades indígenas, como retribuição devida por morar numa propriedade pertencente ao branco.
Da mesma forma era motivo para o índio retribuir com serviços aos brancos, a segurança que este lhe oferecia contra índios bravios ou tribos inimigas, ainda que presumíveis, além do nobre ato em tornar cristão o selvagem.
Nos tempos da dominação filipina (1580-1640), em que Espanha, Portugal e respectivas colônias tornaram-se reino unido, recomendou-se não utilizar o índio como mão de obra escrava. Igualmente às demais medidas, também a recomendação espanhola jamais surtiu efeitos em benefício aos povos indígenas.
O alto custo do escravo negro, proibitivo a muitos fazendeiros, aliado à necessidade de mão de obra em quantidade para a sistemática ocupação da terra, tornava necessária a desobediência em capturar índios para servidão na agricultura, pecuária, abertura e manutenção de estradas ou para as razias contra os bravios que insistiam impedir o avanço do homem branco em seus territórios.
Outras leis vieram até que em 1758 foi declarado o fim da escravidão indígena, sob qualquer pretexto, medida excelente não fosse a mesma prejudicada pelas Guerras Justas que, pela Carta Régia de 05 de novembro de 1808, permitia na Província de São Paulo, excepcionalmente, a guerra e escravização indígena de tribos que atacassem os brancos, impedissem o progresso e o avanço civilizacional.
—"Qualquer morador que segurar algum destes Indios, poderá consideral-os por quinze annos como prisioneiros de guerra, destinando-os ao serviço que mais lhe convier" (Carta Régia de 05/11/1808, permissionária para a exceção legal à legislação de 1758).
A Carta permitia os ataques preventivos dos brancos diante da simples presença indígena numa determinada região. Os índios então fugiam e procuravam benevolência de não escravagistas ou de autoridades, civis e eclesiásticas, à medida do possível e desde que aceitos diante de situações desesperadoras.
Fernanda Sposito descreveu as "motivações e impasses presentes no Parlamento brasileiro para a revogação das guerras justas contra os 'índios selvagens' entre 1830-1831" (2003/2006).
Pensou-se em aldeamentos catequéticos.
Em 1829, por recomendação do Conselho Geral da Província de São Paulo:
—"He do dever do Governo fazer aldear e Cathequizar esses Índios, que perseguidos pelos mais valentes e ferozes talvez procurão o nosso amparo, e não chegão a falla por não confiarem na nossa fé. (...). Ainda não temos Lei sobre este importante objecto, e ao Governo pertence dar as Instruções necessarias para se conseguir o fim" (AESP, 1829-1832: 19-20).
Sem qualquer processo resolutivo, os abusos de matanças e capturas do índio para os trabalhos forçados levaram o governo intervir e decretar, mais uma vez, proibida a escravatura indígena no Brasil em 17 de outubro de 1831, sancionada pela Regência Imperial aos 05 de maio de 1832.
A proibição, no entanto, não encontrou ressonância na Província de São Paulo:
—"As necessidades de expansão econômica nas áreas de colonização mais antigas tornam as decisões em relação aos indígenas dependentes da política de terras (...) [e] se caracteriza pela prevalência da opção pela violência e, conseqüentemente, a expropriação da terra, definida na liquidação das aldeias consideradas extintas ou miscigenadas através de lei de 1832" (R.F. Ramos, 1997: Mestrado).
A lei de proteção ao índio, com a proibição da escravização a qualquer pretexto, não impediu sua mobilização para trabalho obrigacional gratuito, no Sertão Paranapanema, dos anos de 1851 até quase o final do século XIX.
Não era complicado burlar a legislação. Muitos fazendeiros mantinham diversas famílias indígenas em suas propriedades, como aldeamento particular protecionista, para com isso obter do índio a retribuição legalmente admitida, ou seja, o trabalho obrigacional gratuito, portanto não eram oficialmente escravos.
No Censo Brasileiro de 1872, os índios aldeados em fazendas particulares no Vale Paranapanema não foram contados cativos e nem calculados livres, às exceções dos aculturados e caboclos - os miscigenados brancos com índios.
Sob todos os aspectos a mão de obra indígena era barata, quase sem custos com alimentação, remédios, vestimentas, bastando lhes dar espaço de terra para a aldeia e pequenos roçados, cuidados pelas mulheres, pelos velhos e crianças, também responsáveis pela coleta extrativista enquanto os adultos trabalhavam para os brancos.
Algumas das antigas tradições entendiam que o índio perdia sua condição seminômade, mas lhes era preferível tal subjugação que os riscos de enfrentamentos com os brancos, ou obrigados a fugas constantes.
Portanto, os fazendeiros utilizavam a mão de obra indígena em suas propriedades, em regime de servidão, porém declarando-os aldeados ou que viviam pacificamente em suas terras, apenas pagando com serviços voluntários a proteção que lhes eram ofertadas contra inimigos, além da moradia e alimentação.
Os fazendeiros podiam, também, requisitar mão de obra indígena diretamente nos ditos aldeamentos oficiais, como contribuição na socialização e educação do índio, através do trabalho, para sua inserção social, qual seja, torná-lo útil à sociedade.
Existiam outros meios legalmente permitidos para o uso do índio para o trabalho obrigacional gratuito, sem declará-los oficialmente escravos, por exemplo, como medida de segurança, impedindo índios errantes na região que podiam colocar em risco a vida das pessoas brancas ou causas de danos nas propriedades.
A lei vigente facultava-os pela Carta Régia de 05/11/1808, que a despeito de revogada era permissionária para o devido enquadramento; não existindo aldeamentos disponíveis, as tribos aprisionadas eram divididas em grupos e distribuídas entre os fazendeiros interessados.
Ademais, à Carta Régia arrogava-se complementar observância ao 'Aviso de 14 de fevereiro de 1855', qual seja, para as autoridades se limitarem a proteger a população e de empregarem a força no caso, de absoluta necessidade, a bastar à população branca sentir-se ameaçada, para a pronta ação de aprisionamento ou morte do índio.
Em diversas regiões e ocasiões foi este o argumento utilizado:
—"Á 5 de outubro [1864], á 6 leguas de distancia da freguezia de S. Domingos, do termo de Botucatú, foi acommettida pelos indios aldeados no Salto-Grande, além do rio Paranapanema, a residencia de D. Policena Maria da Luz, resultando serem barbaramente assassinadas oito pessoas, das que ahi residão, e ficarem outras gravemente feridas, inclusivé aquella senhora, e dois filhos seus, de menor idade." (RG BN 1005, 1864/1865: A-63)."
Não há como desqualificar a violência cometida, senão revide de tribo atingida cujos sobreviventes metidos num aldeamento e escravagismo. As tradições lembram esse massacre como vingança indígena contra a família do bugreiro Euzebio da Costa Luz, um dos citados companheiros de José Theodoro de Souza na conquista sertaneja, partícipe de massacres de tribos inteiras.
Outro acontecimento célebre:
—"A poucos dias forão barbaramente assassignados, perto da capela de S. Pedro do Turvo, da freguezia de S. Domingos, o distincto e honrado fazendeiro, Francisco de Souza Ramos, um filho e um genro, ficando gravemente feridos outro filho de Ramos que já falleceu e outras pessoas. Consta que os assassinos forão os indios mansos do aldeamento do Paranapanema; a aprova é que, como refere uma das vitimas que escapou, durante o ataque entretiverão diversas conversações em nosso idioma portuguez, e se achavão vestidos. Agora que estamos em guerra conveniente era que o governo desse autorisação para a policia deste municipio agarras a todo o aldeamento enviando-se depois os que tiverem idade propria para a guerra e os mais repartir-se em pequenos lotes por diversas localidades das provincias de Minas e Rio de Janeiro, afim de se civilisarem e tornarem-se cidadãos uteis, por isso que pela civilisação que tiverão apenas se tornarão vadios, ladrões e assassinos, e muito fataes tem sido aos que se tem entranhado mais para o interior, pois as catastrophes se repetem de mez em mez." (Diario de São Paulo, 26/10/1865: 2).
O destaque da notícia foi a morte de Francisco de Souza Ramos, irmão de José Theodoro de Souza, e, com o tempo e as tradições sertanejas, muitos acreditam que a vítima tenha sido o pioneiro-mor e não o seu fraterno.
Perseguidos, os índios também contra-atacavam:
—"O municipio de Santa Cruz do Rio Pardo, que já este anno foi theatro das correrias de indios bravios, acaba de ser invadida por um bando d'esses selvagens, que immolaram em cruel hecatombe 14 vidas, estragando plantações e gado!" (RG, BMIP 1022, 1878/1878: 58).
As notícias chocavam:
—"Este anno [1878] os índios de CamposNovos, por três vezes, atacaram trabalhadores e proprietários do município de Santa Cruz do Rio Pardo." num assunto prosseguinte "Os índios de Campos-Novos, consta-me que já conhecem e fallam o nosso idioma; e accossados como vivem por algumas raças selvagens e inimigas, com muito pouco esforço são capazes de estabelecer relações que os tirem d’aquella vida nômade, augmentando a prosperidade do lugar." (RG. BMIP 1022, 1878/1878: A 15-16 - Incursão de Índios).
À página 16 do mesmo documento, o Governo incentivava:
—"Considero indispensavel, sob um duplo ponto de vista, ensaiar algumas providencias para attrahir os índios mansos que erram n’aquellas regiões; e, na proximidade em que elles se acham dos povoados, e so converter em aldeamentos regulares os campos em que elles se convervam sem aproveitar as forças da natureza. (...). A civilização offerece meios e torna obrigatória a conquista desses habitantes do deserto." (RG, BMIP 1022, 1878/1878: A 15-16).
José Antonio de Paiva Junior, pelos lados de Conceição de Monte Alegre [Fazenda São Mateus, região de atual Paraguaçu Paulista], conta sua participação num massacre aos Otis que, graças narrativa de Curt Nimuendajú [Kurt Unkel] se tornou documento histórico:
—"Uns sessenta homens armados até os dentes, numa manhã de nevoeiro, quando os Otis ainda dormiam, assaltaram a aldeia mais próxima na cabeceira do Córrego da Lagoa, afluente da margem direita do Sapé (...). Foram barbaramente assassinados sem distinção de idade ou de sexo (...). É difícil saber-se o número de Otis chacinados (...). Afirma José de Paiva, que tomou parte no feito, que os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade." (Tidei Lima, 1978: 135-136). E o Governo, naquele seu mesmo Relatório, fala dos "horrores da parte dos índios quando executam feroz e premeditada vingança."
Criaram aldeamentos, e neles a presença da Igreja, desde o Regulamento das Missões em 1845, responsável pela catequese e civilização dos índios, além de sua transformação em mão de obra livre a ser usada pelos proprietários de terras. Deveria ser livre, mas não foi.
Do ponto de vista da Igreja, oficialmente, nas fazendas, os índios recebiam em troca dos serviços a alimentação, o pouso e a segurança contra inimigos, além da educação cristã e do aprendizado trabalhista, como forma despretensiosa do branco colaborar na manutenção do aldeamento. Por seu turno, os fazendeiros preferiam índios catequizados que o selvagem, como mão de obra, indo buscá-los nos aldeamentos, já domesticados e preparados para o servilismo.
Nisto se pode ver o Clero por inspirador escravocrata, nos relacionamentos entre os fazendeiros e padres, em busca de fórmulas alternativas, como a utilização do trabalho compulsório gratuito de comunidades indígenas, obviamente para aquela mesma eficácia espiritual de salvação.
No ano de 1857, referindo-se ao exercício anterior, o Governo de São Paulo informa:
—"Em officio de 30 de Maio do mesmo anno, o Padre Tristão Carneiro de Mendonça, representou à Presidencia, expondo diversos actos de violencias praticadas contra os indígenas de Baurú e Paranapanema. Ouvindo immediatamente o dito Director Geral, informou-me elle que taes violencias se não davão, negando a exactidão das informações prestadas por aquelle Sacerdote." (RG U 1090, 1856/1857: 11-12).
Na província paulista existiram diversos núcleos de proteção ao índio, os Aldeamentos, em localidades litorâneas, próximos à capital e outros espalhados pelo interior, servindo para a região, no Vale Paranapanema paulista, os aldeamentos São João Batista do Rio Verde [futura Itaporanga] - desde 1845, o de São Sebastião do Tijuco Preto [onde atual Piraju] datado de 1854, o de Salto Grande instituído em 1862.
Os aldeamentos em João Batista do Rio Verde e São Sebastião do Tijuco Preto, desde o princípio, se mostravam com população já excedente e somente com índios egressos do Mato Grosso [ao sul], do Paraná, do leste do Paraguai e do nordeste da Argentina, 487 deles instalados em Rio Verde e 210 para o Tijuco Preto (Tidei Lima, 1978: 88).
Nenhum índio da região estava aldeado neles, aliás, à exceção Caingangue, praticamente não mais existiam outros índios por estes lados, exterminados por José Theodoro e bugreiros.
Uma farsa. Relatório do Governo de 1881 - Diretoria Geral do Índio, sobre catequese e aldeamentos, diz que:
—"O Director-Geral, declarando que só existem realmente 2 aldeamentos, o de São João Baptista, no município de Rio-Verde, com 60 indígenas, e o de Itarery, no município de Iguape, com 10, propõe a extincção dos aldeamentos puramente nominaes, e a creação de um no município de Faxina, outro no de Botucatu e um terceiro no de Lençóes." (RG, BN 1025, 1881/1881: 59).
Percebe-se disparidade numérica entre o real e o oficial de quantos indígenas efetivamente matriculados, a sugerir o mercado de escravos em funcionamento. Segundo o autor Giovannetti, o coronel Francisco Sanches de Figueiredo, da região de Campos Novos, "trouxe para sua fazenda vários índios, talvez com o fim, de civiliza-los encaminhando-os para os trabalhos agrícolas (...) foi um sertanejo de invulgar valor." (1943: 2 - notas).

2. Os escravizadores e as revoltas indígenas
O coronel Sanches era sistemático escravizador e matador de índios, com um núcleo na fazenda Matão, onde hoje município paulista de Palmital, e outro em Campos Novos Paulista onde instalado um viveiro de cativáveis, segundo as tradições, mercado livre de venda de índios à disposição dos interessados.
Os autores regionais José Jorge Junior e Leoni Ferreira, entre outros, mencionam índios aldeados em terras de fazendeiros, mas, igualmente a Giovannetti, sem lhes dar o caráter escravagista. A escravidão e matança indígena ainda constrangiam famílias nos anos de 1970.
Existiram outros aldeamentos no Paranapanema, do lado paranaense, que atendiam fazendeiros paulistas, necessitados de mão de obra indígena, sendo eles: São Pedro de Alcântara, de 1855, levantado à margem do rio Tibagi, onde a atual localidade de Jataizinho, e o São Jerônimo da Serra, em lugar de igual nome, no ano 1859, à margem do rio Tigre, afluente do Tibagi.
Jorge Junior cita o fazendeiro João Vieira, senhor de índios catequizados em São Pedro de Alcântara (Jorge Junior, edição de 19/11/1967). 
Alguns fazendeiros possuíam tribos inteiras de indígenas em seus domínios, destacadamente o capitão Francisco Sanches de Figueiredo, Fazenda Matão, onde hoje município paulista de Palmital, e as famílias Paiva e Alvim na localidade denominada Aldeia, na confluência de suas posses às margens do rio São Mateus, atual município de Paraguaçu Paulista (Giovannetti 1943: 58).
Oficialmente, nas fazendas, os índios recebiam em troca dos serviços a alimentação, o pouso e a segurança contra inimigos, além da educação cristã e do aprendizado trabalhista, como forma despretensiosa do branco colaborar na manutenção do aldeamento. 
Salvador Ortiz de Oliveira, por citações familiares do autor Celso Prado, descendente daquele pioneiro, empregava indígenas residentes como mão de obra em suas fazendas na região do Sapé em Conceição de Monte Alegre.
Antonio Alves Nantes foi casado com índia Oiti e sustentava uma tribo em sua propriedade, para serviços gerais nas lavouras e guerra aos Caingangues (Nantes, CD: A/A, 2008/2009).
Os fazendeiros mais abastados do Vale Paranapanema, quase todos, foram escravocratas mantendo índios em suas fazendas para o trabalho servil, a exemplos das famílias Caetano da Silva, Pereira Alvim, Andrade, Nantes, Ortiz de Oliveira, Paiva, Pontes, Reis, Salles, Santos, Soares e Souza, entre outras.
Os aldeamentos indígenas em fazendas particulares não eram as políticas de governo, apenas situações toleradas, ainda que criticadas por pressões internacionais contrárias à escravização de índios nas fazendas, e denunciadas pela Igreja face aos excessos de violências, às vezes dizimações de tribos inteiras. Mas o governo simplesmente não podia encerrar uma prática economicamente viável aos fazendeiros, e a solução estaria mesmo em abrir aldeamentos oficiais.
Havia um grande interesse em aldear índios, a falta de braços para o trabalho
—"(...) 'reduz as vantagens da producção e faz recear pelo futuro do paiz.' - reclamam os fazendeiros e os refletem o Governo da Província: 'O serviço de catechese deve ser mantido em certos lugares com um duplo fim: tornar úteis á sociedade homens que vivem ociosos e garantir a segurança pessoal dos habitantes de lugares como Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo, Capella de Campos Novos, Lençóes e outros que, neste ponto, parece que estão fora de comunhão'." (RG, U 1131, 1882/1882: 58).
Com esse objetivo o juiz de paz de Santa Cruz do Rio Pardo denunciou presenças de índios nas matas do Alambari, Pardo e Turvo, a importunar os brancos, pedindo prontas soluções, ou seja, metê-los num aldeamento e assim transformá-los homens trabalhadores à disposição dos fazendeiros. A autoridade sugere um aldeamento na região de Bauru.
Uma terceira finalidade embutia-se na questão de se "garantir a segurança pessoal dos habitantes" (RG, U 1131 de 1882: 58), cujo significado encontra-se mais bem expressado nas propostas do deputado Emygdio José da Piedade, da tribuna da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, em se fazer aldeamentos na Comarca de Lençóes - Lençóis Paulista:
—"Assemblea Provincial - 23ª sessão ordinaria, 23 de Fevereiro de 1882
Entra em 1ª discussão o projecto de nº 146 de 1880, creando dois aldeamentos de cateche... de indios, na comarca de Lençoes.
O sr. Piedade: - (ilegível) mais selvagens como os coroados e outras tribos ferozes.
(ilegivel).
Esta limitação, traz falta dos recursos naturaes que ellas tinham á sua disposição, e que hoje escapam rapidamente, é o que succede! Os indios (ilegível) ás criações dos moradores que temerariamente se tem collocado á aqueles terrenos, e o que tem conquistado áquelles selvatticos habitantes. D'ahi tem resultado grandes prejuizos aos moradores, que muita vezes são victimas, e represalias d'estes contra aquelles, ceifando viddas que poderiam ser aproveitadas.
O projecto autorisa ao governo a providencia sobre aldeamento e catecheses.
Não será difficil este serviço, desde que o governo estabeleça em ponto determinado, para o aldeamento e meio que attraiam os indios. Elles serão chamados ao estado de sociedade, poderá prestar bons serviços e servirão de guarda á população contra a incursão dos habitantes bravios d'aquelle desconhecido sertão, que fazem estragos com a menor resistencia.
Resido em Santa Cruz do Rio Pardo à cerca de 6 anos. Durante o periodo, á excepção do anno passado, foram victimas muitas pessoas. Em 1880, de uma só ves assaltaram a lavoura de um daquelles moradores e mataram uma familia composta de 15 pessoas. Pouco depois assaltaram outro roçado e mataram 9 pessoas, e assim em diferentes tempos e lugares, fizeram sempre grande numero de victimas.
O aldeamento destes indios, nas condições expostas é um proveito duplo! Chama-os ao gremio social modificando os seus costumes pelo trabalho, e tornando-os garantia contra a aggressão dos selvagens a que me referi. Entendo, sr, presidente, que a assemblea deve autorisar o governo a attender a este serviço, embora pese alguma cousa no orçamento. Se temos outras despezas e serviços a que attenderemos com liberalidade, não devemos (?) lamentar (?) o emprego de qualquer quantia em uma obra de civilização qual de catechizar em grande numero de infelizes que vivem errantes sem vantagens para alli com prejuizos da sociedade."
-(Correio Paulistano, Ano XXVIII nº 7596, 20 de março de 1882: 1).
A proposta ou defesa absurda do deputado santa-cruzense, Emygdio José da Piedade, consistia no uso da mão de obra indígena, para o 'prestar bons serviços', e ser a garantia contra agressões de outros índios, ou seja, a valia do índio amansado contra o índio bravio.
Ainda em 1882 o juiz municipal, Antonio José da Rocha, comunicava a perigosa presença indígena em Santa Cruz do Rio Pardo, e requeria providências do Governo da Província junto à Diretoria Geral do Índio, recomendando aldeamento no próprio Termo.
Óbvio que as sugestões de aldeamentos consistiam em capturar e 'tornar úteis a sociedade homens que vivem ociosos', assim fazê-los tementes a Deus, pacíficos, civilizados e doutrinados à obediência servil para obrigacionais gratuitos. Juízes e fazendeiros interatuam-se.
Nestas circunstâncias, como real conjunto de soluções para se burlar a legislação a respeito da escravização indígena, os preadores tornaram-se elementos de convencimento ao índio aldear-se, cabendo ao administrador do aldeamento repassá-lo aos interessados em colaborar com a instituição, na educação e profissionalização do bárbaro, com isso a evitar extermínios ou guerras desiguais entre indígenas e fazendeiros, destarte a mascarar o tráfico de mão de obra escrava nativa, 'proibida por lei'.
Os aldeamentos oficiais no Vale Paranapanema se transformaram em viveiros de cativáveis e depósito de valetudinários, os primeiros entregues ao servilismo sem nenhum critério ou pudor, os seguintes apenas os velhos caquéticos, os doentes e os inutilizados.
Os índios regionais postos para o trabalho servil eram descendentes de destroços tribais e índios Xavantes, de natureza pacífica e trabalhador, além de numerosos, sumamente úteis ao trabalho.
Além da escravização, contra os índios cometiam-se excessos. Relatório do Governo de São Paulo, de 1886 atestava crítica a presença indígena na região e solicitava mais aldeamentos para os indígenas:
—"Em assumpto de catechese e civilisação dos Indios, infelizmente ainda está tudo por fazer. O Brigadeiro Director Geral dos Indios insiste na conveniencia de serem fundados novos aldeamentos dotados dos necessários meios, em Lençóis, Botucatu e Campos-Novos do Turvo, onde há excellentes terras de cultura e onde, errantes, vagam para cima mais de mil índios Xavantes e Coroados, em sertão de mais de 30 leguas." (RG, BN 1031, 1886/1887: 28).
A 'Missão Catequizadora', na localidade de Campos Novos, somente surgiu em maio de 1888. Quatro anos depois se pretendeu um sistema de aldeamento oficial religioso, também para Santa Cruz do Rio Pardo.
Em maio de 1902, Padre Lavalle deixou São Paulo acompanhado de frei Daniel de Santa Maria, frei Boaventura de Adeno, o leigo Paulo de Sorocaba e o ex-carmelita padre Francisco Savelli. Lavalle, decidido fundar um Núcleo Capuchinho para Santa Cruz do Rio Pardo, aonde chegou em junho de 1902, sendo repelido pelos habitantes do lugar, quanto aos seus propósitos, porque o município não tinha índios agrupados, nem interesses em meter-se com os Caingangues.

3. A verdade acerca dos aldeamentos oficiais
Em 1839 o Instituto Histórico da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional pretendeu a criação de um sistema de proteção ao índio, com fundamentos em ideias de José Bonifácio de Andrada e Silva, de que a religião cristã e a cultura do ocidente industrializado poderiam ser impostas aos hábitos e costumes dos indígenas, conceitos estes a se locupletarem com o pensamento de um dos fundadores do próprio Instituto, o Cônego Januário da Cunha Barbosa, para quem os nativos, devidamente instruídos, seriam aos poucos introduzidos ao mercado de trabalho livre e remunerado, regular e disciplinado, em condições, portanto, de satisfazer as exigências do capital apoiado no industrialismo nascente.
Foram três os mais importantes projetos de política indigenista no Brasil de 1758 a 1838: o Diretório Pombalino, o Projeto de Moniz Barreto e o Plano Catequético de José Bonifácio de Andrada e Silva, este então feito prevalente e no qual fundamentado referido Instituto que em 1847 passou denominar-se Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil.
Sob tais aspectos todos os núcleos firmar-se-iam conforme estatuído pela Diretoria Geral do Índio, decorrente do Estatuto denominado Regimento [Regulamento] das Missões, pelo Decreto Imperial de 1845, cujo responsável em cada Província era de livre nomeação do próprio Imperador, cabendo ao Presidente da Província as nomeações dos Diretores de Aldeamentos.
Criaram-se os aldeamentos e neles a presença da Igreja como a responsável pela catequese - sinônimo de civilização aos índios, além de sua transformação em mão de obra livre a ser utilizada pelos proprietários de terras; deveria ser livre, mas não foi.
Na Província de São Paulo quase de imediato surgiram os primeiros núcleos de proteção ao índio, inicialmente em regiões litorâneas e próximos à capital, depois, a pedido de João da Silva Machado - Barão de Antonina, também no sudoeste paulista, sendo o primeiro deles na localidade de São João Batista do Rio Verde [futura Itaporanga], fundado com o mesmo nome em 1845, para o qual designado diretor o frei capuchinho italiano, Pacífico de Montefalco, auxiliado por outros dois freis italianos, Galdêncio [Gaudêncio] de Gênova e Ponciano de Montaldo.
Para o Aldeamento São João Batista, assentado em 800 alqueires de terras, pensou-se na catequese ao índio e sua transformação em agricultor, como mão de obra livre no próprio aldeamento.
Quase uma década depois, com a matança indiscriminada de índios, em consequência da entrada do homem branco ou civilizado no Sertão Paranapanema, para adiante da Serra de Botucatu, fez surgir oficialmente o aldeamento de São Sebastião do Tijuco Preto, nas proximidades da atual Piraju, em 1854, na propriedade de [José] Joaquim Alves Machado, então nomeado seu primeiro Diretor, recebendo do Governo a importância inicial de 400 mil réis para implantação do dito núcleo (APESP - Arquivo Público do Estado de São Paulo, Anais da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, 1857: 238).
O Aldeamento em Tijuco Preto, nos primeiros anos não tinha padre efetivo em seus quadros, apenas os visitadores ou intermitentes vindos do aldeamento de São João Batista.
Dois anos após o levantamento do Tijuco Preto, o primeiro alarma ao governo da província, que este aldeamento e o de São João Batista do Rio Verde apresentavam população acima da capacidade, porém tão somente com índios egressos do Mato Grosso - ao sul, Paraná, do leste do Paraguai e nordeste da Argentina, com 487 [quatrocentos e oitenta e sete] deles instalados em Rio Verde e 210 [duzentos e dez] para o Tijuco Preto (Tidei Lima, 1978: 88). Nenhum índio da região estava aldeado neles.
Esta distorção significava aqueles aldeamentos transformados em importadores de índios de outras regiões então feitos cativos, aldeados e disponibilizados para a escravidão no Vale Paranapanema.
Outros aldeamentos foram levantados no Vale Paranapanema, lado paranaense, a exemplos dos: São Pedro de Alcântara, na localidade de Jataizinho - PR, em 1855; Aldeamento Pirapó, também conhecido por Nossa Senhora do Loreto, ainda em 1855; o de São Jerônimo da Serra em lugar de igual nome, no ano de 1859, situado às margens do rio Tigre um afluente do Tibagi; e o de Santo Inácio, em 1862, à margem do Paranapanema, vistos no trabalho de Tadeu Mota, "As colônias indígenas no Paraná Provincial" (Aos Quatro Ventos, Curitiba: 2000).
Esses aldeamentos paranaenses tinham ligações com a Província de São Paulo, pela cessão de índios aldeados aos desbravadores paulistas carentes de mão de obra, qual seja a continuidade descarada da escravidão indígena pelos fazendeiros, com anuência dos padres.
Jorge Junior cita o fazendeiro João Vieira, na região de Conceição de Monte Alegre [Paraguaçu Paulista], como senhor de índios catequizados em São Pedro de Alcântara (Jorge Junior, edição de 19/11/1967).
Relatos familiares de nascidos entre 1880 a 1900 diziam de moradores indígenas vindos dos aldeamentos dos padres do Paraná para o trabalho em propriedades dos fazendeiros.
Os aldeamentos no Vale Paranapanema tinham, portanto, dentre seus objetivos trazerem índios preados de outras regiões para transformarem-se em homens trabalhadores ou soldados à disposição dos fazendeiros.
Os fazendeiros preferiam índios catequizados que o selvagem, como mão de obra, indo buscá-los já domesticados e preparados para o servilismo. Evidentemente os fazendeiros contribuíam financeiramente com o empreendimento.
Os senhores podiam dispor dos indígenas a bel prazer, como objetos de permutas, compras e vendas. Em 31 de setembro de 1885, o policial José Sebastião vendeu a índia Maria ao João Antonio Molitor, Comandante do Destacamento de Santa Cruz do Rio Pardo (Correio Paulistano, 16/09/1885: 2).
Os mestiços, índios e brancos ou índios e negros, também eram escravos, ou submetidos a tal regime, embora pais brancos pudessem evitar esta situação para filhos mamelucos. A despeito da proibição da escravatura indígena desde 17 de outubro de 1831, isto não impediu sua mobilização para trabalho obrigacional gratuito, no Sertão Paranapanema, até o final do século XIX, e mesmo no primeiro decênio dos anos de 1900.
Acontecimentos assim revelavam a legitimação da escravatura proibida e, consequentemente, os abusos praticados pelos senhores mais abastados e que no sertão faziam suas próprias leis, mantendo cativos os indígenas trazidos dos aldeamentos para suas propriedades, onde então espécie de redução particular protecionista para com isso obter do índio a retribuição legalmente admitida, ou seja, o trabalho obrigacional gratuito como forma de escravidão sacramentada. Certas denominadas reservas indígenas em propriedades particulares não eram mais que um barracão aonde amontoado os índios.
Para isto prestavam os aldeamentos de São João Batista e o Tijuco Preto que pelas próprias ações os aldeamentos eram focos de conflitos de índios aldeados contra a vontade, daqueles que não se adaptavam às disciplinas e os muitos que se rebelavam contra a escravização.
Tidei Lima destacou: "Na verdade, desde a sua fundação, na década de 1850, o aldeamento do Tijuco Preto era um foco permanente de tensões" (1978: 96).
Do Aldeamento do Tijuco Preto sabe-se que as verbas públicas, embora autorizadas e remetidas, não chegavam ao destino, os mestres que deveriam ensinar ofícios aos índios não apareciam, e Botucatu, como sede administrativa, era distante e não tinha autonomia para prontas soluções, sujeitando-se a Câmara Municipal aos esclarecimentos e vontades do diretor Alves Machado, que culpava as autoridades da Província.
Justificava-se o Diretor Alves Machado que para evitar flagelos da fome e aliviar ocupações compulsórias das dependências do Aldeamento, os índios considerados úteis eram entregues aos fazendeiros que também levavam, por empréstimos, as ferramentas e utensílios de trabalhos que quase nunca retornavam.
O vereador botucatuense Claudino Ferreira, no ano de 1861, denunciou Alves Machado às autoridades provinciais, feitas "suas prevaricações em proveito próprio (...) prepotência que nos seus negócios poim em pratica" (Apud Donato, 1985: 109). Os pares de Claudino expressaram o mesmo sentimento.
Os índios evidentemente evitavam e fugiam daqueles núcleos, porque neles podiam ser requisitados para serviços obrigacionais nas fazendas, como parte educativa à sua inserção social e econômica no universo capitalista do branco, o que em verdade tratava-se de escravização.
De maneira igual os temia o aldeamento porque muito deles, postos para o trabalho, eram mortos a mando dos requisitantes, sob as desculpas de tentativas de fugas ou de rebeliões provocadas, quando na realidade seriam atos de vinganças dos ataques indígenas anteriores, que teriam vitimado parentes, amigos ou agregados de algum dos fazendeiros.
Os evadidos, mesmo aqueles disponibilizados nas fazendas fortemente guardadas, perambulavam pelas matas sem nenhuma disciplina, atazanando os brancos nos furtos de pequenas montas e alguns incêndios provocados, situações agravadas à medida das represálias.
Por conseguinte, índios nas matas representavam perigos constantes aos brancos e empacavam o progresso, e foram muitos e sanguinolentos os confrontos entre os silvícolas e os brancos, em razão do que as famílias não chegavam.
A despeito dos problemas detectados no Aldeamento de Tijuco Preto e São João Batista, as autoridades acreditavam nessa política para a solução dos problemas indígenas aos brancos, vista como fórmula ideal para o selvagem receber a disciplina e a cristianização e tornarem-se úteis à civilização.
Em 1855 o Governo Imperial autorizou a Ordem dos Capuchinhos a fundar e administrar o Aldeamento de São Pedro de Alcântara, próximo às edificações do forte militar erguido às margens do Tibagi, onde hoje a cidade de Jataizinho, estado do Paraná, que bem serviria à província paulista.
Para este aldeamento:
—"Os missionários introduziram - por meio da escola e do trabalho - valores de natureza igualitária e universal, investindo na criação de uma linguagem de mediação, rapidamente incorporadas pelas lideranças e indivíduos das diferentes etnias que ocupavam a posição de agentes no contato das sociedades indígenas com a sociedade nacional" (Amoroso, 1999: ANPOCS).
No Aldeamento de São Pedro de Alcântara havia três aldeias distintas que respeitavam as diferenças culturais indígenas. Nelas, os Kaingang, os Kaiowá e os Guarani-Ñandeva foram estabelecidos em formas diferenciadas de utilização dos equipamentos da missão católica e de apropriação dos instrumentos de "catequese e civilização", entre tais uma destilaria de aguardente, dispostos aos índios pelo governo do império (Amoroso, 52º Congresso dos Americanistas, Sevilha, 17-21 de Julho de 2006).
'Relatos Capuchinhos', de autoria de Frei Timóteo de Castelnuovo e outros diretores ou responsáveis pelo Aldeamento São Pedro, diz das instalações das máquinas de serrar madeira, movidas a água, da moenda para cana de açúcar, dos alambiques e outros engenhos para atividades fabris, descrições ratificadas por Telêmaco Borba em sua 'Actualidade Indígena', de 1876, e em pronunciamentos e atos oficiais de Joaquim Faria Sobrinho, Presidente da Província do Paraná (Apud Oliveira Marlene, 2001: art 7).
Tadeu Mota ('O Aço, a Cruz e a Terra: Índios e Brancos no Paraná Provincial 1853-1889', 1998) descreveu o Aldeamento São Pedro Alcântara e como lá vivia o Caingangue (Oliveira Marlene, op. cit.).
Outra grande novidade em São Pedro de Alcântara estava na liberdade dada ao índio, ele podia ir e vir conforme desejasse embora o atrativo maior para o índio aldear-se era, mesmo, o grande empreendimento alambiqueiro de aguardente dentro do próprio Aldeamento (Amoroso, op. cit.). Ponto crítico sem dúvidas, e os resultados não eram satisfatórios sob o ponto de vista dos fazendeiros.
O Aldeamento de São Pedro enfrentou sérias dificuldades com os fazendeiros e posseiros paulistas do Vale Paranapanema, primeiro os índios de destroços que, 'na liberdade do ir e vir', depredavam fazendas pelos caminhos e geravam conflitos para rapidamente colocarem-se sob a proteção dos padres. Depois, as tribos Caingangues que em passagens pelos caminhos entre o Peixe e o Aldeamento, destruíam todos os pertences e realizações dos brancos, ou mesmo vindo atacá-los se vistos isolados ou longe dos povoados.
Ficaram célebres os constantes enfrentamentos entre a família Vieira e tribos Caingangue na atual região de Paraguaçu Paulista, porque os Vieira se estabeleceram nas proximidades ou por onde os caminhos indígenas (Giovannetti, 1943: 68).
A situação era agravada em razão dos demais aldeamentos levantados, Pirapó [1855], São Jerônimo da Serra [1859] e Santo Inácio [1862], aumentadores da população indígena regional com índios apanhados no Paraná e os trazidos do Mato Grosso e outras regiões, pois na liberdade do índio ir e vir perambulavam entre um aldeamento e outro.
Giovannetti apontou caminhos indígenas entre as cabeceiras do ribeirão Laranja Doce ao Aldeamento São Pedro Alcântara que "servia evidentemente de comunicação entre os índios aldeiados da margem esquerda do rio Paranapanema e os da margem direita, espalhados em vários núcleos, entre os quais os da Serra do Diabo e Corredeira do Frade" (1943: 23 e 67).
O mesmo Giovannetti, à página 64, observou "que os selvícolas do rio do Peixe tinham comunicações com os índios localizados na Serra do Mar e, talvez, com as tribus da zona oceânica", portanto constantes as passagens dos índios por terras apropriadas e defendidas pelos brancos, dando causa a certos encontros violentos.
Indiscutível que a liberalidade aplicada no Aldeamento São Pedro de Alcântara contaminou os congêneres e os índios. Destes errantes reclamou ao Governo da Província o vereador botucatuense, Galvão Severino, propondo como solução dos problemas entre índios e brancos, mais soldados para o combate oficial aos selvagens, posicionamento não bem esclarecido se para evitar massacres por parte dos brancos ou de vez arredar os índios. A proposta de Severino não mereceu melhores considerações.
Logo surgiram denúncias mais graves, que hordas selvagens se misturavam aos índios mansos, com estes identificando-se, e passaram atacar com gravidade os povoados e propriedades rurais. As fazendas ficavam vulneráveis, principalmente à noite, quando eram mortas as criações e a agricultura comprometida pelos constantes incendimentos.
Eram os denominados 'magotes', grupos de índios de diferentes etnias ou sem elas, unidos com propósito único em conter o avanço dos colonizadores, com a adoção da regra de ataques preventivos.
Momento singular na história indígena paulista, o Caingangue uniu-se a outras tribos para a formação dos 'magotes' contra o inimigo comum, o homem branco, e depois se escondiam nas matas, cada um para o seu canto até uma nova ação.
As barbáries e mortes provocadas pelos 'magotes' assustavam as famílias pela crueldade, e até os índios mansos optaram pelas práticas de pilhagens e saques com uso de feridade, a aproveitarem-se das confusões deixadas pelos parentes.
Havia preocupação geral. Felicíssimo Antonio de Souza Pereira, representante dos fazendeiros adiante da Serra Botucatu para as regiões de Agudos, Lençóis Paulista e Bauru, denunciou os horrores indígenas ao Governo da Província (APESP, As Cartas de Felicíssimo), propondo as 'entradas' para aprisionamento dos índios nas matas e sua condução forçada aos aldeamentos, para fins catequéticos e depois colocações no trabalho das terras a favor dos fazendeiros.
Suspeitam-se exagerados os relatos de Felicíssimo e a intenção continuava na escravização, agora sob a forma de reparação de danos causados aos fazendeiros. Outra novidade era a busca do autóctone, para os aldeamentos, através das denominadas bandeiras catequéticas.
Desta forma, para burlar a legislação quanto a escravização indígena, os preadores tornaram-se elementos de convencimento ao índio aldear-se, cabendo ao administrador do aldeamento repassá-lo aos interessados em colaborar com a instituição, na educação e profissionalização do bárbaro, com isso a evitar extermínios ou guerras desiguais entre indígenas e fazendeiros, destarte a mascarar o tráfico de mão de obra escrava nativa, 'proibida por lei'.
Todavia, não era fácil entrar nas matarias para capturar índios, e a solução era atraí-los para as pequenas roças feitas pelos fazendeiros em lugares estratégicos de capturas. A prática dessas ações revelou-se ineficaz, pois não aliviava ataques indígenas, não evitava a represália dos brancos e, de mais a mais, os aprisionados eram, em maioria, os velhos, as mulheres, crianças e índios mansos.
Em contrapartida, os Diretores de Aldeamentos reclamavam dos excedentes indígenas como imprestáveis para o trabalho, enquanto rezingavam a insuficiência de recursos e a demora dos repasses por parte do governo, e a Diretoria da Repartição das Terras Públicas e Colonização culpava os tantos estabelecimentos irregulares de aldeamentos, a ausência de projetos e o desvio de verbas.
Em verdade, os índios úteis para o trabalho não se deixavam apanhar facilmente, precisando ser caçados, presos e, quando não mortos ou que lograssem fugas, compulsoriamente aldeados.
O absurdo maior estava na escolha de homens para a direção dos aldeamentos. Felicíssimo, notório matador de índios, era o encarregado de catequese, ou seja, de formar e orientar os aldeamentos, não lhe bastasse o interesse na escravização indígena.
Em 1856 Felicíssimo precisou abandonar às pressas a região de Bauru diante dos ataques indígenas. Prometeu e revidou ferozmente dois anos depois, massacrando silvícolas, assunto explorado pela imprensa e repercussão no exterior, exigindo providências do governo brasileiro.
O sistema de bandeiras catequéticas foi então abandonado e até colocou-se em dúvida a eficiência dos aldeamentos, com o governo imperial a cobrar da província paulista uma política indigenista mais humana e de resultados.

3.1. José Theodoro de Souza, diretor de aldeamento - o contrassenso
Aos 03 de agosto de 1861, pela Lei Provincial de São Paulo foi criado o Aldeamento em Salto Grande, o Itacorá, mas não imediatamente implantado, porque nele se pretendia por Diretor o controverso pioneiro José Theodoro de Souza, afamado exterminador de índios.
A inovação do aldeamento em Salto Grande estava numa ideia já aplicada por Theodoro em suas investidas inaugurais pelo Sertão Paranapanema, ou seja, além do uso de bugreiros na captura e convencimentos de índios aldearem-se, o pioneiro também pretendia valer-se de outros índios, já pacificados e que sabiam andar nas matas, para contatar os selvagens e atraí-los aos núcleos catequéticos visando a doutrinação necessária para tornar o índio útil à civilização, na condição de prestador de serviços obrigacionais.
Documentos de governo dão conta de José Theodoro de Souza, pretendente a Diretor do Aldeamento junto às autoridades sertanejas para obter atestações de sua conduta cidadã, de religiosidade e pacificador de índios, além de suas qualidades como fundador de povoados e abridor de estradas, às próprias expensas, como relevantes serviços prestados à sociedade. Não lhe foi difícil.
Aos 04 de abril de 1863, Padre Andrea Barra, Vigário de São Domingos e Capelão regional, declarou que Theodoro:
—"(...) é um cidadão prestante, sendo civilizado e religioso, tendo coadjuvado no que está ao seu alcance o culto de nossa Santa Religião, como seja as capelas de São Pedro e São João. Além disso, imprime nos ânimos dos indígenas os mistérios da fé católica, fazendo com que eles batizem seus filhos". (...). "Homem filantrópico, sempre pronto a acolher seu próximo necessitado, doando de suas terras cultivadas e proporcionando trabalho àqueles que precisam, como atualmente está fazendo com vinte e tantos indígenas grandes e pequenos em sua fazenda nas margens do rio Novo" (ALESP, 64.22.5).
Também assinaram documentos a favor de Theodoro, para abertura e funcionamento do aldeamento Salto Grande, entre outros os seguintes cidadãos: Antonio Alves Nantes, 2º suplente de subdelegado de polícia de São Domingos (ALESP, EE.64.22.4); o tenente-coronel Francisco Dias Baptista, da Guarda Nacional da Freguesia de São Domingos (ALESP, EE.64.22.6); o 1º suplente de subdelegado de São Domingos, Ignácio Pereira Nantes, (ALESP, EE.64.22.7), entre outros, incluso abaixo assinado dos fazendeiros moradores do sertão regional, referenciado no mesmo documento (ALESP, 64.22).
De posses dos expedientes que lhe eram favoráveis, Theodoro chegou a grande estilo à Capital da Província, acompanhado de dezenas de índios amansados, dizem que trezentos deles, que o chamavam de Pai, o que muito impressionou indigenistas da época, destacando-se os já citados João Mendes Junior e Joaquim Antonio Pinto Junior (Giovannetti, 1943: 129).
A intenção do pioneiro estava em entregar os documentos, apresentar plano de trabalho e obter aprovação oficializada de seu nome para diretor do aldeamento. Seus serviços seriam gratuitos e o núcleo sustentado com repasses do governo.
A Província vivia então momentos delicados com os massacres indígenas promovidos por Felicíssimo e outros bugreiros na região de Bauru, que ganharam repercussão internacional. Este desastre sem dúvidas fez fracassar os intentos de Felicíssimo com suas bandeiras catequéticas.
O próprio Theodoro também participara de matanças entre Bauru e Campos Novos, aliás, o fracasso de Felicíssimo o levou para aqueles lados, porém, o seu combate aos índios, com ações extremamente agressivas, foram vistas por muitas autoridades como ordem pacificadora. O bugreiro, em pessoa, se colocara diante de todas as autoridades provinciais, acompanhado de alguns 'ditos autóctones' e com propostas de se evitar outros sangrentos confrontos entre índios e brancos, na forma de um aldeamento em Salto Grande no Paranapanema - o Itacorá, onde o próprio Theodoro seria o diretor.
Iniciado o processo de viabilização ou não para a efetiva implantação do Aldeamento Salto Grande, sob a denominação Itacorá, sob a direção de Theodoro, o presidente da Província  fez consultas às autoridades daí as revelações que Theodoro era nome bastante conhecido no Província de São Paulo, controverso e, tal qual os aldeamentos, distante de qualquer unanimidade entre aqueles que decidiam o futuro dos índios no sertão oeste paulista (ALESP, EE.64.22.1).
A Repartição das Terras Públicas da Colonização na Província, instada pelo governo a manifestar-se a respeito, aos 31 de dezembro de 1863 informou sobre:
—"(...) uma representação dos moradores da Freguezia de S. Domingos do município de Botucatu queixando-se á Presidencia da Provincia de hostilidades e depredações que lhes fariam os Indios manços do Salto-grande, sobre a qual informei por Offício nº 38 de 25 de agosto de 1862, - e participações que me fizerão os Diretores dos Aldeamentos de São João Baptista, e Piraju, de que se infere que uma grande parte desses Indios é dos evadidos dos mesmos Aldeamentos, que, recusando o trabalho lucrativo adaptão a uma vida nomade dando-se á caça e pesca e na falta destes recursos lanção mão da rapina" (ALESP EE.64.22.2).
Com a redação acima, a Direção da Repartição das Terras Públicas da Colonização mostrava-se favorável ao Aldeamento Itacorá, em Salto Grande, que estaria bem mais próximo do sertão onde já alcançavam os desbravadores. O plano político daquele Órgão era livrar as áreas férteis da presença indígena para povoamentos e expansão das propriedades, para enfim fazer chegar o progresso naquela última região não desbravada da província.
A Advocacia do Indígena, representado pelo dr. Joaquim Antonio Pinto Junior, que já havia enaltecido Theodoro como protetor dos índios, igualmente manifestou-se favorável ao Aldeamento e faz uma síntese das ações de governo no sertão (ALESP, EE.64.22.3).
A presença de Theodoro na Capital da Província tratou-se de plano urdido para pressionar as autoridades provinciais a favor do aldeamento, conforme esclareceu o Diretor Geral dos Índios, José Joaquim Machado d'Oliveira, em seu expediente de 06 de fevereiro de 1863, então responsável pelos aldeamentos na Província de São Paulo.
Machado d'Oliveira cautelosamente fez suas avaliações sobre os aldeamentos na região do Paranapanema, condenando o sistema de bandeiras e de catequeses leigas recentemente empregadas, e, por fim, alertou quanto ao perigo de implantação do Aldeamento Salto Grande. O Diretor dos Índios pediu ao governo provincial recursos para os empreendimentos já existentes, o de São João Batista e o do Tijuco Preto, que reestruturados seriam suficientes para os ofícios propostos.
No ajuizamento de Machado d'Oliveira era inviável a criação de um aldeamento em Salto Grande, ainda mais sob a direção do sertanista José Theodoro de Souza, contumaz matador de selvagens:
—"Augmentou-se a minha repulsa à criação do projetado aldeamento, ao constar-me que seria nomeado como diretor um homem que, na primeira entrada que fez no sertão de Botucatu, cometeu contra os selvagens as mais horríveis e nunca vistas atrocidades, massacrando a tudo quanto encontrava, sem distinção de sexo e idade, só para assenhorar-se das terras do sertão e em seguida vendê-las aos mineiros que começaram a povoar aquelas matas" (ALESP, EE64.22.9).
Machado d'Oliveira, a despeito de sua indignação resignava-se, contudo, ao fato que Theodoro cativara as autoridades e que a Assembleia Provincial o apoiava e até reservara importância maior no orçamento para aplicar no Aldeamento, já em atividade prática desde 1862.
De fato, em 1862 os fazendeiros, preocupados com os avanços e ações dos 'magotes', levantaram e fizeram funcionar o aldeamento Salto Grande do Paranapanema, ainda que sem a oficialidade pretendida, sob a direção de José Theodoro de Souza, já com as primeiras providências, de acordo com Ofício da Câmara Municipal de Botucatu: "(...) os índios foram levados do Aldeamento de Piraju para o de Salto Grande e lá estão sob vigilância gratuita do sertanejo José Soares de Souza, que sendo pouco hábil para isso, tem mantido fortes e robustas chamadas a ordem (...) os índios respeitam e lhe chamam de Pai Velho" (Di Creddo, Terras e Índios (...), 2003: 118).
Ainda que a reconhecer a existência do Aldeamento sob a direção de Theodoro, Machado d'Oliveira não poupou críticas que a ida do pioneiro à capital da Província, acompanhado de índios, estava a tratar-se de manipulação exercida junto aos destroços tribais Caiuás que se fingiram de selvagens. O tal parecer fundamentava-se em denúncia feita pelo frei capuchinho Pacífico de Montefalco, do Aldeamento São João Batista, ao Diretor Geral dos Índios:
—"Os índios que moram no Salto-Grande em parte são deste aldeamento, e parte são daqueles que vieram do Jataí em 1852 [1862], os quais são todos batizados, e casados em parte. Aqueles que são deste aldeamento, o capitão deles é um índio chamado José de Camargo, o qual é nascido, batizado, e casado neste aldeamento, e o ano passado foi apresentado com os outros Capitães dos sobreditos do Jataí a essa Presidência como bravos, que bela especulação!!! E lá para essa Cidade até ficaram pintados." (Amoroso, 1999: 138-139).
Para o frei Montefalco a verba do Governo de São Paulo para as Catequeses estava sendo alocada para os novos Aldeamentos estabelecidos no lado paranaense, província desligada de São Paulo, aos 29 de agosto de 1853 (Lei Imperial 704), em detrimento ao núcleo São João Batista que então vivia a economia do 'lençol curto'.
Montefalco, num típico serviço de espionagem, mencionou a situação real vivida pelo Aldeamento de Salto Grande:
—"Eu tenho mandado Índios de minha confiança ao tal Salto-Grande, para ver, especular o que eles lá fazem, e o que o Governo lhe dissera. Os próprios contaram-me que aqui em S. João (Batista da Faxina), o governo não dá coisa alguma à vista dos de lá, e quando (estes) vão em São Paulo V.Exa e o Governo dizem a eles voltem para S. João arranjem-se com o vosso Padre, e no Salto-Grande o Governo dá ferramenta, roupas, espingarda, rosários. Eles sabem que em S. Jerônimo (Paraná), Jataí, Pirapó, o Governo dá tudo o que é de absoluta necessidade, e que por isso lá tem assalariados escravos da Nação. E roupa [ ], e até correio. Eles sabem que a Assembléia Presidencial orça todos os anos uma quota para eles, porém aqui em S. João fala-se só de promessas, e nada vem, passa um ano, passa outro e assim todos os anos vão em promessas, e para essas promessas nunca chega o dia desejado" (Amoroso, op.cit).
Tinham razões o Frei e o Diretor dos Índios. O Aldeamento em Salto Grande, ainda que não oficialmente reconhecido, funcionava e recebia atenções especiais da Assembleia Provincial, aumentando-lhe a verba de custeio sessão legislativa do dia 03 de maio de 1862 (ALESP, Publicações Oficiais de Sessões Legislativas, sessão legislativa de 03/05/1862).
Machado d'Oliveira, por supedâneo nas denúncias de Montefalco, informou ao Governo da Província que 60 (sessenta) índios do Aldeamento de Pirapó, Província de Paraná, liderado pelo intitulado chefe tribal Candido Venite, pretendiam [e conseguiram] suas transferências para o aldeamento de Salto Grande, assim como os aldeados de São Jerônimo da Serra, em Jataí [PR], que também foram transferidos para Salto Grande. Estas transferências, para o Diretor, não resolviam os problemas dos índios nas matas paulistas, e somente aumentavam as despesas do governo.
Hoje não se tem dúvidas que tais índios, os Caiuá do Aldeamento de Pirapó, foram usados para atrair indígenas não apenas do Vale do Paranapanema, os bravios, mas seduzirem aqueles dos aldeamentos do Paraná e das partes do Mato Grosso, recrutados para uma guerra em curso entre os desbravadores do sertão paulista e o Caingangue. Nisto os verdadeiros propósitos de Theodoro com o aldeamento Salto Grande, em recrutar índios vadios e os aldeados para os serviços de guerras aos Caingangues que impediam avanços dos brancos adiante de Campos Novos.
Porém, com a Guerra da Tríplice Aliança e chegadas de milhares de mineiros fugindo do recrutamento e ávidos por terras, o Caingangue e índios bravios foram forçados ao recuo para outras regiões aonde o homem branco ainda não chegara.
Assim, para Theodoro e os fazendeiros, já não era preciso qualquer aldeamento para recrutar índios para guerrear contra índios, pois que dentre os mineiros chegadores ao sertão, de 1865 em diante:
—"(...) muita gente se dedicou ao serviço de matar índios e muitos indivíduos vangloriavam-se das façanhas praticadas e dos montes de cadáveres que fizeram (...) na sanha de bater o bugre (...) e procediam impiedosamente. Os naturaes, depois de expellidos da posse de Theodoro (...) que pouco a pouco os immigrantes estavam povoando" (Nogueira Cobra, 1923: 52).
Ademais, índios para a escravização existiam adiante do rio das Anhumas e lados do rio Santo Anastácio, Mato Grosso ao sul e Paraná, bastando apanhá-los.
Em 1866 a Câmara Municipal de Botucatu, prestando contas ao Governo da Província comunicava oficialmente que o aldeamento de Salto Grande, Itacorá, encontrava-se em "total abandono, achando-se os índios entregues a si mesmos, sem direção alguma, senão a própria" (Donato, 1985: 109, citação de documento da Câmara Municipal de Botucatu).
No mesmo documento a Câmara requereu atenções especiais do governo para o Aldeamento de Piraju [Tijuco Preto], para onde acorriam os índios necessitados, bêbados, esmolengos e furtadores.
O Diretor Geral dos Índios, Machado d'Oliveira, em parecer naquele expediente camarário classificou os tais índios como vagabundos que dominam o sertão, acometendo as fazendas "assassinando e roubando os seus moradores, e, o que mais é, provocando lamentáveis represálias de que resultam horrorosas carnificinas" (Donato, 1985: 109).

3.2. Frei José de Loro - Diretor de Aldeamento contrário aos fazendeiros
Segundo Machado d'Oliveira, em seu mesmo despacho, somam-se aos índios egressos do Salto Grande, interessados em Piraju, aqueles do Paraná, cumprindo a ciência que José Theodoro de Souza também foi administrador de um aldeamento na província vizinha (Di Creddo, 2003: 110/111).
Pouco depois, na região de Piraju, índios e fazendeiros ameaçavam-se e a Câmara Municipal de Botucatu precisou intervir juntamente com frei José de Loro, do Aldeamento de Itaporanga [São João Batista do Rio Verde], sob a promessa de levar os problemas diretamente às autoridades da Província e do Império, para assim ganhar tempo com os proprietários de terras para que não atacassem os índios, e nem estes se arremetessem contra os brancos. Pretendiam melhores investimentos do Governo no Aldeamento Piraju.
Enquanto das negociações os índios permaneceram sitiados na Praça da Igreja sob a proteção do frei José de Loro e cercados por homens armados a serviço dos fazendeiros.
A decisão do Presidente da Província paulista, Joaquim Floriano de Toledo, foi mandar aos vereadores botucatuenses que "Hajão de empregar todos os meios ao seo alcance para que os Indios que vagão pelas imediações, se vão reunir no aldeiamento aprontado".
E a Câmara conquistou ainda mais do Governo Provincial, a designação de "um diretor de fama no ofício de lidar com os índios, frei José de Loro", célebre também pelo inventário dos bens relacionados ao assumir o Aldeamento: "uma dúzia de pratos, uma de talheres, não pagos" (Donato, 1985: 109).
A nomeação do frei teria agradado todas as partes, os índios retornaram para o aldeamento, os fazendeiros serenaram os ânimos, porém, "Pouco mais a morte do frei significou novamente a dispersão dos últimos indígenas do município" (Donato, 1985: 109), um acréscimo equivocado do historiador autor.
Assentos eclesiásticos comprovam que o Frei Loro esteve por uns tempos em São Domingos, antes de deixar a Província de São Paulo.
Segundo a antropóloga/historiadora Marta Amoroso, frei José de Loro no Aldeamento de Tijuco Preto:
—"(...) atuou por pouco tempo (...), logo sendo expulso pelos fazendeiros, juntamente com os Kaiowá", nisto a real causa de dispersão indígena, enquanto do frei José de Loro "teve um itinerário não menos instável: esteve em São Pedro de Alcântara, no Paraná, onde se indispôs com Frei Timotheo. Seguiu para o Paranapanema, não conseguindo manter por muito tempo a missão entre os Kaiowá. Foi então para o Maranhão, atuando no Aldeamento de Dois Braços, entre os índios Guajajara, onde no início do século XX mais de uma dezena de missionários capuchinhos foram mortos pelos índios. Frei José de Loro morreu de febre amarela em 1884 na missão no rio Grajaú, Maranhão." (Modesto (Resende) de Taubaté e Fidelis (Motta) de Primerio. 1929, Os Missionários Capuchinhos no Brasil: esboço histórico. São Paulo: Tipografia do Semanário 'La Squilla', 1929; apud Amoroso, 2006: 139, 1º semestre).
A 'Diocese de Grajaú', em Maranhão, por ocasião do seu jubileu, confirma frei José de Loro naquelas paragens:
—"Nesta assembléia eu hoje não poderia deixar de lembrar o virtuoso Frei José de Loro, o primeiro capuchinho que pisou este chão, mais precisamente aqui na Barra do Corda. Era o ano de 1873 quando o intrépido frade capuchinho fundou no lugar denominado 'Dois Braços', à margem direita do Rio Mearim, oito léguas acima da Barra do Corda, uma grande e florescente colônia de índios guajajaras. Ele faleceu em 1882 e seus restos mortais foram colocados, muitos anos depois e ao lado daqueles dos religiosos massacrados em 1901, nesta mesma igreja de Barra do Corda, monumento aos mártires de Alto Alegre" (Discurso de Frei Rodrigo por ocasião do Jubileu (...), documento assinado pelo Frei José Rodrigues de Araújo - OFMCap. Ministro Provincial, 2006).
O equívoco tratou-se que, expulso Loro, Montefalco foi designado no lugar, vindo a falecer pouco tempo depois. Porém o Aldeamento de Tijuco Preto susteve-se mantido pelo Governo Provincial por interesses dos fazendeiros, por mais duas décadas, como viveiro de cativáveis e depósito de valetudinários, os primeiros entregues ao servilismo branco sem nenhum critério ou pudor, pelo mínimo que fosse; por isso os tantos optantes pelas fugas para além do Paranapanema ou matas próximas, ficando para trás apenas os velhos caquéticos, os doentes, os inutilizados e as crianças.

4. A nova estratégia escravagista indígena no pós-guerra com o Paraguai
A onda do abolicionismo da escravidão propagada pelo Partido Liberal entre 1869/1870, inclusive a indígena, ganhou força após a Guerra do Paraguai, mas não se viu diminuir a presença de índios trabalhando como escravos nas fazendas do Vale Paranapanema.
A mão de obra indígena continuava a ser recrutada pelos fazendeiros junto aos aldeamentos para toda sorte de serviço, incrementada com o aumento da população branca no Vale Paranapanema.
A mão de obra indígena não era considerada escrava e sim prestação de serviço voluntário de nativos em troca da alimentação, vestimenta, pouso e segurança. Contudo os abusos denunciados e as constatações levaram as autoridades legalizar, em meados de 1870, a proibição da obrigação prestação de serviço voluntário de nativos no Brasil.
Nestes considerandos, de 1876 em diante não se podia legalmente requisitar índios aldeados, na Província de São Paulo, para prestações de serviços gratuitos ou voluntários, e a ordem era que índio aldeado permanecesse no aldeamento. Tampouco os fazendeiros tinham obrigação de conduzir índios preados até os aldeamentos; isto era dever do governo.
Rapidamente buscou-se outra estratégia bastante simples para ter índios escravizados nas fazendas, a bastar reivindicar aldeamentos oficiais na região, e para isto os fazendeiros comunicavam o judiciário, geralmente juiz de paz ou juiz municipal, sobre a presença de índios errantes nas matas, aterrorizando os brancos, e aí, enquanto da demorada tramitação processual e decisão de governo, o fazendeiro obtinha a autorização prévia para capturas legalizadas e a manutenção e educação do índio aprisionado através do trabalho.
O governo se tivesse pressa, que mandasse tropas buscar os índios onde aprisionados e os conduzisse aos aldeamentos, sem nenhum registro que isto tivesse acontecido.
Não existindo aldeamentos disponíveis, as tribos aprisionadas eram divididas em grupos e distribuídas entre os fazendeiros interessados.
Nos relatórios do Governo Provincial à Assembleia Legislativa de São Paulo explicitou-se:
—"Este anno [1878] os índios de Campos-Novos, por tres vezes atacaram trabalhadores e proprietarios no municipio de Santa Cruz do Rio Pardo" num assunto prosseguinte "Os indios de Campos-Novos, consta-me que ja conhecem e fallam o nosso idioma; e accossados como vivem por algumas raças selvagens e inimigas, com muito pouco esforço são capazes de estabelecer relações que os tirem d'aquella, augmentando a prosperidade do logar" (RG, 1022, 1878, Incursão de Indios, 1878: A-15).
À página 16 do mesmo documento, o Governo sugeria:
—"Considero indispensável, sob um duplo ponto de vista, ensaiar algumas providencias para atrahir os índios mansos que erram n’aquellas regiões; e, na proximidade em que elles se acham dos povoados, e so converter em aldeamentos regulares os campos em que elles se conservam sem aproveitar as forças da natureza. (...). A civilização offerece e torna obrigatoria a conquista desses habitantes do deserto" (RG, 1022).
O que se observou doravante foram os aumentos de registros de fugas de índios aldeados, sem dúvidas uma farsa, pois em verdade continuava região, como se pode comprovar através do manuseio da documentação referente ao período pesquisado.
Havia interesses de proprietários e do governo em manter índios nas fazendas do Vale Paranapanema, pois que a falta de braços "reduz as vantagens da producção e faz recear pelo futuro do paiz" - reclamam os fazendeiros e os reflete o Governo da Província: "O serviço de catechese deve ser mantido em certos lugares com um duplo fim: tornar uteis á sociedade homens que vivem ociosos e garantir segurança pessoal dos habitantes de lugares como Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo, Capella de Campos-Novos, Lençoes e outros que parece que estão fora de comunhão" (RG U-1131, de 1882/1882: 58).
Com esse duplo fim, o Juiz de Paz de Santa Cruz do Rio Pardo denunciou presenças de índios nas matas do Alambari, Pardo e Turvo, a importunar os brancos, pedindo prontas soluções, ou seja, o governo metê-los num aldeamento e, assim, transformá-los em homens trabalhadores à disposição dos fazendeiros. O Juiz sugere um aldeamento na região de Bauru.
Ainda em 1882 o Juiz Municipal do Termo de Santa Cruz do Rio Pardo, Antonio José da Rocha, comunica perigosa presença indígena no lugar, e requer providências do Governo da Província junto á Diretoria Geral do Índio, recomendando aldeamento no próprio Termo.
Óbvio que as sugestões de aldeamentos consistiam capturar índios e mantê-los nas fazendas com o fim de "tornar úteis à sociedade homens que vivem ociosos". Juízes e fazendeiros interatuavam-se.
São expedientes processuais jurídicos, de reivindicações e de pronunciamentos políticos que identificam atitudes de prevalência dos dominadores sobre os grupos indígenas.
Alguns fazendeiros paulistas traziam índios capturados na Província do Paraná. Relatos dão conta dos avanços predatórios do coronel Sanches no lado paranaense. Padre Maurílio Marques (2009: 26), citando dr. Helcio Bonini Ramires afirmou: "O Sanches Figueiredo chegou até o sertão de Paranavaí, PR."
O coronel Sanches em 1884 resolveu questionar a liberalidade do Aldeamento São Pedro de Alcântara, pelos problemas provocados pelos índios no lado paulista, naquela liberdade e entrar e sair do núcleo conforme entendessem.
A preocupação maior estava que os Caingangues radicados nas províncias do Paraná e São Paulo estreitavam relacionamentos, sendo os paranaenses aldeados e os paulistas selvagens. Tribos da mesma etnia uniam-se e praticavam crimes violentos ressuscitando o tempo dos magotes.
O já todo poderoso coronel Sanches, ante os reclamos dos fazendeiros, posseiros e de seus próprios agregados, resolveu a solução pelas razias e dadas, levantando sentinelas ao longo do Paranapanema com a estratégia de não deixar o índio transpô-lo para se socorrer junto ao Aldeamento.
Os objetivos dos padres estavam em evitar massacres indígenas na região, pelas notícias que lhes chegavam, sem descartar intermediação do governo de São Paulo, alarmado pelas carnificinas promovidas pelo coronel Sanches, em solicitar a intervenção capuchinha. Não se podem descartar exigências do coronel que religiosos e políticos resolvessem de vez a situação, sob pena de invadir e destruir o Aldeamento São Pedro, por lá acoitar índios assassinos.

4.1. A presença dos padres capuchinhos
Os envolvidos sabiam que o coronel Sanches tinha condições para ao menos iniciar a bravata, com a agravante possível de fazer espalhar a guerra contra o índio por todo o Vale Paranapanema e do Peixe até as ribas do Paraná. O governo da Província de São Paulo recorreu ao Comissário da Ordem dos Capuchinhos para evitar novos massacres como aqueles realizados indiscriminadamente na região do Paranapanema, resolvendo os padres negociar diretamente com o coronel e organizar um Aldeamento em Campos Novos.
O Aldeamento São Pedro, desde então, perdeu sua importância e, em 1895, encerrou suas atividades. Sobrevivera por quarenta longos anos, enquanto o de Pirapó não foi além de 1862, o de Santo Inácio em 1878, enquanto o de São Jerônimo funcionou até 1920, após sessenta e um anos de atividades.
As matanças de índios retornaram violentas. José Antonio de Paiva Junior, pelos lados de Conceição de Monte Alegre [Fazenda São Mateus, região da atual Paraguaçu Paulista], conta sua participação num massacre aos Otis que, graças narrativa de Curt Nimuendaju [Kurt Unkel] se tornou documento histórico:
—"Uns sessenta homens armados até os dentes, numa manhã de nevoeiro, quando os Otis ainda dormiam, assaltaram a aldeia mais próxima na cabeceira do Córrego da Lagoa, afluente da margem direita do Sapé (...). Foram barbaramente assassinados sem distinção de idade ou de sexo (...). É difícil saber-se o número de Otis chacinados (...). Afirma José de Paiva, que tomou parte no feito, que os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade" (Tidei Lima, 1978: 135 -136).
Contrassenso, e o Governo, naquele seu mesmo Relatório, fala dos "horrores da parte dos índios quando executam feroz e premeditada vingança." (RG U-1131, de 1882/1882: 58).
Sob tais aspectos, os Aldeamentos Oficiais no Vale Paranapanema se transformaram em viveiros de cativáveis e depósito de valetudinários, os primeiros entregues ao servilismo sem nenhum critério ou pudor, os seguintes apenas os velhos caquéticos, os doentes e os inutilizados.
Os índios regionais postos para o trabalho servil eram descendentes de destroços tribais e índios Xavantes, de natureza pacífica e trabalhador, além de numerosos, sumamente úteis ao trabalho. Além da escravização, contra os índios cometiam-se excessos. Relatório do Governo de São Paulo, 1887 à página 28, atesta que a situação regional é crítica e pede mais aldeamentos para os indígenas:
—"Em assunto de catequese e civilização dos Índios, infelizmente ainda está tudo por fazer. O Brigadeiro Diretor Geral dos Índios insiste na conveniência de serem fundados novos aldeamentos dotados dos necessários meios, em Lençóis, Botucatu e Campos Novos do Turvo, onde há excelentes terras de cultura e onde, errantes, vagam para cima mais de mil índios Xavantes e Coroados, em sertão de mais de 30 léguas" (RG citado, 1887: 28).
No ano de 1888, em Relatório do Presidente da Província de São Paulo, decreta-se o final do Aldeamento de Piraju [Tijuco Preto], como um empreendimento "que não tem condições de manutenção por falta de patrimônio" (Tidei Lima, 1978: 142).
Aos 07 de maio de 1888 chegaram a Campos Novos [do Paranapanema] os freis, Mariano de Bagnaia e Francisco de Alatri, para as primeiras negociações quanto a instalação de uma Missão Catequizadora no lugar (Giovannetti, 1943: 44).
O estabelecimento do Núcleo Capuchinho em Campos Novos foi um empreendimento fadado ao fracasso, desde o princípio, quase nem saiu das boas intenções e nem mereceria história, não fosse seu pioneiro o insigne frei Mariano de Bagnaia, nomeado Pregador Imperial do Brasil por D Pedro II, ao mesmo tempo em que recebeu também as honras de Major do Exército do Brasil, pela sua participação heroica na Guerra do Paraguai.
Sabe-se desse Aldeamento pelos Relatos da Ordem dos Capuchinhos e a imortalização do frei nas páginas da obra de Bruno Giovannetti, que lhe dedica todo um capítulo, "A Catequese dos Índios" (1943: 43-56).
Afirmam os documentos que padres sob direção de Frei Mariano de Bagnaia chegaram para fundação do Aldeamento de Proteção ao Índio, numa imensa região de conflitos, estimando-se a população indígena selvagem entre os rios de Peixe e Paranapanema, a partir de Campos Novos Paulista até as proximidades da Cachoeira dos Padres em atual Teodoro Sampaio, superior a 5 [cinco] mil pessoas, talvez entre oito e dez mil almas, considerando as presenças flutuantes de tribos dos vales Aguapeí, Santo Anastácio e Paraná.
A morte inesperada de Frei Mariano de Bagnaia, pouco depois de chegar a Campos Novos, fez cessar o Aldeamento no local, retornando os poucos índios aldeados para a vida nômade nas florestas e o branco novamente em seu encalço. Para substituir Mariano foi designado frei Sabino de Rimini o qual, sem êxitos em Campos Novos, decidiu fundar um Aldeamento às margens do rio Batalha, localizado mais nas proximidades de Lençóis [Paulista], pretensões fracassadas, acabando Rimini por coadjutor do Padre José Magnani, o pároco em Lençóis.
Consta desta época, por volta de 1890, o interesse em se levantar o aldeamento em Santa Cruz do Rio Pardo, um projeto que também não saiu das intenções.
Depois, em 23 de julho de 1901, chegou a Campos Novos o padre Bernardino de Lavalle para saber dos fracassos e reinstalar o Aldeamento de Campos Novos.

5. Santa Cruz do Rio Pardo não era lugar para aldear índios
Lavalle traçou planos com o pároco [de Campos Novos] Paulo de Mayo, depois com padre Magnani, de Lençóis, para então dirigir-se a São Paulo e finalmente receber aprovação de sua proposta e autorização final de sua Ordem e recursos financeiros do governo de São Paulo. Campos Novos, sob a influência política do coronel Sanches não era interessante para nenhum aldeamento independente.
Em maio de 1902, Padre Lavalle deixou São Paulo acompanhado de frei Daniel de Santa Maria, frei Boaventura de Adeno, o leigo Paulo de Sorocaba e o ex-carmelita padre Francisco Savelli. Lavalle estava decidido fundar o Núcleo Capuchinho para Santa Cruz do Rio Pardo, aonde chegou a junho de 1902, sendo repelido pelos habitantes do lugar, quanto aos propósitos, porque o município não tinha índios agrupados, nem interesses em meter-se com os Caingangues.
Lavalle decidiu então levar o Aldeamento para as proximidades da Serra do Mirante, mais propriamente às cabeceiras do ribeirão Veado, num lugar então denominado Catequese.
Em agosto do ano de 1904, entendendo que os índios o importunavam, coronel Sanches solicitou que os padres contatassem os Caingangues que viviam às margens do rio do Peixe.
Os padres formaram expedição de contato formada por brancos e religiosos, e "Como o Cel. Sancho [Sanches] levasse consigo uma turma de cerca 60 homens armados de carabina, os índios atacaram a caravana que regressou sem ter conseguido o fim almejado", segundo Bruno Giovannetti (1943: 54), que ouvira "da boca do padre a narrativa dessa expedição e as agruras profundamente sentidas."
Numa versão paralela, os padres catequistas aceitaram a missão de contatar os Caingangues, sem a compreensão que efetivamente o coronel Sanches pretendia livrar-se da presença indígena em terras consideradas suas, por isso enviou homens armados para acompanhar os religiosos que, encontrados os índios, adiantaram-se até eles, cada qual com um crucifixo na mão, procurando estabelecer diálogos. Assustados ou agressivos talvez, os índios levantaram suas armas num instinto de atenção máxima, apavorando os religiosos que gritaram àqueles que os escoltavam: "Atirem nos selvagens, atirem" (Dantas, 1980: 41).
Amador Cobra, numa outra linha interpretativa para o mesmo episódio, destaca objetivos da Ordem Capuchinha, do entendimento com coronel Sanches: 
—"(...) afim de dissuadil-o de continuar a fazer dadas e pedir-lhe auxílio para a catechese que iam organizar, nos pontos da matta que o chefe [coronel] conhecia. Com isto, (suppunham os bons frades), poriam cobro aos encontros sangrentos; pois aldeiados os índios, tornar-se-iam amigos dos civilizados." (1923: 143-145).
O mesmo autor atribui ingenuidade piedosa aos Capuchinhos, que fizeram festas e discursos antes do embrenharem-se mata adentro, pedindo aos acompanhantes que poupassem os irmãos habitantes da selva; talvez faltasse aos Capuchinhos melhor conhecerem as intenções do coronel Sanches que a índole dos índios.
As diferentes versões quanto às intenções da empreitada, ainda que próximas, deixam pressupor que o coronel tivesse intenções de vez acabar ou expulsar os Caingangues, para cumprir a prometida segurança da missão oficial, por ordem do chefe de governo dr. Jorge Tibiriçá, em explorar o rio do Peixe. Os padres apenas serviram de isca para aproximações dos selvagens então abatidos a tiros, assim "a missão [contra as dadas], destarte, se transformou noutra dada," (Dantas, 1980: 41).
Com o episódio, coronel Sanches retomou suas matanças contra os Caingangues no rio do Peixe, sem nenhuma oposição religiosa e de governo, afinal encontrara os pretextos necessários.
Desta maneira, a escravidão indígena era tolerada, ainda em 1900, em todo centro sudoeste paulista, inclusa a região de Santa Cruz, sabendo-se de índios nestas condições residentes na Fazenda Perobas. No ano de 1903, aos 22 de abril, foi declarado em Cartório o óbito de José "filho legitimo de João ìndio e Rita de Tal, indios guaranys ...".
Desmoralizados perante os brancos e os índios, os padres ainda ficaram na região até 1907, quando repentina e sem esclarecimentos conhecidos, abandonaram a região, transferindo-se para Conceição de Monte Alegre onde não havia padre [fixo] desde 1906, local que também viriam abandonar, também sem explicações, em 1916. Os Capuchinhos não eram dados a explicações de seus atos e, por isso, a ausência de esclarecimentos.
Contudo, por Giovannetti se sabe que frei Boaventura de Adeno, como novo responsável pelos Capuchinhos na região, a partir de Conceição de Monte Alegre, tentou-se levantar um Aldeamento, com fracasso quase imediato, em Porto Tibiriçá no ano de 1912, auxiliado pelo frei Sigismundo de Conazei. Frei Boaventura também fracassou, a seguir, num Aldeamento pretendido nas confluências do Ribeirão Marreca com o Rio Paraná, local denominado de Aldeia de São José.
Em 1916 ainda se ouviu falar em Boaventura, desta vez na localidade de Penápolis [então Santa Cruz do Avanhandava], depois de procurar um lugar adequado para instalação de uma paróquia na região de São José do Rio Preto (Artigos diversos divulgados pela Província dos Capuchinhos de São Paulo - PROCASP e pela Revista Franciscanos em Penápolis).
Somente com a morte do coronel Sanches, em 1912 findaram-se as práticas de extermínio e escravização indígena no Vale Paranapanema, por solução adequada aos interesses do Brasil diante da enorme pressão internacional, para a redefinição do destino das populações nativas.
O caso tinha repercussão internacional:
—"No Congresso Internacional dos Americanistas em Viena surgiria uma acusação contra colonizadores brasileiros e europeus, da região sul do país [São Paulo era região sul], de serem os responsáveis pela escravização, raptos, assassinatos e introdução das doenças contagiosas nas aldeias indígenas. Presentes neste congresso estavam representantes das comunidades cientificas do Brasil e do mundo, solicitando ao governo brasileiro que tomasse conhecimento do fato e cessasse o extermínio" (Davim, 2004).
Oficialmente no ano de 1908 já não existia mais a escravidão indígena no Brasil e, no oeste paulista nem índios para escravizar, porém só após a morte do coronel Sanches, em 1912, se findou efetivamente o escravismo indígena no Vale Paranapanema, ainda que detectado, posteriormente, índios aculturados servis em troca de pequenos favores aos brancos.
Coincidente ou não à morte do coronel, em 1912 os Caingangues foram enfim pacificados e postos em territórios destinados, de acordo com a proposta de pacificação e integração pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI, criado em 1910. Foi o desastre final. "Para as tribos nômades, como os Kaingang, a vida em reserva atingiria a sua cultura de forma drástica, o exemplo seria a importância da prática agrícola, que parecia ser a única via de subsistência" (Davim, op. cit.).

6. Catequese indígena caingangue sugerida à bala
No ano de 1901 os Caingangues se defendiam dos constantes ataques dos grupos armados a serviço das frentes expansionistas, quando o capuchinho Claro Monteiro do Amaral se juntava ao Padre Bernardino de Lavalle, para implantação de uma catequese "próximo as cabeceiras do Ribeirão Veado, na raiz da Serra do Mirante" (Giovannetti, 1943: 43-56). imediações da atual Echaporã - proximidades do rio do Peixe.
O monsenhor Claro Monteiro do Amaral também era conhecido por Claro Monteiro Homem de Mello - (Migalhas: Penápolis, Apontamentos sobre a história da cidade, SD: 1), Claro Monteiro de Mello - (Giovannetti, 1943: 44), ou Claro Monteiro de Barros (Correio do Sertão - ano I nº 17).
Padre Claro e o Padre Lavalle sensibilizaram autoridades e outros setores da sociedade paulista a favor dos Caingangues, para que fossem suspensas as invasões territoriais enquanto se discutia meios de pacificações através da Catequese da Serra do Mirante, outras em pontos estratégicos, e destinação de amplo território para confinar os índios, aí se visualizando uma faixa de terras à esquerda do Tietê (Tidei Lima, 1978: 152, ao citar artigo de Bernardino de Lavalle, A Catequese dos Índios de São Paulo, publicado pelo Comércio de São Paulo aos 24 de novembro de 1902), certamente adiante de Avanhandava e Itapura, obviamente contrariando interesses dos empreendedores capitalistas e dos grileiros de terras.
O monsenhor Claro, desavisado talvez, embrenhou-se nas matas com alguns homens, alcançando o Rio Feio, para o contato direto com os Caingangues, e a expedição foi trucidada, sendo o acontecimento o pretexto para se recomeçar os ataques aos índios e terríveis carnificinas, nada obstante os protestos de Padre Lavalle.
Em 1902 o Padre Lavalle passou, então, por Santa Cruz do Rio Pardo com aquelas pretensões de aldeamento no local. Do assunto, assim noticiou o Correio do Sertão em editorial: 
—"De passagem para a visinha comarca de Campos Novos do Paranapanema, esteve entre nós frei Bernardino de Lavalle, benemerito missionário e illustrado provincial dos capuchinhos, que vai encetar a cathechese dos indios na referida comarca, removendo assim uma das causas que mais tem concorrido para paralysar o povoamento de tão importante zona.
Ouvimos que o revmº. frei Bernardino pretende percorrer toda a extensão sertaneja que fica entre os Rios de Peixe e Tietê, sendo assim está claro que vai entrar mesmo no ninho dos indios corôados. Não ficariamos em paz com a nossa consciencia si não fizéssemos ver o risco que correu frei Bernardino e seus companheiros, todos os quaes são homens mortos para nòs, desde que prossigam em seu nobre intento. Queira Deus que estejamos enganados.
A missão de frei Bernardino é toda evangelica, toda de paz, toda de amor; mas os indios corôados, que são os que existem na referida zona - ou por causa do odio que votam á nossa gente, em virtude da perseguição deshumana, selvagem, que os brancos, isto é os civilisados lhes tem feito, ou por serem mesmo mãos - absolutamente não querem saber de paz e nos votam um odio de morte.
Os indios corôados adultos são mãos, perversos, refractarios á cathechese, tanto assim que entre os indios mansos que existem em Campos Novos [do Paranapanema], poucos delles encontram-se na fazenda do coronel Francisco Sanches de Figueiredo além de um casal pegado pequeno em uma dada (*) que o mesmo coronel ha tempos fez contra os coroados; a maior parte dos indios mansos è, ou do Jatahy [aldeamento] ou dos Campos e pertence á tribu dos guaranys, cayuás, ou dos chavantes.
Acresce que os coroados são algum tanto civilisados e não desconhecem muitos dos nossos usos e costumes - o que habilita-os a levarem contra nós algumas vantagens nos ataques que nos fazem.
Infelizmente estamos convencidos de que vai acontecer ao revdmo. frei Bernardino o mesmo que aconteceu ao padre Claro Monteiro de Barros, o anno passado. Os indigenas que sacificaram este distincto sacerdote pertencem á tribu dos coroados, tanto assim que posteriormente ao ataque que foi victima o padre Claro, os coroados atacaram a Fazenda Tres Barras em Campos Novos, pertencente a João Vieira. Este achava-se na roça trabalhando com seus filhos, e teve conjunctamente com estes de repellir o assalto, no qual mataram tres indios, em poder de um dos quaes foi encontrado uma fouce com a marca do Jahu, a qual pertencia a um dos companheiros do padre Claro. Esta fouce acha-se em poder de um filho do referido João Vieira.
Outro facto que nos induz a acreditar que o revdmo. frei Bernardino e seus companheiros vão ser victimados - è que os indios coroados ja estão alvoroçados e começando a fazer suas correrias ou assaltos, devido ser estação secca, por isso que durante a estação das aguas elles não se alongam das tabas. Ha poucos dias sahiram elles em dous lugares: na serra dos Figueiredos, fazenda do Veador, e fazenda do Monte Alegre, do Joaquim José.
Manda pois a prudencia que frei Bernardino não prociga em sua santa missão no seio de indios tão bravos; os quaes, pelas imformações que temos, só poderão ser - peza-nos dizel-o - chamados á civilisação por meio de bala, a menos que se queira sacrificar cathechisadores.
Sendo os coroados um obstaculo muito serio ao povoamento e desenvolvimento da zona sertaneja que fica entre os Rios do Peixe e Tietê, nossa opinião è que o governo deve, por meio da força publica, manda exterminar os coroados adultos, desde que elles sejam tal qual nos descreveram, prender os pequenos e trazel-os para o seio da sociedade, afim de civilisal-os e educal-os.
Já que não podemos cathechisal-os com amor, com paz, com abraços, cathechisemol-os á bala.
Em 1561, depois de projectado fazer guerra aos indios escrevia o padre Anchieta, 'para que podessem viver com alguma paz e socego, e juntamente começassem a abrir algum caminho para se poder pregar o evangelho, assim aos inimigos como a estes Indios; sobre os quaes ja temos sabido que por temor se hão de converter mais que por amor'.
E o proprio Padre Antonio Vieira, apregoado defensor dos Barbaros, dizia, em carta do Pará, de 14 de dezembro de 1655, ao secretario d’Estado Pedro Vieira da Silva, que André Vidal, a quem elogia ‘ficará dispondo umas tropas, que hão de ir ao sertão, do que esperamos primeiro a quietação e paz, depois uma grande conversão de almas’-" (Porto Seguro, Hist.ger. do Brazil, pag. 216).
Portanto, não estomos sós com nosso modo de pensar; e uma vez que os indios coroados são bravos, perversos e refractarios à cathechese, não vemos outro meio de ficarmos livres delles a não ser por meios energicos.
Em todo o caso ahi ficam o nosso aviso e o nosso conselho, dados em virtude de informações que nos foram ministradas por pessoas fidedignas.
Oxalá! Estejamos enganados! Oxalá! O revdmo. frei Bernardino de Lavalle seja bem succedido! Oxalá! Só com palavras de paz, de amor, com o Evangelho e com o Crucifixo, consiga elle cathechisar os terriveis indios coroados oppondo assim formal desmentido ao juízo que aqui externamos sobre taes indios!
Eis os votos que com toda sinceridade e humanitarismo fazemos, desde que o revdmo. frei Bernardino não queira ouvir o nosso conselho.
(*)-Assim denominam-se os assaltos que nossa gente dá nas aldeãs ou tabas dos indios." 
-(Correio do Sertão, 28/06/1902: 1).
Independente dos feitos e realizações capuchinhas, a dominação branca sobre os indígenas foi através das razias e dadas, na mais horrenda carnificina promovida desde o século XIX e nos primeiros anos do século XX, em nome do progresso e civilização.

7. Dos mamalucos
Sempre se teve por tradição que os filhos de brancos com índios, os mamalucos ou mamelucos, chamados caboclos, não eram destinados à escravidão, afinal, não existia, oficialmente, escravidão indígena.
Situação interessante advinda desde os tempos das célebres bandeiras e entradas, quando os portugueses se relacionavam com as índias, e quase todos os paulistas da época tinham sangue indígena, por isto mamalucos, e estavam entre os povoadores de Minas Gerais, cujos descendentes posteriormente viriam habitar terras do interior da Província de São Paulo - século XIX.
Então os caboclos do século XIX, no centro sudoeste paulista, eram remunerados e destinados aos serviços menos rudes, servindo de vaqueiros, carreiros e condutores de tropas. Também eram utilizados na caça ao índio em estado selvagem, com a facilidade que entendiam línguas e costumes indígenas.
Ainda que não escravos, os caboclos de primeira geração sertaneja eram contados à parte no Censo, mas os brancos evitavam mencioná-los mestiços, principalmente se relacionados a casa.
-o-