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Desmatadores - imagem representativa - Johann Moritz Rugendas -
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2. Botucatu rumo ao progresso
O alto da Serra Botucatu, em 1830, não era lugar interessante para qualquer fazendeiro explorar atividades agropecuárias em suas propriedades, ante a imprevisibilidade dos ataques indígenas.
Apesar da instabilidade na região da Serra, por lá passavam caravanas de tropeiros e boiadeiros com suas cargas, vindos do sul pela estrada oficial Viamão-Sorocaba, conduzindo suas cargas com destinos a Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
— Os tropeiros tiveram grande importância no desbravamento sertanejo de 1850/1851, descortinando caminhos, dimensionando regiões e localizações de tribos indígenas e seus costumes (https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/13-o-tropeirismo-ja-no-ultimo-quartel.html). José Theodoro de Souza foi tropeiro antes de chefiar o bandeirismo na conquista do último rincão inculto paulista.
Na época era afamado chefe de tropeiros e boiadeiros o Joaquim da Costa e Abreu*, a serviço de Domingos Soares de Barros, transportando gado bovino e tropas de muares e equinos desde o Rio Grande do Sul, por rotas alternativas para evitar pagamentos de taxas de barreiras, impostos sobre os animais e pedágios, cobrados nos caminhos oficiais, além dos elevados custos de pousos e pastagens. Costa Abreu era conhecedor da natureza indígena, quanto aos passantes, e das astúcias dos ladrões que espreitavam os caminhos para práticas de roubos.
— Soares de Barros conheceu e se relacionou com o tropeiro Joaquim da Costa e Abreu, em Silvianópolis - MG, tanto que padrinho de Fabiana, filha do tropeiro com Catharina Rodrigues (Silvianópolis, Livro de Batismos 1797-1837: 155 – gentileza Emanuel Costa Luz). Costa e Abreu trabalhou para o Soares de Barros em Araraquara, Bairro do Jacaré, além das atividades tropeiro e administrador na Fazenda Sobrado, em atual território de São Manuel.
Na província paulista Costa e Abreu entrava por Faxina - Itapeva ou pelo Tijuco Preto - Piraju, caminhos desde o Paraná para a Serra Botucatu, com paradas na Fazenda Sobrado ou no Jacaré em Araraquara, para invernagens das tropas e gados, antes dos prosseguimento por caminhos e apêndices até Minas Gerais, Goiás ou Mato Grosso, negociando diretamente com compradores em nome do patrão ou em seu próprio.
— Euzebio da Costa Luz, filho de Joaquim da Costa e Abreu, acompanhava o pai nas andanças pelo Sul do Brasil, negociando tropas e gados em seu nome, acompanhando a mesma caravana formada.
— Vinculado ao Euzebio e provavelmente ao Joaquim da Costa, José Theodoro de Souza era homem de confiança, como espia de tropeiradas e boiadas, à frente dos mateiros e atiradores para a garantia dos condutores e das cargas, com decisões rápidas ante os perigos.
Nestas andanças Costa e Abreu conheceu vãos de sesmarias, inclusive terras abandonadas e devolutas entre as fazendas Monte Alegre, do capitão José Gomes Pinheiro, e a Sobrado, do Soares de Barros, que podiam ser apossadas se escorraçados os índios instalados nas matas.
Interesses mútuos o capitão Gomes Pinheiro e o Costa e Abreu, incentivado por Soares de Barros, celebraram 'acordo verbal' para posses daquelas terras, que fossem originariamente do capitão ou aquelas livres de ocupações primárias, distintas em 'campos e matos', estabelecido os matos para Costa Abreu e os campos para o Gomes Pinheiro, este mais intencionado na segurança de suas propriedades, livres da incômoda presença indígena que seria, certamente, expulsa da região com as ocupações de Costa Abreu.
Com o acordo, Costa e Abreu trouxe de imediato dezenas de famílias mineiras e outras interessadas em povoar o sertão, afugentar índios e trabalhar a terra, instalando-as nos arredores do povoado botucatuense consagrado, pelas tradições, a Nossa Senhora das Dores, no Cimo da Serra, para cujo patrimônio doara, informalmente, porção maior de terras para acomodar a população chegante:
— "Em 1835, com o aparecimento por aqui, do sertanista Joaquim Costa, que resolveu POSSEAR o Ribeirão que ficou conhecido como 'dos Costas', hoje Ribeirão Lavapés. É que começou de fato crescer o burgo sertanejo." (Almeida Pinto, 1994: 23).
—Ainda, em 2018, desconhecidas as ações 'bem-sucedidas' de Costa e Abreu em relação aos indígenas selvagens postados nas morrarias e furnas, que garantiu relativa segurança no alto da serra, como lugar protegido e fortificado, atraindo interessados, fazendeiros e trabalhadores, para elevar a população para mais de duzentas pessoas.
Costa e Abreu e o Pinheiro Machado desentenderam-se, a concluir que, ou o Gomes Pinheiro arrependido do combinado ao ver a prosperidade do sócio, com muito mais terras que as suas, ou o Costa e Abreu descumprido o trato ao invadir e assumir para si parte dos campos do capitão. Desta ou daquela maneira, entre eles a célebre 'Contenda da Porteira', defendida pelos capangas de Costa e Abreu impingindo derrota ao bando do capitão Pinheiro Machado.Insatisfeito o Gomes Pinheiro entrou em juízo para reaver pressupostos direitos, mas Costa Abreu morreu antes da decisão, no ano de 1840, e em seu lugar consolidou-se no mando botucatuense o filho Euzebio da Costa Luz, político conservador. -o-
* Detalhes biográficos de Joaquim da Costa e Abreu, até onde possível, disponibilizados na página:
https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/joaquim-da-costa-e-abreu-o-tropeiro.html.
3. Tentativas, êxitos e fracassos de fazendeiros adiante da serra
Com a firmeza de Costa Abreu nos anos de 1830, alguns
fazendeiros ousaram posses para adiante da serra.
O agricultor Pedro Ribeiro Nardes ou Pedro Nardes Ribeiro, contado entre os moradores de Tatuí, "Quarteirão nº 14 do Bairro de Tatitu, Districto de Paz do Municipio de Itapetininga, no ano de 1835." (Apud Franceschi, 2009), se estabeleceu em 1834, com sua família, agregados e escravos, às margens do Ribeirão Grande, nas cercanias de Aimorés, atual região de Bauru (Bauru, edição histórica, 1977: 7).
—Numa desvantajosa refrega com os índios, Nardes retirou-se do lugar e depois se mudou para Castro (PR), com a família, e daí ao Rio Grande do Sul onde fez crescer a descendência e parentela. Anos mais tarde, Manoel Rodrigues de Almeida, promoveu o Registro Paroquial de Terras do lugar 'Campos Novos' [Bauru], cujo título de posse adquirido de Pedro Nardes Ribeiro em 1834 (AESP: RPT/BTCT nº 344: 119-v).
O capitão José Gomes Pinheiro também avançou conquistas adiante da serra, e em seu nome registradas terras confinantes ao Nardes, na região de Bauru; no entanto, sentindo as agruras do Nardes, optou por permanecer na serra.
—As terras do capitão no "Sertão do Bairro de Bauru" constam no Livro de Registros Paroquiais de Terras, nº 123 (AESP: RPT/BTCT Nº 01 - Aviso-Circular, Imperial, de nº 22/10/1858).
Os associados sorocabanos, Procópio José de Mattos e
Domingos Palmeira, em 1835 avançaram além dos limites da Boa Vista, a antiga
fazenda jesuítica, e apossaram terras para formar a fazenda Palmeira, lugar não
tão distante da civilização, sem registros significativos de ataques indígenas.
Ignácio Dias Baptista - o 'Capitão Apiaí', em 1834/1835 senhoreou-se de terras de campos e matas entre os rios Claro e Turvinho, e desde as nascentes e vertentes dos ribeirões São Domingos e Forquilha, até despejos deles no Turvo.
—Capitão Apiaí foi assaltado por índios bravios e morto por crucificação em 1838, na sua fazenda Rio Claro, no alto da Serra Botucatu. Anos depois os herdeiros e sua viúva herdeira e meeira registraram partes das posses advindas e alienaram outras (AESP: RPT/BTCT).
As crescentes ações indígenas no alto da serra
apavoravam os brancos. Os agressores, após os ataques noturnos ou às claras
contra grupos isolados, retornavam rápidos para as encostas onde bem conheciam
e se faziam praticamente imbatíveis, colocando em risco as conquistas
civilizadas.
Aos fazendeiros restavam as alternativas: ou
abandonavam a região ou contratavam bugreiros para uma limpeza étnica regional
e, de vez, restabelecer a segurança às famílias e trabalhadores.
4. Dos avanços para
a ocupação sertaneja
Euzebio da Costa Luz, o novo mandador em Botucatu,
parecia mais interessado na conquista sertaneja adiante da serra.
Estava em curso a invasão branca sobre territórios
indígenas adiante da serra, entre os rios Tietê e Paranapanema, e diversas
famílias mineiras, de onde sairiam os bugreiros para a empreitada, se
estabeleceram em vilas ou freguesias paulistas ditas civilizadas, mais próximas
ao alvo, citadas localidades de Araraquara, Botucatu, Brotas, Dois Córregos e
Jaú. Documentos comprovam as cheganças desde 1847, embora a família de José
Theodoro de Souza e outras achegadas, já na província de São Paulo desde
1837.
Ao ensejar a conquista do último rincão inculto da
província paulista, Costa Luz, ou às suas ordens, teria feito esquadrinhar o
sertão, mais ou menos das dimensões da Holanda, para saber onde localizadas as
aldeias indígenas, os números de seus guerreiros, os acidentes geográficos, os
caminhos e os usos e costumes dos povos a sofrerem as ofensivas, apresentando
assim a possibilidade de ataques relâmpagos, quase simultâneos, em toda a área
a ser ocupada, conforme viria acontecer.
Considere-se nisto o uso de índios mansos para
levantamentos, aliados ao costume do selvagem não atacar passantes, situações
de valia para os observadores.
5. Capitão Tito
Correa de Mello em nada contribuiu para a conquista sertaneja
A oficialidade
botucatuense, no ano de 1889, quando já mortos os principais nomes do
desbravamento do sertão, ou, decrépitos os sobreviventes, o capitão Tito Correa
de Mello, já no mando regional botucatuense, ditou versão histórica da formação
do lugar e da conquista sertaneja, ambas centradas no seu sogro, capitão José
Gomes Pinheiro [Vellozo], e nele próprio, Tito; os dois eram políticos
liberais.
Segundo Tito, o sogro desejara desde antes povoar o sertão, quando de seu esconderijo na fazenda Monte Alegre, em 1842, escrevera ao 'amigo' José Theodoro de Souza, lá das Minas Gerais, "Que viesse ver as terras da serra. Garantia que não ia se arrepender" (Francisco Marins, Clarão na Serra, 1985: 25).
—A vitória dos conservadores na Revolução de 1842, admite-se, pusera em debandada os liberais, e o capitão Gomes Pinheiro homiziara-se em sua fazenda no alto da Serra Botucatu, todavia, não existe qualquer registro confiável que o mineiro tenha recebido alguma carta ou atendido convite do Gomes Pinheiro, menos ainda, que fossem amigos.
Daí foi a vez do Tito, em 1849, 'convocar por carta' o compadre José Theodoro de Souza, determinando-o reunir bando, deixar Minas Gerais e vir urgente ao sertão para dar combate aos índios, sob promessas de muitas terras.
—Theodoro, na versão de Tito, teria acatado a ordem e chegou logo, para traçar os planos da grande invasão e conquista; todavia, semelhante à missiva do Gomes Pinheiro, desta também nenhuma prova que efetivamente tenha sido escrita, recebida e obedecida.
Tito bravateou sem ninguém para contestá-lo, e os
autores regionais, memorialistas e historiadores, acreditaram na sua vertente
de 1889 (Opúsculo - Avaré, História e Geografia, 1939: 6, transcrição), e a
história da conquista sertaneja nisto se fundamentou, para permanecer
'oficializada' até 2018.
Ora, no ano de 1849 o José Theodoro de Souza e sua
mulher, dona Francisca Leite da Silva, já residiam em Botucatu, declarados
fregueses aos 02 de julho daquele ano, presentes no batizado de Maria, filha de
Pedro Nolasco e sua mulher Maria (Botucatu, 1849/1856: 26), enquanto a presença
de Tito no sertão somente documentada após 1863.
A história documenta Euzebio da Costa Luz, filho de Joaquim da Costa e Abreu, juntamente com José Theodoro de Souza, unidos, a serviços e financiados por fazendeiros, como os maiores responsáveis pela estratégia e invasão sertaneja de 1850/1851, sem influências e ordens de Tito.
-o-