—"(...) às reduções chamamos aos povoados dos índios, que vivendo à sua antiga usança, em matos, serras e vales, em escondidos arroios, em três, quatro ou seis casas apenas, separados uma, duas, três e mais léguas uns de outros, os reduziu a diligência dos padres a povoações grandes e a vida política e humana, a beneficiar algodão com que se vistam, porque comumente viviam em nudez, ainda sem cobrir o que a natureza ocultava" (Montoya, 1609/1675, apud Capistrano de Abreu).—
![]() |
Guayrá e as missões no Paraná espanhol -esboço: adaptação da imagem em http://wibajucm.blogspot.com.br/ |
—Às margens do rio Ivaí: Jesus Maria, Santo Antônio e São Paulo.
—Rio Corumbataí: São Tomas e a dos Sete Arcanjos.
—Nas cabeceiras do rio Piquirí: São Pedro e Concepção.
—No médio Piquirí: Nossa Senhora de Copacabana.
—Rio Paranapanema: Nossa Senhora do Loreto, Santo Inácio e São Tomé [à barra do Tibagi], todos à margem esquerda, enquanto do lado paulista, margem direita, São Pedro nas proximidades de Santo Inácio e Loreto.
Dantas cita fixação jesuítica em terras hoje paulistas (Dantas, 1980: 22), na mesma época de Santo Inácio e Loreto, onde foram encontradas ruínas d’uma redução que, diz Bruno Giovannetti, chamava-se São Pedro (Giovannetti, 1949: 82), localidade e denominação ratificadas por Maack (2002: 71).
—"Por 1610, jesuítas castelhanos partidos de Asunción começaram a missionar na margem oriental do Paraná. Fundaram Loreto e San Ignacio, no Paranapanema, e em compasso acelerado mais onze reduções no Tibagi, no Ivaí, no Corumbataí, no Iguaçu. Transposto o Uruguai, assentaram outras dez entre o Ijuí e o Ibicuí, outras seis nas terras dos Tape, em diversos tributários da lagoa dos Patos. De San Cristóbal e Jesús María, no rio Pardo [RS], poucas léguas os separavam agora do mar" (Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial: 58).
—"A comunicação das Reduções das margens do Paranapanema com as localizadas ao sul na região dos rios Corumbataí e Ivaí, ou vice-versa, podiam ser feitas subindo o rio Pirapó, até os ribeirões Maringá-Mandacaru, Morangueira ou Sarandi, e por estes chegar até o platô onde está Maringá, para descer pelos córregos Borba Gato, Cleópatra e Mascado até o ribeirão Pingüim e por este até o rio Ivaí, em direção à cidade espanhola de Vila Rica do Espírito Santo ou às Reduções do Ivaí e Corumbataí. Uma outra rota possível seria subir o rio Pirapó até suas cabeceiras no rio Dourados, até alcançar o platô onde está Mandaguari e descer pelo rio Keller até o Ivaí. Com toda certeza essas rotas eram conhecidas e utilizadas pelos índios e delas se aproveitaram os padres jesuítas nas suas andanças e pregações nas aldeias da região" (1999).
A interiorização tão distante das reduções seria, portanto, para dificultar invasões de sertanistas e desbravadores espanhóis e portugueses que buscavam índios pacificados e convertidos, como os melhores para a escravidão. Os apresadores optavam por índios mansos e iniciados nas artes e ofícios pelo seu alto valor no mercado escravagista.
Dos acontecimentos históricos polêmicos têm-se por
paixões atribuir fatos e feitos a pessoas, grupos ou raças igualmente
contestadoras, a partir de um único ou menor indício.
É o caso na História do Brasil, como num sentimento
de aversão pela oficialidade, muitos acreditam tenha ela sido diferente da
didática imposta, que até daria uma obra paralela 'A História que a História
não Conta ou que não contou’.
Assim Pedro Álvares Cabral, teria vindo ao Brasil não acidentalmente ou apenas pela Coroa Portuguesa, mas a serviço de seu sogro o judeu Fernão de Loronha ou Fernão [Fernando] de Noronha, interessado em explorar o comércio do pau-brasil em terras portuguesas de além-mar.
—Segundo Guimarães (Volume III: 63), o descobridor Pedro Alvares Cabral, filho de Dom Fernando [Fernão] Cabral e Isabel Gouveia de Queirós, casado com Isabel de Castro, filha de Constança e Dom Fernando de Noronha [Fernão de Loronha].
Em 1501 o monopólio do pau-brasil foi arrendado a
Fernão de Noronha, judeu ligado por interesses comerciais a outros capitalistas
do mesmo grupo étnico, conforme historiadores. Óbvio que tão poucos dias no
Brasil e apenas na costa litorânea, Cabral não teria tempo nem condições para
algum preciso relatório, mas teria vindo obter informações de degredados,
segundo consta, daqueles judeus postos na Insula Brasil, um, dois ou mais anos
antes, como Francisco de Chaves, João Ramalho, Diogo Álvares e Mestre Cosme
Fernandes Pessoa, este último também maçom e sério problema para a Igreja.
Se os primeiros portugueses no Brasil eram judeus,
presumíveis que vieram degredados depois de alguma negociação para salvarem-se
da Inquisição. Quase todos os judeus portugueses não ricos, cristãos novos ou
não, tiveram sérios problemas com a Inquisição promovida pela Igreja Católica e
o Estado.
Antonio Raposo Tavares teria sido um deles. Nascido
em Portugal em 1598, filho de Fernão Vieira Tavares e Francisca Pinheiro da
Costa Bravo, órfão de mãe desde cedo, Maria da Costa tornou-se sua madrasta.
A História não diz oficialmente que Raposo Tavares
era judeu, mas documentos indicam sua mãe e madrasta judias, portanto, ele foi
criado num ambiente onde certamente sentiu as dificuldades e as agruras do antissemitismo,
o preconceito racial, o temor da Inquisição e o estigma de assassino do filho
de Deus.
O articulista Mário
César Carvalho nota que a historiadora Anita Waingort Novinsky, professora de
pós-graduação na USP, "reuniu documentos encontrados em Portugal segundo
os quais Raposo Tavares teria razões religiosas para queimar igrejas: sua
madrasta, Maria da Costa, foi presa pela Inquisição em 1618 sob a acusação de e
só saiu do cárcere seis anos depois." (Cesar Carvalho, publicação Folha de
São Paulo, edição de 05 de setembro de 2004 - Bandeirantes tinham origem
judaica).
César Carvalho argumenta
que "Raposo Tavares foi criado até os 18 anos na casa da madrasta, uma
cristã nova que seguia a tradição religiosa como, na definição de Novinsky. A
mãe de Raposo Tavares também era cristã nova". Mãe e madrasta em que pelo
menos a última teve problemas com a Inquisição, evidente que se pode traçar
perfil psicológico, moral e de conduta pessoal de Raposo Tavares em relação à
Igreja, nas pessoas de seus representantes mais imediatos, os padres e as obras
destes.
Raposo Tavares, tão logo presa a madrasta, teria
vindo ao Brasil, ainda em 1618, acompanhando o pai que tinha obrigações de
representar o donatário Dom Álvaro Pires de Castro e Sousa, o Conde, depois Marquês,
de Monsanto, nas Capitanias de Itamaracá, Santo Amaro e Santana. Monsanto,
bisneto de Pero Lopes de Sousa [irmão de Martim Afonso de Souza] - o primeiro
donatário daquelas fracassadas capitanias, ensejou resgatá-las através de
Fernão Vieira Tavares, vindo apropriar-se indevidamente também das terras da
Capitania de São Vicente, por erro de demarcação, propositada ou não, onde
fixou sede em 1618, ainda que área litigável.
A Capitania de São Vicente de 1587 a 1610 teve como
último donatário Lopo de Souza, filho de Pero Lopes de Souza, filho de Martim
Afonso de Souza e homônimo de seu tio paterno. Pela interrupção a partir de
1610 ou por presumível ausência de interesse hereditário, o Conde Monsanto
certamente dela se apropriou em 1618, pelo seu representante legal Fernão
Vieira Tavares, até que Mariana de Sousa Guerra, Condessa de Vimieiro, filha de
Lopo de Souza [tio], reivindicou seus direitos de donatária e, como tal,
historicamente reconhecida entre 1621 a 1624, apesar do litígio familiar,
quando resolveu pela transferência da sede de sua Capitania de S. Vicente para
Itanhaém.
Durante o período de ausência donatária a Capitania
foi governada diretamente por capitães-mores e durante a concomitância foram
nomeados dois Capitães-Mores, distintos por donatário, com jurisdição na mesma
área territorial, até a prevalência de Dom Álvaro.
Apesar da imprecisão dos documentos, a partir de 1610
a Capitania de São Vicente foi invadida pelos espanhóis de Iguape [litoral sul
de São Paulo], por abandono - nada relacionado com a 'Guerra de Iguape' de
1532, caindo novamente no ostracismo ao mesmo tempo em que prosperava as vilas
de Santos e São Paulo.
A tomada das terras da Capitania de São Vicente por
Conde Monsanto incluía as vilas de São Paulo, Santos e São Vicente, e a esta
última deu vigor.
Fernão Vieira Tavares assumiu controle da Capitania
de São Vicente e das demais, com o filho Raposo ao lado, exercendo um governo
bastante austero através de Capitães-Mores. O próprio Fernão veio ocupar a
função de capitão-mor por um período em 1622, ano em que Raposo Tavares
casou-se com a filha do bandeirante Manuel Pires, Beatriz Furtado de Mendonça
com quem teve dois descendentes, vindo após enviuvar-se.
Depois de dez anos de viuvez, Raposo contraiu
matrimônio com a viúva Lucrecia Leme Borges de Cerqueira, mãe de oito filhos, e
deste consórcio nasceu-lhes uma única filha. Lucrecia Borges era nascida do
bandeirante Fernão Dias Pais, e tia do célebre caçador de esmeraldas, Fernão
Dias Paes Leme. Desde a chegada ao Brasil a vida de Raposo vinculou-se aos
bandeirantes e à administração política, daí seu aprendizado com as cousas e
causas da colônia portuguesa.
Em 1628, Raposo Tavares fez parte da expedição que
destruiu Guayrá, sendo durante esta campanha que ele teria avocado sua
autoridade no Pentateuco [bíblico] ou, mais propriamente na Lei de Moisés para
seus atos de conquistas, conforme Francisco Vasques Trujillo numa carta de 1631
(César Carvalho), portanto uma prova que ele era judeu para muitos estudiosos.
Para o historiador Cortesão, Raposo Tavares, o mais
temível dos bandeirantes, era judeu cristão novo e tivera problemas com a
Inquisição (Cortesão, 1958), como também eram judeus feitos cristãos novos,
Mestre Cosme Fernandes Pessoa, João Ramalho, Brás Leme, Fernão Dias Paes
[Leme], Baltazar Fernandes, Diogo Álvares Correa [Caramuru], Francisco de
Chaves e outros tantos preadores de índios dos séculos XVI e XVII.
Anita Waingort Novinsky acredita que "Há razões
ideológicas na fúria dos bandeirantes contra a igreja. Ela representava a força
que tinha destruído suas vidas e confiscado seus bens em Portugal (...) e
Raposo Tavares matou jesuítas porque eles eram comissários da Inquisição na
América" (César Carvalho, op.cit).
Outros pressupostos deixam entender que Fernão Vieira
Tavares, o pai de Raposo Tavares, também era judeu e que saiu de Portugal por
Dom Luiz Álvares de Castro e Souza, tanto como seu representante em Brasil,
para apossamento da Capitania de São Vicente e aquelas em que era real
donatário, quanto para que demais membros da família Tavares não tivessem o
mesmo destino de Maria da Costa.
Mas, nada se pode presumir onde permanece a ausência
de documentos, ficando assim a incógnita porque a família Tavares deixou
Portugal tão logo da prisão de dona Maria da Costa, ou se a família pode enfim
se reunir após sua libertação.
Raposo, com razões para odiar o Clero, em 1628
achava-se à frente de uma coluna militar, na redução São Miguel, com pretensões
em expulsar os jesuítas do Guayrá e destruir as Missões, por considerar
portuguesas as terras e não espanholas ou da Igreja.
09.3. Traição à causa
jesuítica pelo então governador paraguaio
Em Guayrá a intenção primeira dos bandeirantes
paulistas era a captura do índio, para mão de obra escrava, e não objetivos de
expansão territorial brasileira, a qual somente viria a partir de 1618, já
durante a dominação espanhola pela União Ibérica, quando aquela região se
encontrava sob governo jesuíta com forças para formação de um estado teocrático
livre e independente.
O desenvolvimento de Guayrá, tanto populacional
quanto de progresso, destacava-se sobremaneira das demais províncias
sul-americanas, mormente vistas em relatórios como os de Del Sampaio ao rei de
Espanha, que mostram a atividade jesuítica grandiosa não somente pela
religiosidade pretendida, mas pela capacidade pedagógica de educar o índio em
sua própria língua, ensiná-lo desenvolver diversos ofícios [tecelagem
artesanais, olarias, construções e outras modalidades], aproveitando os
recursos naturais para trabalhar a terra, cuidar das atividades de sustentos
agropastoris incluindo os hortifrutigranjeiros, além do incentivo às
oportunidades para o desenvolvimento de habilidades ou revelar gênios
criativos.
Os jesuítas desejavam para Guayrá forma de governo
social-teológico militar, com competências administrativas, legislativas,
judiciária e de defesa territorial, posto inconcebível na época algum governo
sem sustentação militar, metido entre as duas coroas que disputavam terras e
tinham interesses por riquezas e, sobretudo, a mão de obra indígena. É de
conhecimento histórico que Vila Rica de Espírito Santo tratava-se de cidade
militar, igualmente à redução Jesus Maria, também voltada para os ofícios
militares de treinamentos, formações e depósitos de armas e munições, características
bastante próprias de sentinela militar avançada.
Considerando Guayrá por Estado ainda em formação, uma
situação talvez não prevista pelos idealizadores estivesse na sua
interiorização, a lhe impedir acesso oceânico direto, vez que seus caminhos
terrestres dependiam de Portugal e os fluviais de Espanha, pelo rio da Prata,
tornando-o isolado e extremamente dependente.
Outra situação negativa diz respeito em manter uma
população quase exclusivamente indígena, peças por demais tentadoras para as
bandeiras de apresamentos e os 'encomienderos', especialmente a partir de 1624,
quando a Holanda atacou a Bahia e passou a dificultar a vinda de escravos
africanos para o Brasil.
Os índios aldeados tinham maiores valores como escravos porque doutrinados que o sofrimento terrestre lhe era a garantia de paraíso celeste.
—"Não se imagina presa mais tentadora para caçadores de escravos. Por que aventurar-se a terras desvairadas, entre gente boçal e rara, falando línguas travadas e incompreensíveis, se perto demoravam aldeamentos numerosos, iniciados na arte da paz, afeitos ao jugo da autoridade, doutrinados no abanheén?" (Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial: 58).
Desde as primeiras formações jesuíticas, antecedentes
à própria oficialidade das missões, os espanhóis e portugueses intentaram
contra os aldeamentos, que se mostravam 'viveiros de bons cativáveis' (Silva e
Penna), e a eles iam os preadores de acordo com as observações de historiadores
didáticos os quais afirmam fracassadas algumas das tentativas em apossamentos
no Guayrá, anteriores ao ano de 1628, repelidas a fogo pelos comandos militares
a serviços dos jesuítas, por vezes a se anteciparem aos inimigos antes que
estes se aproximassem das reduções.
Dos fracassos colecionados pelas arremetidas
bandeirantes contra as reduções jesuíticas do Guayrá, principalmente em 1618 e
1623, entenderam os cabecilhas de entradas e bandeiras que as sustentações dos
aldeamentos estavam nas armas e na cobertura dada por frentes do exército
paraguaio deslocadas para tais objetivos.
Para a retirada de tais armas e tornar fácil o alvo
pretendido, os luso-brasílicos precisavam da conivência de pessoas do governo
de Assunção, que lhes dessem mapas da região - das vias de comunicações, do
número de aldeados e das capacidades de resistências. Igualmente era preciso
uma pessoa com autoridade sobre os militares para remover as frentes que
protegiam estrategicamente os reduzidos, além do recolhimento compulsório de
armas e munições em poder dos missionários.
Capistrano de Abreu informa: "Isto conseguiram
em fins de 1628, e muito concorreu para assegurá-la Luís Céspedes y Xeria,
governador do Paraguai, casado em família fluminense, senhor de engenho no
Rio".
Dom Luis, viúvo, viera de Espanha, em 1626, para assumir
o governo do Paraguai [nomeado em 1625], com passagem pelo Rio de Janeiro onde
se casou com Vitória Correa [Correia] de Sá, filha do riquíssimo Gonçalo
Correia de Sá e sobrinha de Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro
(1602-1608 e 1623-1632), recebendo como dote alguns engenhos de açúcar.
Assumindo governo do Paraguai em 1626, Dom Luis foi nomeado para o cargo em
1625 (Vilardaga, 2008: 11).
Desde logo no governo paraguaio Dom Luis mostrou-se
contrário ao Estado Independente do Guayrá, em mãos dos jesuítas, ocupante de
importantes e ricas regiões hidrográficas no Paraná espanhol. Havia por parte
de Dom Luis, também, o temor de uma nação guarani organizada e poderosa.
Certamente considerações assim fizeram o governador
paraguaio simpatizar-se à causa bandeirante, de destruição de Guayrá e o
aprisionamento do índio reduzido para mão de obra escrava aos senhores de
engenho.
Já não restam dúvidas que Dom Luis e os bandeirantes estavam intentados num mesmo propósito:
—"(...) pois era notória a sua aversão aos jesuítas e largamente sabido que se entregava ao comércio de escravos, segundo se verifica no processo, ou melhor, na 'información' realizada pelo padre Francisco Vasquez Trujillo, provincial da Companhia de Jesus, em fevereiro de 1631, para provar ao rei de Espanha o quanto era maléfica, à coroa de Castela, a ação do governador do Paraguai que, ainda por cima, era casado com uma brasileira e possuía um engenho no Rio de Janeiro" (Barreto, c. 1948).
Se enredado ou não pelos jesuítas à coroa espanhola,
quanto suas ações e pretensões pró a invasão do Guayrá, Dom Luis esteve em
Madri, em princípio de 1628, onde discutiu-se a questão, inclusive "com o
rei da Espanha, Felipe IV, tendo se dirigido ao governador do Paraguai, para
que houvesse intervenção nas invasões." (Moura, 1988: 51).
Ao retornar de Espanha, no mesmo ano de 1628, Dom
Luis desembarcou em São Vicente, com passagem pelo Rio de Janeiro, aproveitando
oportunidade para manter contatos com os principais de São Vicente e de São
Paulo, e "faz crer que viera comparticipar dos resultados da grande
empresa predatória que Manuel Preto e Antônio Raposo Tavares preparavam, para
arrasar os grandes aldeamentos guaranis que os jesuítas espanhóis mantinham ao
sul do rio Paranapanema" (Taunay, Ensaios Paulistas, 1958).
Reinhard Maack afirma que "veio a São Paulo o
governador do Paraguai tomando conhecimento da intenção [do ataque a Guayrá].
Entretanto, D. Luis Céspedes, ao invés de prevenir os jesuítas, fez um pacto
com os bandeirantes e impediu toda possibilidade de defesa por parte dos
jesuítas." (Maack, 2002: 72).
São diversas as especulações das causas da traição do
governador paraguaio, correndo versões que a mulher de D. Luis havia
permanecido no Brasil, quando da sua viagem à Espanha, sendo ela vítima de
sequestro e somente libertada após se negociar a traição de Guayrá.
"Outros diziam que Don Luis nada podia fazer, já que sua mulher estava no
Brasil" (Expedições Bandeirantes).
Certamente o sequestro da esposa do governador e a retenção dele em São Paulo, com toda a comitiva, tenham sido caso pensado.
—"Pouco depois (a população paulista sempre exaltada), passa pela vila, vindo do Rio de Janeiro, o governador do Paraguai dom Luís de Céspedes Xéria, que se destina a Assunção. Na Câmara, um edil quer saber se Céspedes Xéria tem autorização legal para trilhar a rota em que vinha, pois se tratava de caminho proibido. (O jesuíta Charlevoix afirma que não a possuía). O certo, contudo, é que, após um mês de estadia em São Paulo, parte o governador" (Barreto, 2007).
Dom Luis não apresentara autorização real para transitar pela Peabiru, por isso estava impedido de prosseguir viagem e, detido no Brasil, então a iniciar uma maratona por terras paulistas, passando por Barueri, Santana de Parnaíba, entre outras localidades, antes de chegar a Araritaguaba, hoje Porto Feliz. Portugal e colônias estavam sob dominação filipina, razões pela qual a estranheza de se deter o governador paraguaio em trânsito pelas terras que eram, de direito, pertencentes à Espanha.
Dessa peregrinação, a demora e maneira como realizada
a viagem, assim como as ordens imediatas de Dom Luis, aos seus assistentes para
a desmilitarização das reduções e o recolhimento compulsório de armas e
munições, fizeram com que os jesuítas inimizassem contra ele e, posteriormente,
lhe atribuíssem as responsabilidades pela destruição do Guayrá.
Seja por qual razão, Dom Luis e auxiliares ficaram
sob escolta de homens da confiança de Manoel Preto e Raposo Tavares, impedidos
de retorno imediato ao Paraguai, a fim que ficasse bem clara as intenções
colaboracionistas do governador.
Em Araritaguaba, Dom Luis e comitiva permaneceram por
mais de um mês, enquanto consolidavam-se os diferentes rumores da traição e o
apontar ânimo dos bandeirantes em formar exército fortemente armados com
novecentos mamelucos e mais dois mil e duzentos índios guerreiros para o ataque
à "Província Del Guayrá" (História do Brasil - Expansão Territorial
Brasileira).
Somente três meses após a entrada em São Vicente, Dom
Luis chegou enfim a Santo Inácio, no Guayrá, à margem esquerda do Paranapanema
ao sul. Confirmada as providências de desmilitarização e o recolhimento das
armas, fez-se chegar notícia aos líderes bandeirantes, para as elaborações
finais do plano de guerra em quatro frentes comandadas por Pedro Vaz de Barros,
Brás Leme, Antonio Fernandes e o próprio Raposo Tavares, todos sob ordens do
velho Manuel Preto.
É dito que D. Luis, ainda sob escolta paulista,
partiu de Loreto para Assunção [Paraguai]: "Fez por terra a viagem para
seu governo; e fez sinal aos bandeirantes para avançarem" - escreveu
Capistrano, e só aí os paulistas partiram, em relativa segurança, para a
guerra.
A mulher de Dom Luis chegou a Assunção em 1629, por mãos de André Fernandes:
—"(...) uno de los maiores piratas que vieron a sertan y mas cruel matador de yndios el qual despues de aver destruydo y assolado la Reducion de S. Pablo y llevado gran numero de al Bracil vino y truxo hasta el Paraguay a doña Victoria mujer del dicho governador con otros portuguezes (...)" (Annaes do Museu Paulista, vol. 11, documentação hespanhola: 320).
Raposo e sua coluna entraram em território inimigo
pelo vale do rio Ribeira, enquanto os demais grupos seguiram cursos diferentes
para o cerco planejado às primeiras reduções.
Aos 08 de setembro de 1628, a tropa chefiada por
Pedroso de Barros, firmou-se defronte a missão jesuítica de Encarnação
[Encarnacion] às margens do Tibagi, enquanto as outras colunas se colocaram
estrategicamente pelos caminhos ou vias de comunicações, próximas de cada uma
das reduções, para evitar ao máximo que os habitantes se comunicassem sobre as
posições inimigas.
Em dezembro tudo estava pronto para o grande ataque, a bastar apenas que os bandeirantes deixassem fugir alguns índios escravos e estes buscassem proteção junto à redução de Santo Antonio, às margens do rio Ivaí. Trama executada e os padres acolheram os fugitivos, não os liberando para os donos e com isso a motivação desejada para a guerra; foi o princípio do ataque.
Sobre tal assunto, sem contender méritos, do Banco de Dados Folha observa-se, no texto extraído, que as lutas entre reduzidos e bandeirantes não eram simplesmente de um atacar com armamentos eficientes e outro se defender com pedaços de paus: —"Incidem num juizo falso e absurdo, todos quantos suppõem que, nas suas arremettidas contra as reducções, fossem os bandeirantes encontrar, sempre, indios inoffensivos e missionarios inermes. Tanto isso não é verdade que, em innumeros documentos escriptos pelo punho dos proprios jesuitas, se constata, a todo passo, a bravura com que elles se defendiam e, muitas vezes, atacavam. Numa carta dirigida em 12 de novembro de 1648, ao governador do Paraguay pelo padre Justo Mansilla, escrevia este: 'Ihs - Senor governador. Sabado y noviembro 7 dieram los nuestros assalto al enemigo en su real que era el puesto en donde, el ano passado, por otra invasion del mismo enemigo, se avia retirado la segunda reducion y sacaran al Padre xpl de arennas, a quien el enemigo tenia preso y con guardas de dia y de noche e dias avia, y mataram a seys o sete Portugeses a pelotassos, y algunos Tupis, con mucho animo y brio'. Mas não era sempre que as reducções atacavam os paulistas, matando-os a pelotaços, com 'mucho animo y brio'. Defendiam-se, tambem, com armas de fogo e eu acho que tolos seriam elles se são o fizessem. No assalto a uma das villas do Paraguay, segundo relata o capitão Domingos Gonzales a Sebastian Solorçano, secretario da Casa de Contratação de Sevilha, foram mortos 140 paulistas. Como se vê, os bandeirantes não investiam contra gente inerme. As reducções viviam, aliás, em constantes questões com as autoridades hespanholas, quer do Paraguay, quer do vice-reino do Prata e mesmo da Côrte. Na documentação colhida no enorme acervo do 'Archivo General de Indias', em Sevilha, carinhosamente colligidas nos 'Annaes' do Museu Paulista, é constante, insistente mesmo, o encontro de cartas vindas da Côrte, e dirigidas às reducções que se esparramavam pelas regiões do Guayrá, Tape e Uruguay, pedindo-se a devolução de armas e munições. Num desses documentos pede-se ao provincial ibero que 'todas las armas que esa Religion tenia em las doctrinas de ellas y las que huviesse repartido a los indios de que se conponen, se la entregassen para que estuviessen a disposición de esa Religion, ni se entrometiesen los religiosos a exercitar los yndios en lo manejo dellas ni en los allardes otra acion politica ni militar'." (Folha de São Paulo - in Folha da Manhã, O famoso Banditismo dos Bandeirantes, 24/11/1935).
Na 'Guerra de 1628 contra o Guayrá' ocorreu verdadeiro holocausto, pelo qual D.
Luiz foi formalmente acusado pela Companhia de Jesus a de traição à coroa
espanhola, de casar-se com uma brasileira, de aliar-se à bandeira paulista para
a destruição do Guayrá e aprisionar indígenas para os seus engenhos no Rio de
Janeiro.
Dom Luis Céspedes y Xeria foi preso em 1631 e, cinco
anos depois, condenado, todavia não cumpriu pena integral pelo prestígio do
aparentado Salvador Correia de Sá Benevides, governador do Rio de Janeiro no
período de 1637/1642, recolhendo-se numa de suas propriedades fluminenses onde
veio a falecer.
09.4. Uma guerra
insana e a destruição do Guayrá
São diversas as motivações para a 'Guerra
do Guayrá', todas discutíveis, como a escravização indígena, a expansão territorial
luso-brasílica ou o ultranacionalismo português para a restauração de seu trono
- então sob domínio espanhol, sem desconsiderar a pendenga religiosa entre os
judeus bandeirantes e os padres jesuítas, com suas implicações de causas e
consequências.
Talvez o princípio mais correto esteja na vocação
interiorana paulista, pela geografia separatista entre o litoral e o Planalto
Piratininga, pela Serra do Mar, depois pelas facilidades dos cursos fluviais do
Tietê para o rio Paraná, do rio Paraíba do Sul, além da via terrestre Peabiru a
conduzir para o Vale Paranapanema, todas as citações por caminhos das primeiras
expedições e bandeiras rumo ao sertão.
A atenção dos conquistadores europeus, em território
paulista, sempre esteve voltada para o encontro de metais preciosos, daí
certamente as primeiras interiorizações que, "à falta do ouro, cativavam
índios, que traziam para o litoral." (Tapajós, 1963: 90), como mão de obra
escrava destinada ao trabalho nos engenhos, nas fazendas agrícolas que se formavam
e, também, para o tráfico escravo com outros pontos da América do Sul, ou mesmo
do mercado europeu.
Diego de Garcia de Morguer, Texto de Memória, narra
que em 1528 o "(...) Bacharel [de Cananéia] com seus genros fizeram comigo
[o próprio Diego Garcia] um contrato de fretamento para que trouxesse a Espanha
com a nau grande oitocentos escravos, e eu o fiz com o acordo de todos meus
oficiais (...)." (Enciclopédia Simpózio / Universidade Federal de Santa
Catarina, CD: A/A).
Prear índios para o escravismo sempre foi bom e
lucrativo ofício nas descobertas terras de Portugal, desde a oficialidade do
Brasil, afinal os novos senhores precisavam de homens para trabalhar a terra e
gerar-lhes lucros, além de formar contingentes de defesas contra inimigos.
A colonização e prosperidade paulista tiveram por
dependência a mão de obra indígena, de menor custo e maior quantidade, embora
didáticos quase sempre afirmem que os índios não se prestavam aos serviços nem
se adaptavam ao cativeiro, porque habituados à vida livre além da baixa
resistência às doenças que os matavam aos magotes.
Tudo o que se tem da escravização indígena no Brasil,
"O saldo é a captura de um grande contingente de indígenas a serem
vendidos, sendo que (...) tiveram um papel fundamental na implantação da
empresa açucareira, contradizendo, portanto, o velho argumento de que o índio
era inapto ao trabalho agrícola devido à sua indolência." (Digital Master
- Enciclopédia online, 2005).
Nem por isto a descartar a opção pelo escravo negro,
muito mais caro que o nativo, todavia essa preferência já não se fundamenta que
este melhor ou pior trabalhador que aquele, ou mais dócil, ou menos propenso às
enfermidades, estando o diferencial entre o indígena e o negro na parentela do
índio que residia nas matas e era sempre uma ameaça de vingança ou de
libertação. E se algum índio escravo, isoladamente ou em grupo, viesse fugir,
mais fácil misturar-se aos que viviam em liberdade, porque conhecia a selva e
seus habitantes, enquanto os negros estavam num ambiente totalmente
desfavorável, por desconhecer a região e a língua, além da cor a denunciá-lo
sempre.
Também não se descarta que a opção escravista pelo negro parece mais uma questão do emocional/espiritual; os brancos adquirentes não viam e por isso não sentiam, aliás, nem sabiam dos negros capturados na África, se muitos morriam ou não depois de aprisionados, por suicídios ou doenças oportunistas para as quais sem imunidades. Igualmente os senhores desconheciam se os negros, à semelhança dos índios com o mesmo destino, antes de presos matavam ou não os filhos, às vezes mulheres, para que tais não fossem apanhados e feitos escravos.
—A História, pelos didáticos, relata que, em meado do século XVI, índios acuados pelos preadores nos arredores de Buenos Aires [Argentina] mataram esposas e filhos, lançando-se depois para a morte, do alto de alguns rochedos, para não se fazerem escravos.
O escravo negro custava caro e só os grandes
senhores, mais assentados no litoral do nordeste brasileiro, tinham condições
compensadoras de compras, ficando o índio por espécie de reserva de mão de
obra, quando lhes viesse faltar o negro. Por conseguinte, não podiam escravizar
muitos nativos para que o estoque pudesse ser naturalmente reposto, entre os
próprios silvícolas, sempre às mãos quando necessários.
No início do século XVII, com Portugal sob domínio
espanhol, a Holanda investiu no comércio de mão-de-obra africana e desorganizou
o tráfico português, fazendo diminuir o fluxo de escravos negros para algumas
regiões da colônia, com isso a renascer o interesse pela escravização do
indígena (História do Brasil, Expansão Territorial).
O tráfico negreiro agravou-se partir de 1624 quando
os holandeses, em guerra com a Espanha pela sua libertação, atacavam colônias
espanholas [e portuguesas, por extensão de coroa unificada], para dificultar o
tráfico de escravos africanos.
A Holanda monopolizou a vinda de africanos para o
Brasil, trazendo escravos apenas aonde seus interesses, no denominado nordeste
holandês, mesmo que por tempo transitório. A ação holandesa foi desastrosa à
economia colonial e reinol de Portugal, necessitando os senhores de engenhos e
fazendeiros de mão de obra urgente, para acudir a lavoura e dar enfrentamento
ao inimigo invasor, o que fez sobrevalorizar o preço do escravo indígena e com
isso o incremento para sua captura.
Naquela época o Guayrá contava em parte do Vale
Paranapanema [paranaense] e contiguidade, com população aldeada de
aproximadamente cem mil índios [há números que indicam duzentos mil] cobiçados
para a escravidão, quando a Bahia, São Vicente e outras localidades estavam
dispostas pagar bem por peça que lhes fosse entregue. O escravo indígena que
antes custava cinco vezes menos que o africano, teve elevação nos preços para
igual ou maior, se o índio fosse aldeado, o que significava trabalhador
adestrado para a agricultura e outros ofícios.
A Bahia pediu socorro e a Câmara Municipal da Vila de
São Paulo e a de São Vicente requereu os préstimos de Raposo Tavares, para
guerrear e aprisionar indígenas para fins de escravização e com isso salvar a
economia colonial, "por esta a terra pobre, sem escravaria e hostilidade
pelos selvagens", de acordo com registro oficial em livro ata daquelas
municipalidades. Os espanhóis, principalmente de Buenos Aires e Assunção, da
mesma forma desejavam os índios como escravos em suas propriedades, dispostos
pagar bem.
Óbvio, com a ação jesuítica junto às reduções,
praticamente inibia-se a escravatura indígena, por isso os paulistas
organizavam as bandeiras - como organização militar, para prear indígenas
mediante autorização da Câmara de Vereadores de São Vicente e São Paulo, sob a
titulação de Guerra Justa.
O jovem Raposo sabia, por Manuel Preto, onde obter
índios e não mediu sacrifícios para engendrar uma boa e lucrativa campanha para
atacar Guayrá, vindo inclusive associar-se com o governador do Paraguai, Dom
Luís de Céspedes y Xeria, para o bom êxito de seus propósitos contra as
reduções jesuíticas do Guayrá com os milhares de índios, como pronta solução
para os problemas de todos, sob pretexto de guerra justa.
O governador paraguaio D. Luis vendeu a causa Guayrá
aos paulistas, depois seus sucessores se preocuparam apenas administrar
problemas internos causados pelos jesuítas, entrantes em seu território,
resguardando interesses pessoais e cientes que os luso-brasileiros não
invadiriam o Paraguai.
Raposo Tavares montou uma organização militar pronta
para guerra, sob identidade nacional e direção comum, ou seja, que a busca ao
índio aldeado e a destruição das missões jesuíticas espanholas trariam, por
consequência, a ampliação territorial brasileira dentro de um espaço vazio que
urgia povoar. Nem portugueses nem espanhóis ignoravam isto.
Comumente o didatismo justifica as investidas de
Raposo Tavares contra as reduções espanholas, como gesto voluntário, pela sua
convicção de lutar pela integridade de terras portuguesas contra a Espanha, mas
hoje cumpre entendimento que o bandeirante foi financiado por segmentos da
sociedade portuguesa e autoridades interessadas no expansionismo territorial da
colônia brasileira, em detrimento a Espanha.
Os defensores que Raposo era mercenário cabeça de
entrada, citam dívidas fazendárias "do Mestre de Campo Antônio Raposo
Tavares", das armas e munições que lhe foram entregues para o bom êxito das
investidas contra os jesuítas das reduções espanholas. O historiador
rondoniense Amizael Silva faz referência a citado documento, de 22 de fevereiro
de 1665, do Provedor-Mor da Fazenda do Brasil, e acredita que "Na verdade,
a Coroa Portuguesa financiara aquele desbravador, naturalmente com fins
expansionistas" (Gomes Silva, 1999: Capítulo II, Os Bandeirantes).
Jovam Vilela da Silva
informa que "Em 1628 Pe. Antonio Ruiz de Montoya já havia reclamado aos
seus superiores que Raposo Tavares declarava que expulsaria as missões
espanholas situadas ao sul do continente americano porque as terras pertenciam
ao rei de Portugal e não ao da Espanha" (Vilela da Silva, A Lógica
Portuguesa na Ocupação Urbana do Território Mato-Grossense).
Do mesmo Vilela da
Silva, "De fato, deve-se considerar a hipótese de bandeirantes terem sido,
secretamente, encorajados por ordens portuguesas para alargarem o território
português na América, ao sul, até o Paraguai, a oeste até o Peru e de se
utilizarem o Tietê, Rio São Francisco e do Amazonas e seus afluentes para
estabelecerem passagens e zonas de povoamento, patenteiam-se".
Jaime Cortesão (na obra Raposo Tavares - ...)
alinha-se com aqueles que acreditam que o avanço territorial do Brasil se deu
pela não conformação portuguesa aos termos do Tordesilhas, num típico movimento
nacionalista, sendo o ataque às reduções jesuíticas do Guayrá apenas a parte
lucrativa de uma guerra, antes de tudo territorial.
O devotamento de Raposo às ordenanças das Câmaras de
São Vicente e São Paulo demonstra bastante claro que fazia isto por dinheiro e
prestígio, por exemplo, depois de exercer o cargo de "juiz ordinário da
Vila de São Paulo, ganha novo e mais importante posto na Justiça da Colônia,
passando a Ouvidor de toda a capitania de São Vicente" (Expedições
Bandeirantes...).
A razão de Raposo exercer um cargo de exclusiva
nomeação de donatário de capitania pressupõe que o Conde de Monsanto, Donatário
da Capitania de São Vicente, desejoso em aumentar domínios, tenha recorrido a
Raposo Tavares pelo seu exacerbado nacionalismo e que insistia acreditar que as
terras de Portugal não se findavam no imaginário de Tordesilhas.
Raposo provavelmente não suportava o domínio espanhol
sobre Portugal e colônias, talvez daí a aspereza mútua entre o jesuíta espanhol
Justo Mansilla [Mancilla] que chamou Raposo de 'vassalo rebelde' para obter
deste a resposta "ide-vos vá daqui que estais em terras de Portugal."
(Expedições Bandeirantes...), que alguns estudiosos entendem como ódio à
Igreja.
Contudo, foi cumprindo ordens das Câmaras de São
Paulo e São Vicente, que o bandeirante reuniu quase todos os homens em idade de
guerra de São Paulo e São Vicente, três mil brancos, três mil índios e
aproximadamente mil mamelucos, formando não a maior bandeira ou entrada que até
então se organizara em terra brasileiro, e sim verdadeiro exército paulista
muito bem preparado e dividido em quatro colunas e sessenta e nove divisões
organizadas e prontas para o ataque.
A despeito do ódio aos espanhóis ou à Igreja, senão a
ambos, o interesse maior de Raposo sem dúvidas estava na motivação financeira,
posto que aprisionar índios e torná-los escravos era altamente rentável. As
leis da Espanha em contrário às ações bandeirantes não chegavam eficientes em
terra brasileira, nem os clamores portugueses, a mando dos Senhores de Castela,
tinham vigor em 'deixar livres os índios nascidos livres'.
Os missionários que mantinham índios sob sua
jurisdição eram espanhóis ou vinculados à Ordem Jesuítica, que era espanhola e
havia ganhado uma província inteira do Rei da Espanha, enquanto os
luso-brasílicos não admitiam a dominação filipina, nem concordavam com as
tantas terras doadas aos padres, terras com riquezas ainda por achar, já com
possibilidade milionária de mais de cem mil índios, se vendidos como escravos
por um bom dinheiro.
Alguns historiadores acreditam que somente assacam contra os bandeirantes, aqueles que se fiam exclusivamente em documentos espanhóis, desconhecendo que os jesuítas se apossavam do território sul-americano, do oeste a partir de Guayrá para o sul, através do expansionismo territorial, desde o princípio presente nas aspirações dos padres para o estabelecimento do estado teocrático católico, chocando-se com os luso-brasílicos igualmente expansionistas para além Tordesilhas, mais a captura do índio para o trabalho em suas lavouras.
—"Antônio Raposo Tavares, que fora denominado Segador de Satanás pelo padre Cláudio Reiyes - da redução de São Nicolau, armou com apetrechos de guerra, numerosa comitiva e mais cadeias, grilhões, esporas, coleiras, algemas e correntes de oito a dez metros de comprimento, com dez ou mais gargalheiras presas e iniciou percorrer os altiplanos da Bolívia. No finalzinho da primeira metade do século XVII, atingiria o rio Mamoré e em seguida o Madeira, pelo qual chegaria ao Amazonas, e por ele seguindo até o Grão-Pará." (Gomes Silva, 1999: ...).
A 'Guerra contra Guayrá' estava prevista para 1627, os paulistas todos incitados por "Raposo Tavares, que conta, então, 28 anos de idade, mora em Quitaúna e, com Paulo do Amaral, incita a população à revolta, concitando-a a integrar-se nas hostes vingadoras. Os preparativos vão adiantados, quando a Câmara toma conhecimento deles e irritase, não encontrando outra solução senão esta: prender os rebeldes" (Belmonte - pseudônimo de Benedito Carneiro Bastos Barreto, apud Novo Milênio: Belmonte, No tempo dos bandeirantes, 1948 - L 23: 2); e, dentre discussões e pareceres o autor destacou:
—"Os senhores vereadores não desconhecem as invasões dos hispanos de Vila Rica. Sabem que, escorados no meridiano de Tordesilhas, os missionários castelhanos vão se apossando das terras, semeando reduções pelo vale do Paranapanema, até as proximidades de São Paulo, com o indisfarçável objetivo de estabelecer uma conquista cimentada por hábil interdito retinendaes possessionis".
Na sessão camarária de 02 de outubro de 1627, Cosme da Silva, Procurador do Conselho da Câmara de São Paulo, no uso da palavra requereu:
—"(...) que avizassem o capitam-mór, por carta e por requerimento, de como os ispanóis de villa rica e mais povoações vinhão dentro das terras da crôa de portugall e cada vez se vinhão aposando mais delles..."(...)."Há, todavia, quem discorde do estranho comodismo dos 'senhores do Conselho' eleitos para esse ano de 1627. Entre a legião dos endemoniados "rebeldes", estão dois sertanistas que, mais tarde, se revelarão, agigantando-se: Paulo do Amaral e Antônio Raposo Tavares. Às ocultas, os dois grandes sertanistas procuram formar uma poderosa bandeira para barrar a audaciosa infiltração espanhola, vinda do Sul para o Norte e de Oeste para Leste com o claro, evidente, indissimulável intuito de impedir a expansão geográfica do Brasil, teoricamente contida pela linha tordesilhana."
Informa Belmonte que "o mesmíssimo procurador Cosme da Silva", na oportunidade, " requereu aos ofisiais que se dirigisen ao ouvidor, e lhe requeresen que fosse prender a ãt.º raposo tavares e a paullo do amarall por seren amotinadores deste povo e mandaren allevantar gente para iren ao sertam."
Por fim o desfecho dado:
—"Presos os dois 'amotinadores', fracassa a grande arremetida dos paulistas contra os espanhóis da província do Guayrá. A Câmara, certamente, exulta e volta, tranquilamente, às suas comodidades, embora de olho pregado na população que agora, mais que nunca, freme de indignação e, de punhos cerrados, espera..."
Mas a Guerra do Guayrá fora apenas adiada.
09.5. Etnocídio e a
escravização indígena
Produzidos os motivos da guerra, em dezembro de 1628
as missões jesuíticas sofriam os primeiros ataques dos bandeirantes, sem o
apoio do governo de Assunção que lhes requisitou antes as armas e munições, bem
como determinou a retirada dos soldados paraguaios as sentinelas das reduções e
das cidades militares de Vila Rica e Jesus Maria.
A grande desvantagem dos reduzidos, no enfrentamento,
foi mesmo falta de armas que D. Luis de Céspedes y Xeria fez retirar e assim as
cidades planejadas, que deviam bloquear o caminho dos portugueses para a
América Espanhola, resistiram bem pouco vindo cair uma a uma, primeiro San
Antonio a 30 de janeiro de 1629, depois São Miguel, Jesus Maria, Encarnacion e
as adjacentes (Expedições Bandeirantes...), enquanto outra frente atacava
aldeamentos no Vale Iguaçu (Maack, 2002: 72) e uma terceira pelo Paranapanema,
às exceções de Loreto e Santo Inácio, fazendo com que muitos índios fugissem
com seus padres em direção ao Tape [Rio Grande do Sul], Itatim [ao sul de Mato
Grosso - do Sul] e Paraguai.
A resistência maior dos missioneiros ocorrera em
Ciudad Real Del Guayrá e Vila Rica Del Espírito Santo, onde a quarta divisão do
exército de Raposo foi rechaçada dos intentos diante daquelas fortalezas,
morrendo dois jesuítas em Ciudad Real.
Aparentemente os bandeirantes não contavam com
tamanha reação, obrigados à fuga atabalhoada pelas matas até encontrar-se com a
frente de ataque às reduções mais próximas do Paranapanema, também obrigada
retroceder diante do avanço das tropas inimigas. Santo Inácio e Loreto, por
ora, estavam a salvos.
Temendo retorno dos bandeirantes às margens do rio Paranapanema, para atacar Santo Inácio e Nossa Senhora do Loreto, padre Antonio Ruiz de Montoya e outros seis jesuítas prepararam o êxodo mais dramático de índios da América do Sul, em centenas de canoas e jangadas para fugir do branco avassalador, num episódio assim descrito por Montoya:
—"Acabamos as hóstias consagradas, e fizemos conduzir os santos óleos e os nossos pobres haveres para a beira do rio, onde embarcamos nas jangadas. Do mesmo modo as gentes também meteram nas jangadas ou nas canoas as suas pobres coisas, conforme já se tinha predisposto. Os homens que se haviam aprontado, os moços, os rapazes, as mulheres, as velhas, as moças, as meninas, todos juntos com as crianças, encaminharam-se para o rio. A aldeia inteira [se] levantou sem ficar nem ao menos uma pessoa. Mandamos retirar das sepulturas os corpos dos três padres, nossos companheiros, para levá-los conosco; trancamos bem a porta da Igreja para evitar que ali entrassem animais. Parecia um dia de juízo aquele dia em que fizemos a mudança." (Padre Montoya, apud Jorge Junior, 20 de agosto de 1967).
E Jorge Junior arremata:
—"E, para sempre, das margens do Paranapanema, partiram mais de 12 mil indígenas, descendo rios, em tormentosa retirada, rumo a uma nova esperança em terras localizadas entre os rios Paraná e Uruguai. Depois de longa e penosa viagem, sofrendo acidentes, doenças, desistências e mortes, chegaram ao seu destino pouco mais de quatro mil retirantes. (...). Loreto e Santo Inácio, abandonadas, sofreram a ação destruidora de 300 anos. Os telhados caíram, as paredes de taipa se desfizeram e a vegetação luxuriante, qual pano de boca de teatro, desceu vagarosa como final do imenso drama".
No dia 1º de maio de 1629, depois de dez meses de
sertão e guerra, vitoriosos, porém exaustos, os paulistas voltaram a
Piratininga após destruir umas tantas missões, com vinte mil índios capturados
e vendidos como escravos, dez mil deles de uma só mão para a Bahia. Justo
Mansilla [Mancilla] e Simão Mazzeta, os jesuítas que acompanharam os índios que
iam para o cativeiro em São Paulo, foram os autores da "Relación de los
Agravios", peça preciosa para a reconstituição da expedição, ainda que
nada tenha produzido para punir culpados de guerra (Mansilla e Mazzeta,
Relación de los Agravios).
Em atenção aos jesuítas, o Governador
"Capitão-Mor do Brasil" determinou que todos os índios capturados no
Guayrá fossem libertos, no risível despacho "faça-se imediata
justiça", quando não havia mais índios para libertação, todos já vendidos
para a escravatura.
Em 1631, Raposo à frente de seu exército retorna ao
Guayrá e bate de frente com Vila Rica do Espírito Santo - cidade militar, sem
êxito aparente para retornar novamente em 1632 e destruí-la
definitivamente.
Conta Maack (2002: 72), que "dos 100 mil índios
convertidos existentes na zona desta redução, 15 mil foram mortos e 60 mil
vendidos como escravos em São Paulo.", noticiando inclusive que o preço de
cada escravo "devido à oferta exagerada, baixou de Rs 100$000 para Rs
20$000."
A Ciudad Real Del Guayrá foi arrasada somente no ano de 1638. Para os padres jesuítas o sonho de um estado teocrático na América do Sul não se findou com a destruição de Guayrá. Desde que traídos por D. Luis Céspedes e vencidos por Raposo Tavares voltaram-se para o sul, onde já se firmavam algumas reduções, desde 1626, como novo projeto missioneiro em terras também por concessão do reino espanhol. Raposo foi ao encalço deles e uma das frentes de suas tropas protagonizou o acontecimento:
—"No dia de São Francisco Xavier (3 de dezembro de 637), estando celebrando a festa com missa e sermão, cento e quarenta paulistas com cento e cinqüenta tupis, todos muito bem armados de escopetas, vestido de escupis, que são ao modo de dalmáticas estofadas de algodão, com que vestido o soldado de pés à cabeça peleja seguro das setas, a som de caixa, bandeira tendida e ordem militar, entraram pelo povoado, e sem aguardar razões, acometendo a igreja, disparando seus mosquetes.
Pelejaram seis horas, desde as oito da manhã até as duas da tarde.
Visto pelo inimigo o valor dos cercados e que os mortos seus eram muitos, determinou queimar a igreja, aonde se acolhera a gente. Por três vezes tocaram-lhe fogo que foi apagado, mas à quarta começou a palha a arder, e os refugiados viram-se obrigados a sair. Abriram um postigo e saindo por ele a modo de rebanho de ovelhas que sai do curral para o pasto, com espadas, machetes e alfanjes lhes derribavam cabeças, truncavam braços, desjarretavam pernas, atravessaram corpos. Provavam os aços de seus alfanjes em rachar os meninos em duas partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros.
Compensará tais horrores a consideração de que, por favor, dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?" (Capistrano de Abreu, (...): 59).
A grande aventura jesuítica definitivamente encerrou-se quando seus padres foram expulsos da América portuguesa e espanhola, em 1759/1760 e 1768 respectivamente, deixando suas trinta e três reduções e uma população ainda superior a cem mil habitantes, em partes de terras hoje pertencentes ao Uruguai, Paraguai, Argentina e sul do Brasil.
Jorge Junior estima, fundamentado em documentos
jesuíticos e de historiadores, que em todo século XVII mais de trezentos mil
nativos, da margem esquerda do Rio Paranapanema ao Rio Grande do Sul, foram
aprisionados e escravizados (20/08/1967).
Para Meliá, numa estimativa talvez exagerada, seriam
mais de um milhão de indivíduos escravizados, contados aí os índios capturados
pelos castelhanos - os 'encomienderos' (Meliá, 1969).
09.6. Um vazio de
gentes no sertão - consequências das entradas e bandeiras
Darcy Ribeiro entendia as missões jesuíticas como a
experiência ou "a tentativa mais bem sucedida da Igreja Católica para
cristianizar e assegurar um refúgio às populações indígenas, ameaçadas de
absorção ou escravização pelos diversos núcleos de descendentes de povoadores
europeus, para organizá-las em novas bases, capazes de garantir sua
subsistência e seu progresso" (Ribeiro, As Américas e a Civilização,
1988).
O colonizador, português ou espanhol, acreditava a
redução jesuítica como forma de preparar o índio para a mão de obra a favor do
conquistador. O índio aldeado encontrava melhor preço de mercado porque
acostumados ao trabalho agrícola, em outras artes de ofício e, sobretudo, dóceis;
isso despertava a cobiça dos bandeirantes que resolveram atacar Guayrá onde à
disposição encontravam-se dezenas de milhares de nativos para preamento.
Aconteceu a guerra e a vitória bandeirante trouxe
como resultado, o aprisionamento de milhares de índios, a tomada territorial
pela conquista e, posteriormente, ocupação daquelas terras de Espanha, tudo a
se processar de acordo com as necessidades econômicas de Portugal.
O bandeirismo paulista envolvido na Guerra do Guayrá
era de apresamento; com a fuga dos jesuítas e índios sobreviventes às regiões
do Tape e Itatim, para lá se deslocaram os bandeirantes deixando toda bacia do
Paranapanema, numa espécie de recesso de presenças do homem branco, por quase
um século. Isto significou novas entradas em terras espanholas e futuras
anexações.
As terras invadidas tornaram-se paulistas,
consequentemente portuguesas, pelo uso da força, ainda que Portugal e colônias
estivessem sob domínio espanhol. A ousadia paulista e a vitória em Guayrá
fizeram com que o rei espanhol, e as autoridades portuguesas de plantão,
viessem a negociar rápido para evitar a independência paulista e o
fracionamento territorial, a partir do rio Tiete até o Paraná e por este
descendo até o rio da Prata, colocando em risco outras regiões pertencentes à
Espanha.
A região do Guayrá então sob domínio português, com
referida conquista, apenas despertou interesse de fixação humana quando da
descoberta do ouro no litoral paranaense, em Paranaguá, ano de 1648, depois
outros povoados como Morretes, Antonina e Guaratuba, voltando-se para Curitiba
em 1668, sendo estes os primeiros núcleos sob dominação portuguesa como causas
de penetração em terras do Paraná espanhol. Não existindo ouro em abundância, o
local ficou entregue a uns poucos agricultores de subsistência, já com garantia
que os luso-brasílicos não mais dali arredariam pé daquelas paragens,
"como desejo de efetivar a conquista da terra" (Tapajós, 1963: 95),
cada vez mais com as vitórias bandeirantes contra as missões jesuíticas do Tape.
A tomada do Guayrá, ou, o sucesso de Raposo, sem
dúvidas incentivou demais entradas em outras regiões além Tordesilhas, sendo
ele próprio a realizar as principais delas, de sul a norte, centro-oeste e
nordeste, parecendo obedecer a ordens superiores para assegurar apossamentos
dos atuais estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato
Grosso, Goiás, inclusive chegando com sua expedição até o Amazonas, além de ter
lutado contra os holandeses na Bahia e em Pernambuco.
Tamanhas ousadias deram ao Brasil [Portugal] forças necessárias para o posterior recuo do Tratado de Tordesilhas, e assim acrescer partes territoriais pelo tratado de Madri em 1750, o reformador do Tordesilhas.
—A própria revolução nacionalista portuguesa de 1640, que conduziu D. João IV ao trono de Portugal, depois de sessenta anos de dominação espanhola, sem dúvidas teve sua inspiração na expulsão dos espanhóis do território avançado pelos bandeirantes e entradistas entre 1628/1638.
No Brasil, particularmente São Paulo, já se formava,
então, a consciência de nacionalidade como grupo étnico-cultural amalgamada de
raças e culturas diversas, a despertar sentimento de superioridade ao reinol
espanhol em direito a terra, quando em andamento também o antagonismo entre o
nascido brasileiro com o elemento português, desperto sobremaneira após a
expulsão holandesa do território brasileiro.
Como conclusão pode-se dizer que os bandeirantes, no aprisionamento ao indígena, desempenharam importante papel nessa expansão territorial, desbravando os sertões além do Tratado de Tordesilhas, a culminar numa série de outros tratados de limites entre Portugal e Espanha, como os de 'Utrecht', em 1715, de 'Madrid' - 1750 e suspenso pelo 'Tratado de El Prado' - 1761, o de 'Santo Ildefonso' - 1777 e, finalmente, o de 'Badajoz' - 1801.
Após esses tratados, a área brasileira mais que triplicou, dos 2.500.000 km2 - pelo Tordesilhas, para mais de 8.000.000 de km2, quase a superfície atual estabelecida pelo direito fundamentado na ocupação efetiva de longo prazo, e independente de outro qualquer título - 'uti possidetis', ou seja, uma área pertence a quem efetivamente a ocupa.
Do elemento indígena, sobrevivente de tantos
massacres e apresamentos, não se sabe o que realmente lhes aconteceu, talvez
parte incorporada à sociedade paraguaia, outra à brasileira que se formava ao
litoral paranaense, alguma reintegrada aos parentes selvagens, enquanto a
maioria se transformou em destroços tribais, distanciando-se ainda mais de seus
vínculos originais.
Para muitos especialistas, foram estes os índios
encontrados, à exceção caingangue, em meados do século XIX, por habitantes
embrenhados nas matas adiante da Serra de Botucatu, entre os rios Feio/Aguapeí
e Paranapanema, favorecidos pelo declínio do bandeirismo de apresamento, desde
a reconquista de Angola de mãos holandesas, em 1648, com a normalização do
abastecimento de escravos africanos; a expulsão dos holandeses do nordeste
brasileiro e a crise da economia açucareira, fatores todos determinantes para
desmotivar a caça ao índio (Donato, 1985: 33).
Outro importante motivo à sobrevida indígena no oeste
paulista foi que às bandeiras de apresamento sucederam as de prospecção, e a
região nada tinha a oferecer a esta nova onda. Aos tais índios bastava tão
somente não se colocar às proximidades do Tiete, Paraná e Paranapanema, onde
ocorria maior tráfego de brancos rumo aos grandes sertões do Mato Grosso, Goiás
e Minas Gerais, onde se descobriram riquezas minerais de grande exploração.
Por conseguinte, a chegada de bandeirantes e
entradistas nas regiões auríferas do centro-oeste brasileiro, provocaram êxodo
de nativos em direção ao território paulista, nas matarias pelos lados de
Bauru, Lençóis, além da serra de Agudos, na bacia do Pardo, nos campos de
Avaré, nas vertentes do Paranapanema e do outro lado da Serra de Botucatu, com
certa distância das povoações que já surgiam a partir de Sorocaba.
Entende-se que estes grupos indígenas se expandiram
progressivamente, tornaram-se constantes, maiores e cada vez mais ameaçadores,
ainda que elementos fugidios diante da presença branca.
O avanço do branco, além de Itapetininga, em direção
a Botucatu, promoveu incidentes com os índios da região, daí o surgimento das
bandeiras de contrato, como exemplo em 1680, quando o capitão-mor Jorge Correa
foi contratado, oficialmente, para caçar índios bravios que estavam nas matas
desde as vertentes do Paranapanema, em estado de selvageria. Correa esteve na
Serra de Botucatu, percorreu campos do Pardo e Avaré (Taunay, História Geral
das Bandeiras Paulistas, Tomo III: 328), com práticas predatórias contra
indígenas.
Outra entrada, no ano de 1706, chefiada por João Pereira de Souza, passou pela região de Botucatu em perseguição ao índio com ordens para extermínio total. "João Pereira (...) consegue ainda ser mais duro que seus predecessores. Passa por onde hoje se encontra o centro da cidade [Botucatu] e praticamente dizima todos os índios da região" (Bicudo, 2009).
Sem a incômoda presença indígena, as terras de Guareí ao alto da Serra de Botucatu, tornaram-se propriedades de sesmeiros, dentre eles o capitão-mor Antonio Caetano Pinto Coelho, capitão Antonio Antunes Maciel e o capitão José Campos Bicudo, destacados pelas doações feitas aos padres jesuítas para a instalação de uma fazenda para criação de gado e promoção agrícola.