domingo, 20 de dezembro de 2009

- Valdomiro Silveira - Promotor Público no execrável 'Crime da Mãozinha'

1. O crime que chocou o país
Dr. Valdomiro Silveira, então Promotor Público em Santa Cruz
do Rio Pardo, dobrou-se ou foi incapaz de condenar a
assassina de um dos mais atrozes crimes do Brasil
Dr. Valdomiro Silveira, considerado um dos maiores vultos literatos do Brasil, além de sua dedicação ao direito e à política, situações lembradas pelos críticos e especialistas.
O erudito, quando Promotor Público, passou por Santa Cruz do Rio Pardo, entre 1895/1898, num período marcado por brutal sucedido.
"Em fins do século passado, dera-se um assassínio espantoso em Santa Cruz do Rio Pardo, comarca da qual Valdomiro era promotor público. Santa Cruz, nessa época, ainda era sertão, e a lei quem a fazia era o cano das garruchas. Certa rica fazendeira, descobrindo que era traída, mandou matar por capangas a amante do marido e o filhinho de ambos, exigindo que lhe trouxessem a mãozinha da criança como prova de que o serviço fora executado".
Processada e levada a júri, essa mulher mandou oferecer terras e muito dinheiro a Valdomiro para que não a acusasse, ou pelo menos para que não lhe fizesse carga durante o julgamento. Como Valdomiro não aceitasse, a assassina mandou ameaçá-lo de morte caso não cumprisse suas determinações. Tratava-se de uma mulher poderosíssima, não só em fortuna como principalmente pela sua influência política, mas Valdomiro não se deixou intimidar e fêz uma acusação bastante severa. Isso não impediu que a fazendeira fosse absolvida e que, depois de ser posta em liberdade, procurasse tornar impossível a permanência de Valdomiro em Santa Cruz. Desgostoso, desiludido com tamanha falta de dignidade, Valdomiro teve de retornar para junto de seus pais, em Casa Branca" (Silveira, 1962: 19).
Não se tratou de nenhuma fabulação. A ação foi perpetrada contra uma criança nascida do relacionamento do rico português, marido da mandante, e sua amante, Pureza, afrodescendente ex-escrava da família.
Retentivas de 1896/1897 indicam o acontecimento, conhecido como o 'Crime da Mãozinha', cometido ao mando da fazendeira Marianna Amélia Freitas Pinto Mello, residente em Espírito Santo do Turvo, mulher de José Gonçalves da Silva, e mãe, entre outros filhos, do Coronel Francisco Clementino Gonçalves. 
Marianna descendia das ricas famílias Correa de Mello e Freitas Pinto, era sogra de Maria Perpétua da Piedade, filha do Coronel e Deputado Emygdio José da Piedade, casada com o seu filho Clementino.
Aos autores. corroborou no desvendar do crime o jovem Cyrillo Gonçalves da Silva (1875-1905) ao afirmar à imprensa da época:
"(...) que sua mãe commettera crime de morte, o qual os advogados de Santa Cruz do Rio Pardo, a justiça e a sociedade achavam sem defesa possivel e que, no entanto, a vinda de seu pae para esta, foi bastante para modificar aquellas opiniões pois sua mãe, fôra absolvida, apezar das provas que militavam contra ella que, para o que desse e viesse, tinha, por companheira fiel, uma boa carabina, com a qual escoraria tudo e que, afinal, já teria fugido pra Matto Grosso, se não fossem os conselhos de seu pae" (Correio do Sertão, 04/04/1903: 2 – Coluna Seção Livre, assinada pelo advogado Arlindo Vieira Paes).
O assunto foi noticiado na grande imprensa nacional, ganhando forma e nomes: 
—"É o caso que uma senhora de Santa Cruz, suspeitando que uma criança dalli fosse filha de seu marido com uma outra mulher, tratou por isso de fazer com que a mesma criança desapparecesse do numero dos vivos.
Desta execranda incumbencia foi encarregado o citado individuo, o qual, como garantia do seu acto criminoso devia entregar a mandante do assassinato os punhos decepados da criança morta!
Ainda mais: a sanguinaria mulher não se contentava com os punhos decepados.
Disse ainda ao mandatario que desejava vêr - para mais segurança, de que suas ordens foram cumpridas, - o coração da criança que ateava em seu cerebro desvairado tanta vingança e tanto ódio!
E para se avaliar dos sentimentos ferinos desta mulher, basta dizer que ella cravou na parede de sua casa os punhos e o coração da criança assassinada, afim de que seu marido, ao voltar da rua, pudesse observar de visu o resultado, do producto do seu nefando crime!
Esta mulher não foi presa, consta-nos que por ter desapparecido na occasião em que dahi se approximava a força".
-(Estado de São Paulo, 27 de dezembro de 1893: 2).
Na edição seguinte o 'O Estado de São Paulo', à página 1, corrigiu e publicou complementos:
"O feroz assassino da criança a que hontem nos referimos chama-se Pedro de Camargo.
A criança contava já 5 annos de idade, sua mãe era ex-escrava da mandante do acto criminoso.
A condição de antiga escrava remete a mãe nascida antes do Ventre Livre (Lei nº 2040, de 28/09/1871), ou seja, com idade superior a 22 anos em 1893."
O diário carioca 'O Tempo' (30/12/1893: 1) reproduziu a matéria 'Crime da Mãozinha', publicada pelo 'O Estado de São Paulo', de 27/12/1893, inclusive do preço da empreitada para a morte da criança, no valor de '500$000'. O assassino era Antonio Pedro de Camargo.
O crime foi tão violento que o assassino trouxe as mãos da criança, como garantia exigida que a ordem fora executada, e ainda o coração, que foi cravejado na parede da casa de Marianna (Estado de São Paulo, 27/12/1893: 2). A edição de 28, do mesmo jornal paulistano, confirmou tais requintes de crueldade.
Antigas lembranças, pela tradição oral, informavam que os executores do crime, homiziados numa residência teriam morrido carbonizados, numa revolta da comunidade negra local; outras informações contavam que os assassinos foram levados, em segurança, para algum esconderijo fora do estado, e o incendiamento apenas uma farsa. A mandante fugira para o então Estado do Mato Grosso.
Respeitadas as versões e memórias, acrescidas ou não, a história documentada aponta para outros rumos. 

2. Acontecimentos pós-crime
'O Estado de São Paulo' mencionara o nome do principal responsável pela execução do crime, e vinculou-o ao grupo 'Contingente da Reacção'um partido sublevador da ordem pública, de ideias monarquistas e comandado pelo místico Francisco Garcia - o 'Chico Gago', autointitulado 'São Sebastião ou Missionário de Cristo', com multidão de seguidores. 
Marianna, a mandante do assassinato, refugiou-se no Paraná por quatro anos, para retornar em 1897 e enfrentar o processo, subornou e ou fez correr da comarca o promotor público Valdomiro Silveira, para enfim ser absolvida em 1900. 
O Correio Paulistano (27 de outubro de 1900: 3 - Coluna Mala do Interior), noticiava:
—"Realizou-se a terceira sessão de jury desta comarca [Santa Cruz do Rio Pardo], sendo submettidos a julgamento (...). Entrou em julgamento d. Marianna Gonçalves, esposa do Tenente Coronel José Gonçalves da Silva, residente na Villa do Espirito Santo do Turvo, por estar incurso nas penas do art. 294 § 1º combinado com o art. 290 e art. 18 § 3º § 4º e no art. 293 do Codigo Penal, tendo concorrido as circumstancias  agravantes do art. 39 § 1º, 2º, 4º, 5º, 7º, 8º 10º, 11º e 12º do mesmo código."
Informes indicam que apenas o assassino mandatário, Antonio Pedro de Camargo, e mais nenhum cúmplice, poderia denunciar a mandante e ele não tinha interesse algum em fazê-lo, e até assumira responsabilidade única. Marianna Gonçalves, a mesma Marianna Amélia Freitas Pinto Mello, foi então absolvida. 
Quanto ao suborno ou não, sobre o promotor público Valdomiro Silveira, é certo que ele desde o final de 1897 já não atuava mais na Comarca, por exoneração a pedido (DOSP, 13/01/1898: 8), tempo coincidente com o retorno de Marianna. 
Cumpre analisar. Ora, apesar da ocorrência 'Crime da Mãozinha' ser verdadeira, a versão de Valdomiro, pelos compilados, não se sustenta quanto sua intrepidez diante do poderio da assassina, ou mandante. 
Talvez o promotor não tivesse resistido o suficiente às tentações propostas, conforme resquícios de tradições orais, mas nada se pode provar contra o preclaro representante da Promotoria Pública, senão que o julgamento da ré Marianna, em 1900, já à primeira observação, contradita-o:
—"Valdomiro não se deixou intimidar e fêz uma acusação bastante severa. Isso não impediu que a fazendeira fosse absolvida e que, depois de ser posta em liberdade, procurasse tornar impossível a permanência de Valdomiro em Santa Cruz. Desgostoso, desiludido com tamanha falta de dignidade, Valdomiro teve de retornar para junto de seus pais, em Casa Branca" (Silveira, 1962: 19). 
Não aconteceu assim. Dr. Valdomiro partira antes, já licenciado em final de 1897 e exonerado a contar de 13 de janeiro de 1898.
'biografia oficializada' de Valdomiro Silveira até lhe suaviza: 
—"Depois de concluir a faculdade em 1895, Valdomiro segue a carreira paterna e muda-se para Santa Cruz do Rio Pardo (SP), onde assume o cargo de promotor público. Em 1905, muda-se para Santos, onde se dedica à advocacia, ao jornalismo e à ficção" (Enciclopédia Mirador Internacional, 1996).
Nisto, alguns interpretam erroneamente a informação que o Promotor Público, Dr. Valdomiro Silveira teria permanecido em Santa Cruz do Rio Pardo até 1905, beneficiando-o, assim, na honradez pretendida pela versão familiar do 'Crime da Mãozinha', mas isto não corresponde à verdade histórica documentada.  
José Pastores em seu 'Discurso de Posse na Academia Paulista de Letras, 10/03/2004 - Cadeira 29' fez lembrar a tradição familiar maquiada:
"Vejam a vida de Valdomiro Silveira, primeiro ocupante desta cadeira em 1909. Começou sua carreira como promotor público em Santa Cruz do Rio Pardo. Por ter contrariado a vontade de uma fazendeira rica que mandara matar a amante de seu marido e a filha dos dois, o jovem promotor teve de sair da cidade, tamanha foi a pressão política exercida pela poderosa senhora.
Mas foi essa perseguição que aguçou em Valdomiro Silveira os ideais de justiça, levando-o a uma luta ferrenha pela liberdade."
Após publicação de reportagem/entrevista dos autores pelo hebdomadário santa-cruzense 'Debate' (edição 1619, de 15/04/2012), a bisneta de Marianna, Maria Claudina Palmejani, apresentou ao semanário (edição 1625, de 27/05/2012) sua versão familiar, na qual a assassina descobriu que era um filho seu o pai da criança, e não o marido. 
Por essa versão, Marianna tornara-se amargurada apegando-se à bebida, e, em certa feita, quando dormia em sua rede, não percebeu que esbarrara no lampião próximo provocando incêndio na casa, que lhe causou a morte.
O incêndio e a morte de Marianna são confirmados conforme o apresentado, mas o pai da criança, por outras fontes familiares, seria mesmo o marido da mandante e não o filho. Deste ou daquele, o crime figura entre os mais execráveis do Brasil.